Com peça que discute o amor e a homofobia, Gustavo Vaz destaca a importância de manter a arte viva em meio ao caos: “Resistir é postura diária”


O ator, que interpreta Francis em “Tom na Fazenda”, também comentou a importância das temáticas abordadas pela peça neste momento da sociedade. Com texto do dramaturgo canadense Michel Marc Bouchard, o espetáculo transita pelo respeito, vergonha e, principalmente, amor. “Estamos falando da falta dele e dos resultados disso”

“Devemos relembrar o amor”. Esta é a proposta do espetáculo “Tom na Fazenda” que, após uma brilhante temporada no Rio de Janeiro e algumas apresentações em São Paulo, volta ao estado fluminense trazendo arte e reflexão para os teatros. Com um texto intenso e recheado de pensamentos, assinado pelo dramaturgo canadense Michel Marc Bouchard, a peça traz à luz questões como o amor, a vergonha, a homofobia e a morte. Na pele de Francis, Gustavo Vaz destacou a obra do autor, aliada à direção de Rodrigo Portela, que provoca no público uma mistura de repúdio e identificação pelas histórias dos personagens, como destacou o ator. Sucesso no palco, “Tom na Fazenda” ganhou seu reconhecimento fora dele no Prêmio Cesgranrio. Na categoria Melhor Ator, Gustavo foi indicado por sua intensa e dedicada interpretação na peça. “Quando parece não haver mais espaço para tanta felicidade, a vida te presenteia com mais uma surpresa linda. (…) Mais um prêmio que contribui ao engrandecimento e reconhecimento do nosso ofício. Bravo”, escreveu Gustavo Vaz ao compartilhar a conquista no Instagram.

Ao lado de Armando Babaioff no palco de “Tom na Fazenda”, Gustavo Vaz interpreta o irmão do homem que morreu. “Francis cria e sustenta uma grande mentira para que sua mãe nunca descubra nada sobre a homossexualidade do irmão, mas, com chegada de Tom, namorado do morto, tudo é colocado em risco, o que faz com que ele tenha a reação esperada dos ignorantes quando assustados: violência. Num primeiro olhar, pode-se resumi-lo como um machista homofóbico, mas ele vai além”, contou Gustavo que, na montagem apresentada, faz com que o estereótipo apresentado de seu personagem funcione como um gatilho para que a plateia se identifique com algumas características. “A peça mostra, numa de suas camadas, como a combinação entre o ultrapassado conceito de família tradicional, a religião mal interpretada e a ignorância pode se tornar um trinômio perigosíssimo na instauração e perpetuação do preconceito na sociedade, revelando também como cada um de nós corrobora com esse status quo sempre que nos omitimos diante de situações onde há um opressor e um oprimido. Francis é o resultado disso tudo. E o difícil de engolir é ir descobrindo durante o espetáculo que, apesar de tudo, ele é humano, assim como eu e você. Ou seja, em algum ponto, somos iguais a ele”, completou.

Gustavo Vaz e Armando Babaioff em “Tom na Fazenda” (Foto: Ricardo Brajterman)

Delicada, porém essencial para este momento que estamos vivendo, Gustavo Vaz acredita que a peça funcione como importante plataforma para a discussão de temáticas modernas. De acordo com ele, esse texto chegou ao Armando Babaioff, que além de atuar também idealizou o espetáculo, como uma feliz coincidência do acaso. E eles não poderia deixar esta chance passar. “O Babaioff viu no texto uma importante oportunidade de falarmos sobre assuntos que precisam ser debatidos e combatidos diariamente, especialmente numa época onde o pensamento conservador volta a ganhar força. No entanto, vejo o texto como uma abordagem sobre a problemática do amor, das mais diversas formas. Estamos falando da falta dele e dos resultados disso, da supressão do amor e da necessidade inexorável de sua presença para que possamos continuar empáticos e humanos uns com os outros. Num momento histórico onde estamos tristemente divididos, vivendo uma profunda crise de representatividade na política e experimentando uma descrença generalizada em nossas instituições, acho que as artes e o teatro devem ter também a função de relembrar à sociedade sobre a escuta, o diálogo, sobre como o pensamento crítico e a percepção do coletivo são fundamentais na construção ou na reconstrução diária da sociedade. Devemos relembrar o amor”, destacou.

