Comemorando 45 anos de carreira, Edwin Luisi estrela peça “Alair” no Rio e lamenta atual panorama brasileiro: “Eu nunca vi isso que está acontecendo”


Além de celebrar a própria trajetória nas artes, este também é um momento de homenagem pelos 25 anos de morte do fotógrafo brasileiro. Para o ator, em datas como essa, peças sobre figuras importantes ganham ainda mais força no cenário cultural. “Essas oportunidades são ótimas para que o público que nunca ouviu falar de personagens como o Alair conheça o trabalho dele”

Filósofo, escritor e crítico de arte, Alair Gomes escreveu sua trajetória através das fotos. Com mais de 170.000 negativos acumulados durante os anos de profissão, o artista brasileiro se consagrou pelos registros de belos corpos masculinos. Agora, quando se completam 25 anos sem Alair, ele é homenageado no palco da Casa de Cultura Laura Alvim. Na peça “Alair”, que fica em cartaz até esta semana, Edwin Luisi conta a história do profissional que se tornou referência quando o assunto são as fotografias homoeróticas. Com direção de César Augusto e texto de Gustavo Pinheiro, o espetáculo revela o artista através de passagens de sua vida.

Em entrevista ao HT, Edwin Luisi contou que a proposta da peça é narrar a vida de Alair Gomes através de momentos especiais descritos pelo próprio artista. Assim, o autor, Gustavo Pinheiro, teve como base registro, fotos e textos assinados pelo fotógrafo para a construção do espetáculo. “O objetivo não era contar do nascimento à morte dele. Para fazer essa peça, nos apropriamos de fotos, textos e de um acervo que ele fazia de suas viagens. Não era um roteiro, eram relatos das impressões culturais e sociais dos lugares pelo qual passava extremamente inteligentes. Então, é como uma colcha de retalhos de várias experiências e visões do Alair que apresenta diferentes flashes de sua vida”, explicou o ator.

Edwin Luisi como Alair Gomes na peça que homenageia o fotógrafo brasileiro (Foto: Elisa Mendes)

Coincidência ou não, como disse Edwin Luisi, “Alair” estreou bem no ano em que se completa um quarto de século da morte do artista. Para o ator, o acaso do destino dá um toque a mais para o espetáculo. Com a efeméride, mais pessoas passam a conhecer a obra do fotógrafo e celebrar esta brilhante trajetória. “Essas datas comemorativas são ótimas para que o público que nunca ouviu falar de personagens como o Alair conheça o trabalho dele. Eu acho que no geral, sempre atrai uma atenção maior. Agora, por exemplo, também está ocorrendo uma exposição com as obras do Alair no MoMA, em Nova York, e em um museu em Paris”, contou.

Assim como a combinação de datas para a estreia da peça no ano dos 25 anos da morte do artista pode ter sido uma coincidência do destino, a presença de Edwin Luisi no protagonista do espetáculo também. Como nos contou, o ator estava em cartaz com a peça “Cinco homens e um segredo” quando foi convidado para apenas uma leitura do texto da peça. “Quando eu cheguei lá, estava toda a equipe do espetáculo me esperando. Eu fiz a leitura e ficaram todos encantados me pedindo para fazer. Porém, como eu tinha um compromisso com a equipe da outra peça, eu não pude aceitar de imediato”, lembrou Edwin que, como solução, aceitou fazer uma temporada de um mês da peça “Alair” enquanto o espetáculo “Cinco homens e um segredo” tirou férias. “Depois da leitura, eu vi que todos ficaram muito mobilizados e eu percebi que precisava ajudar aquele pessoal. Como era apenas um mês, eu consegui combinar para que desse tudo certo”, disse.

E não é apenas a efeméride de morte de Alair Gomes que está sendo homenageada neste momento na vida de Edwin Luisi. Em 2017, o ator comemora 45 anos de carreira dedicados à arte. Sobre este momento especial, Edwin afirmou que se divide entre motivos para comemorar e para reclamar. “Eu estou levando a minha vida como eu sempre quis e continuo resistindo em cima do palco. Mas este é um momento muito complicado para todos nós que vivemos e trabalhamos com a cultura. Os teatros estão sendo fechados, o governo não está dando qualquer tipo de incentivo e as empresas não querem mais investir em cultura. Ou seja, hoje em dia, fazer teatro no Brasil se tornou um ato de resistência. Quem está se propondo a fazer, praticamente está pagando por isso. O dinheiro que recebemos é irrisório e não sustenta o espetáculo. Então, estou vivendo um momento em que me divido pela alegria de estar no palco com duas peças maravilhosas, mas também pela tristeza de ver amigos que são profissionais incríveis tendo que desistir da profissão depois de tantos anos de experiência. Eu conheço artistas que estão tendo que voltar para a casa dos pais, se mudar para bairros mais afastados e pedindo dinheiro emprestado para conseguir se manter”, contou.

