Claudia Ohana será Maria Callas no teatro: ‘Ela sofreu com haters da época. Eu não fui massacrada, mas já criticada’


A atriz analisa questões femininas através dos anos, tendo como ponto de partida a peça “Parabéns Sr. Presidente, In Concert”, que marca seu retorno ao trabalho como atriz desde o início da pandemia. No palco, em temporada presencial no Teatro dos Grandes Atores, no Rio, ela e Juliana Knust, que interpretam a cantora Maria Callas e a atriz Marilyn Monroe, respectivamente, vão mostrar o encontro dessas duas mulheres icônicas nos bastidores do 45º aniversário do então presidente dos EUA John Kennedy. “A Callas sofreu por um amor, o Onassis, mas a Marilyn sofria por amor de qualquer pessoa. Ela tinha uma carência infinita. Sofriam também com a opinião pública, foram muito atacadas. E diferentes no amor e na arte também, mas foram duas mulheres intensas, que tiveram infância dolorosa e morreram jovens”, reflete Claudia que solta a voz no canto lírico

Sem interpretar uma personagem desde julho de 2019, Claudia Ohana volta ao teatro no próximo dia 23 (Foto: Simone Kontraluz)

Claudia Ohana (Foto: Simone Kontraluz)

* Por Carlos Lima Costa

Sem interpretar uma personagem desde o término da novela Verão 90, em julho de 2019, a atriz Claudia Ohana, depois de um ano e meio de pandemia, está na contagem regressiva para seu retorno ao teatro. O público a verá no papel de Maria Callas (1923-1977), no espetáculo Parabéns Sr. Presidente, In Concert, uma das várias peças que começam a marcar um momento de retomada da cena teatral brasileira, mostrando o encontro da maior cantora lírica de todos os tempos com um dos ícones do cinema mundial, a atriz Marilyn Monroe (1926-1962), vivida por Juliana Knust, com quem contracena pela primeira vez.

“Vivemos um momento histórico muito louco. Eu me tranquei bastante em casa. Teve uma época que eu não via ninguém, nem minha filha, nem meus netos. Agora, estamos todos começando a abrir algumas portas e a voltar aos palcos. Retornar ao trabalho me enriquece e me enche de alegria. É importante estar em cena”, enfatiza ela. Quem quiser conferir presencialmente a montagem tem até dezembro, no Teatro dos Grandes Atores, na Barra da Tijuca, Rio. Além de voltar aos palcos, Claudia revive a personagem, com nuances diferentes, que ela havia interpretado em 2014, no espetáculo Callas, dirigida por Marília Pêra (1943-2015), que havia dado vida à soprano, em 1996, na peça Master Class. “Sem dúvida eu tive uma base com ela que me ensinou muito. Virei outra atriz de teatro depois de Marília. Desde o primeiro dia do ensaio senti que tinha uma Callas ainda, mas agora em um momento diferente, uma fase mais jovem, que ela estava cantando em seu esplendor. Na outra peça, ela já estava mais velha e melancólica dias antes de sua morte”, conta.

Claudia Ohana no papel da cantora lírica Maria Callas, personagem que ela havia interpretado em outro espetáculo, em 2014 (Foto: Pino Gomes)

Claudia Ohana no papel da cantora lírica Maria Callas, personagem que ela havia interpretado em outro espetáculo, em 2014 (Foto: Pino Gomes)

O ponto de partida do espetáculo é o encontro de Callas e Marilyn na comemoração do 45º aniversário de John Kennedy (1917-1963), então, presidente dos Estados Unidos, no Madison Square Garden, onde a atriz cantou Happy Birthday para Kennedy, que manteve com ela caso extraconjugal, e Callas interpretou Habanera da ópera Carmen, do compositor francês Georges Bizet (1839-1875). Além de retratar um pouco das duas estrelas icônicas, a montagem aborda questionamentos importantes do universo feminino. Vale lembrar que Callas manteve uma conturbada relação com o magnata grego Aristóteles Onassis (1906-1975), que posteriormente, em 1968, casou-se com a viúva de Kennedy, Jacqueline Kennedy Onassis (1929-1994).

“Callas era muito apaixonada, queria parar a carreira por causa dele. Ela era intensa, tudo com ela era operístico”, ressalta Claudia, que vai soltar a voz no palco cantando, por exemplo Ave Maria e um trecho da ária Habanera, que ela já cantou na peça Carmen. “Há muito tempo não trabalho minha voz como canto lírico e é muito difícil, com certeza, mas essa dificuldade é maravilhosa. E de novo o desafio de poder cantar Habanera, que eu sempre quis, porque na época da Carmen, tive um problema, não pude continuar. Então, para mim tem várias emoções. Sempre gostei de lírico, de ópera, estudei lírico, mas é muito abuso da minha parte cantar como Maria Callas. Mas eu sou uma pessoa abusada. Claro que qualquer pessoa pode chegar e falar ‘é horrível’, realmente jamais cantarei como Callas nem como nenhuma cantora lírica, afinal não sou uma cantora lírica. Mas vou cantar”, frisa ela.