Gustavo Vaz destacou a importância da arte neste atual panorama no qual estamos inseridos (Foto: Hudson Senna)

E é isso o que eles estão fazendo pelo Brasil. No Rio de Janeiro, “Tom na Fazenda” ficou em cartaz por um mês e meio e colecionou diversas experiências enriquecedoras e emocionantes. Segundo Gustavo Vaz, a passagem do espetáculo pela cidade foi, além de um retorno do ator a sua cidade-natal, um estímulo para que a peça siga seu caminho pelos palcos do Brasil. “Até hoje fico extremamente tocado ao lembrar de conversas que tivemos com o público logo após o espetáculo e de ter percebido, nesse diálogo, que não estamos sozinhos no que fazemos; que a peça pôde ultrapassar o palco e foi embora com a plateia para casa e para vida. Não tem sensação melhor”, comemorou.

Depois da temporada no Rio e de algumas apresentações em São Paulo, a peça deve viajar o Brasil pelos próximos meses (Foto: Ricardo Brajterman)

Mais do que inspirado a seguir na estrada com uma peça tão especial e necessária para este momento de caos, Gustavo Vaz não minimizou a importância da palavra “resistência” neste momento artístico do Brasil. No entanto, o ator destacou que, apesar de mais grave, a dificuldade da classe artística não é uma realidade apenas deste momento. “Os tempos sempre foram difíceis a sua maneira, desde que o mundo é mundo, só que hoje estamos mais informados do que antes. Resistência é parte fundamental do ofício do artista, que historicamente se posiciona contra os abusos cotidianos. Resistir é postura diária, é condição para sermos o que somos, sem escapatória, sem clichês. Apesar da visão completamente equivocada de uma parte da sociedade sobre o artista de hoje, que o define como um indivíduo sustentado pelo governo – e a quem pensa assim sugiro um pouco de leitura e estudo da História, além de pesquisas sobre as leis de incentivo no Brasil e sobre o ofício do ator –, são nos momentos mais sombrios que nossa presença e posicionamento se tornam mais necessários”, argumentou o ator que se manteve firme em seu ofício. “Apesar das dificuldades, são nos piores momentos que a arte e o teatro devem acontecer. Não há hora melhor para pensar em continuar e fazer mais e mais coisas”, completou.

“Resistência é parte fundamental do ofício do artista, que historicamente se posiciona contra os abusos cotidianos” (Foto: Hudson Senna)

Porém, engana-se quem pensa que este engajamento de Gustavo para manter a veia cultural ativa se restrinja aos palcos do Brasil. De forma independente, o ator também se dedica a um trabalho autoral audiovisual. À frente do documentário “A voz de Iara”, Gustavo Vaz quer redescobrir a sua mãe, que morreu quando ele tinha dois anos, através de sua voz. “O documentário surgiu de um impulso essencial em descobrir quem foi minha mãe, que morreu quando eu ainda era muito pequeno. Sempre ouvi falar de como ela era, via algumas fotos, mas nunca tive as sensações de sua presença na minha pele. As conversas com seus amigos de infância e com nossos familiares têm me dado essa noção, de que ela realmente existiu, de que ela foi real. No documentário, busco, a partir destes encontros, descobrir uma espécie de voz subjetiva dela, mas que permanece em silêncio e que me é desconhecida. Tem sido uma experiência muito rica para mim. Ainda não sei aonde vou chegar, mas acredito que falando da mamãe posso acabar tratando de outras pessoas, e isso me deixa entusiasmado”, contou.