Em 2017, além de completar 25 anos da morte de Alair, Edwin também comemora 45 anos de carreira (Foto: Elisa Mendes)

Sobre esta situação complexa, Edwin Luisi foi além. Aos 70 anos de idade, o ator lembrou que já vivenciou diversos momentos complicados na história do Brasil. Mas, para Edwin, nada se compara ao atual panorama nacional. “Eu nunca vi isso que está acontecendo agora no nosso país. Nossa sociedade já passou por muitos perrengues e sempre mantivemos a esperança em dias melhores. Eu era jovem na época da ditadura, vivi o impeachment do Collor e passei por toda essa história que conhecemos. Mas, agora, estamos vivendo tempos de decadência moral na classe política que se reflete na sociedade. Com 45 anos de profissão, estou vendo uma cultura brutalmente devastada”, argumentou o ator que contou que se reúne com outros artistas para debater sobre o atual panorama. “Eu me encontro com intelectuais, diretores, produtores e diversos outros artistas para pensar sobre este momento. A gente espera que haja uma mudança radical no comportamento das pessoas e que os políticos entendam que o crime não compensa”, destacou Edwin que, como solução para o caos contemporâneo, acredita que a melhor saída seja punir com longos anos de cadeia os corruptos.

No entanto, apesar do momento de crise na cultura brasileira, em principal, no Rio de Janeiro, Edwin Luisi está em cartaz em um espaço que está vivo graças a contramão disso tudo. Ícone da cena artística carioca, a Casa de Cultura Laura Alvim é um dos legados positivos deixados pelas Olimpíadas na cidade. Restaurada para ser sede de um dos patrocinadores dos Jogos, o espaço cultural recebe hoje diferentes expressões artísticas. “Estamos aproveitando uma rebarba boa que ficou das Olimpíadas. Eu já estive em cartaz lá antes da reforma e, agora, voltar e ver tudo restaurado dá uma incrível sensação positiva em meio ao caos. Este é um espaço muito querido e que tem um sentido ainda mais especial para a gente. Depois, eu descobri que o Alair costumava trabalhar bem em frente à Laura Alvim. Por coincidência ou destino, foi uma constatação bem reveladora estarmos fazendo esta homenagem em um lugar que ele viveu bastante”, contou.

Desta forma, aproveitando as rebarbas e oportunidades da vida, Edwin Luisi contou que segue vivendo daquilo que ama: a arte. Porém, o ator contou que, para se manter nos palcos hoje, se sustenta pelas reservas que acumulou em seus 45 anos de carreira. “Eu trabalhei por muitos anos e consegui me preparar para passar por este momento. Hoje, eu pago as minhas contas com o que eu consegui juntar durante os anos. No meu caso, eu ainda tive trabalhos além do teatro que me ajudaram muito. Mas, para quem sempre viveu dos palcos, a situação está ainda pior”, afirmou o ator que reconhecer que este panorama de crise não é de exclusividade da classe artística. “Todos os dias vemos lojas e restaurantes fechando, equipes demitindo profissionais, gente precisando mudar de vida para se manter… É uma situação muito séria”, completou.

Para o futuro, Edwin Luisi mostrou mais engajamento do que esperança. Em relação aos próximos meses, o ator contou que seguirá em turnê com a peça “Cinco homens e um segredo” e que tentará voltar em cartaz com “Alair” em horário alternativo. “Eu estou sempre em atividade buscando novos textos e conhecendo possíveis montagens. O problema é quando estruturamos uma peça e precisamos passar por editais, fomentos e solicitações de uso da lei Rouanet. Pelo menos, a minha parte eu estou tentando fazer para me manter vivo na profissão”, disse o ator Edwin Luisi.

Serviço: “Alair

LOCAL: Teatro Laura Alvim – Av. Vieira Souto, 176 – Ipanema / RJ
Tel: (21) 2332-2015
HORÁRIOS: 4ª a sábado às 21h e domingo às 20h
DURAÇÃO: 70 min
INGRESSOS: R$60,00 e R$30,00 (meia)
GÊNERO: drama
CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 14 anos
TEMPORADA: até 02 de julho