O documentário “A Voz de Iara”, que está sendo produzido por ele, é uma homenagem a sua mãe (Foto: Ricardo Brajterman)

Com uma temática tão particular, Gustavo acredita que o documentário tenha um fôlego diferente. Para ele, esta ligação é essencial para o desempenho da profissão, mesmo que não seja tão intensa como neste caso. “Para mim, a intimidade entre obra e artista é necessária, em qualquer trabalho. O fôlego surge quando há sincera comunicação entre os dois. Quando há diálogo entre ambos, há chance de existir arte. E o dinheiro não deveria ser condição fundamental para que esse movimento aconteça; às vezes, o trabalho independente me faz ter uma liberdade única na criação. E isso é extremamente importante para mim, a liberdade dentro de um processo criativo”, disse o ator que comentou sobre produzir um trabalho por conta própria. “Diria que a minha vontade em passear por diversas áreas tem a ver com a necessidade em me manter vivo para mim mesmo, e não para o mercado, no fim das contas”, justificou.

Com esta proposta de se manter vivo com a arte como alimento substancial, Gustavo Vaz segue uma carreira cheia de projetos e trabalhos. Para além do espetáculo “Tom na Fazenda” e do documentário “A Voz de Iara”, o ator também integra o elenco do longa “Divórcio”. “Eu faço o Catanduva, um famoso cantor de sertanejo universitário de Ribeirão Preto. O filme, dirigido pelo querido Pedro Amorim, é divertidíssimo. A história mostra um processo de separação nada amigável entre um casal, cheio de cenas de ação e comédia refinadíssima entre os personagens da Camila Morgado e do Murilo Benício. A previsão é de estrearmos nos cinemas em setembro, e estou muitíssimo empolgado com o trabalho. Acho que o público vai sair do cinema bastante feliz”, adiantou.

Gustavo Vaz e Armando Babaioff em “Tom na Fazenda” (Foto: Ricardo Brajterman)

Na telinha, Gustavo Vaz também acumula papeis que garantem ainda mais pluralidade a sua carreira. Versátil e extremamente profissional, o ator acredita que estas sejam características fundamentais para o ator contemporâneo. “Os paradigmas estão mudando com os serviços ‘on demand’ propondo novas lógicas de produção, o cinema nacional abraçando temas cada vez mais plurais, o universo de produções transmídia surgindo com força e a TV se arriscando a cada nova proposta. O teatro também, cada vez mais absorvendo outras linguagens e proporcionando opções de experiências sensacionais ao público de hoje. O ator acaba sendo impactado por isso tudo, e vejo principalmente a internet como um divisor de águas em nosso ofício”, analisou Gustavo que destacou a necessidade de se reinventar a profissão. “A interpretação que não parece crível, independente do universo ficcional, hoje, mais do que nunca, é recebida com desconfiança pelo público. Tudo isso, acredito, faz com que a imersão do ator em diferentes linguagens seja importante para o exercício da profissão atualmente”, completou.

Além do exercício da atuação, Gustavo Vaz apontou que seja necessário mergulhar em novos horizontes para manter a chama da novidade e das múltiplas experiências sempre acesa. Diretor de uma companhia de teatro em São Paulo e com passagens pela produção, locução, roteiro e direção no meio artístico, ele destacou que a variedade de conhecimento contribua para uma carreira mais produtiva. “Acho que tentar buscar outros campos de manifestação nas artes, além de me proporcionar oportunidades em diferentes tipos de projetos, também contribui para minha evolução pessoal e profissional”, apontou.

Além de atuar, Gustavo Vaz também explora diferentes habilidades dentro do cenário artístico (Foto: Hudson Senna)

Sendo assim, Gustavo Vaz é um daquele nomes que, como referência, tem uma série de trabalhos incríveis para contar. Apesar do extenso currículo, o ator brincou que não se considera um veterano da profissão. Jovem e cheio de disposição para novos trabalhos e descobertas, ele tem como combustível da carreira a missão de manter a arte sempre presente na sociedade, principalmente quando tudo parecer perdido, como destacou. “Como artista, acreditar nisso me faz continuar, especialmente quando a situação parece desfavorável”, destacou o ator. “Sinto que preciso estar sempre em movimento. Há muito o que fazer”, acrescentou Gustavo Vaz.

Programação “Tom na Fazenda”

03/08 – Madureira
04/08 – Niterói
05/08 – Barra Mansa
11/08 – Nova Friburgo
12/08 – Teresópolis
14 e 15/08 – Festival Internacional de Londrina
18/08 – São João do Miriti
19/08 – São Gonçalo
31/08 – 30/09 – Rio de Janeiro