Antes da peça, participou do Super Dança dos Famosos, do qual foi eliminada em julho. A competição representou a primeira saída do isolamento. “Aceitei os dois trabalhos de imediato, porque já estamos saindo na rua e tem todo um protocolo. Mas sou muito apavorada e mesmo com todo rígido protocolo da Globo durante o processo eu fiquei ‘ai meu Deus, porque eu aceitei’, morrendo de medo, mas louca para sair de casa e para trabalhar. Já fomos vacinados e aqui a equipe é bem reduzida e a vontade de trabalhar é maior. E eu acredito nos deuses me protegendo e é álcool em gel o tempo todo. Também só saio para isso, não faço mais nada, não vejo ninguém, não vou para nenhuma social”, explica.

Juliana Knust e Claudia Ohana caracterizadas como Marilyn Monroe e Maria Callas (Foto: Pino Gomes)

Juliana Knust e Claudia Ohana caracterizadas como Marilyn Monroe e Maria Callas (Foto: Pino Gomes)

Tanto Maria Callas quanto a Marilyn Monroe foram mulheres complexas, ao mesmo tempo fortes e frágeis. “A Callas sofreu por um amor, o Onassis, mas a Marilyn sofria por amor de qualquer pessoa. Ela queria o amor do mundo inteiro, ela tinha uma carência infinita, então, ela sofria por falta de amor que não teve. Conheço bastante a história da Marilyn, sou muito fã das duas. Elas sofriam também com a opinião pública, elas foram muito atacadas, as duas, pelos haters da época (risos). Agora, no amor são diferentes, na arte também, mas são duas mulheres intensas, que tiveram infância dolorosa e morreram jovens”, explica.

Claudia se identifica até certo ponto. “Eu não fui massacrada, mas já fui criticada, falaram que eu cantava mal na Ópera do Malandro, que eu era péssima, aí você fica mal. Mas quando fui para Paris lançar o filme fui tão elogiada. As pessoas falam que não ligam para crítica ruim, mas eu ligo, sou um pouco que nem Marilyn nesse aspecto, eu quero que todo mundo me ame”, afirma.

Ao contrário da época em que as duas estrelas viveram, hoje, temos um forte empoderamento feminino, em que as mulheres têm voz ativa, denunciam assédios. Claudia não enxerga atualmente um comportamento de fragilidade quando se trata de amor. “Acho que mudou bastante. Na verdade, na vida, a gente só tem um amor desesperado, que você sofre. Depois, quando você aprende, nunca mais. As mulheres são mais independentes, mas a sociedade ainda cobra uma mulher que tenha um homem do lado, um companheiro. A sociedade é machista”, observa.

"Me identifico com a Callas na busca pela arte, de querer me aprimorar, mas não sou tão dura, tão ríspida, nem acho que o outro é tudo na minha vida. Ela achava que o amor dela era tudo na vida", frisa Claudia (Foto: Pino Gomes)

“Me identifico com a Callas na busca pela arte, de querer me aprimorar, mas não sou tão dura, tão ríspida, nem acho que o outro é tudo na minha vida”, frisa Claudia (Foto: Pino Gomes)

Como exemplo, Claudia relata uma situação vivida por ela. “Uma vez, eu estava namorando um cara muito legal, muito bonito e as pessoas diziam para mim: ‘Parabéns pelo namorado (risos).’ Quando você está acompanhada, é parabéns. E quando você está sozinha é ‘ahmmm’. As próprias mulheres falam isso, como se a gente pudesse ser feliz somente com um homem do lado ou com uma parceira que seja. Nós podemos também ser felizes sozinhas, nos divertindo, sendo solteiras. Eu fico muito bem sozinha. Lembro de uma peça encenada pela Zezé Polessa, que se chamava Sou Infeliz, Mas Tenho Um Marido. Mais ou menos isso”, observa.

Apesar do discurso feminista, muitas mulheres ao se tornarem mães criam as filhas com brinquedinhos como fogãozinho, que não deixam de ter um lado machista, como se indicasse que o papel da mulher é ser também dona de casa, repetindo a criação das mães e avós, por exemplo. Nessa questão, Claudia faz uma observação nas transformações ocorridas. “Isso está mudando. Eu vejo com meus netos que brincaram de boneca, que fazem tricô, então, tem uma mudança aí. Acho que os homens também estão brincando de fogãozinho agora, isso é uma questão, porque o homem também tem que fazer parte das tarefas domésticas da casa e isso vem de pequeno. Eu, por exemplo, não fui nada educada para trabalhos domésticos. Eu brincava de boneca enlouquecidamente, mas sou uma péssima dona de casa. Minha mãe não era uma dona de casa, então, é uma questão da criação, mas, claro, ainda existe um machismo na nossa criação”, analisa.

A atriz, então, reflete onde ela consegue se ver na Callas, se é na questão da força que teve como profissional ou nas fragilidades afetivas. “Existe uma Callas em mim, mas ela era muito tempestuosa, firme, lutava pelo que ela achava e pela arte. Eu sou mais flexível. É diferente. Mas me identifico com ela na dor da infância, que foi complicada, me identifico na busca pela arte, de querer me aprimorar, me questionar. Ela tinha isso. Mas sou diferente, porque não sou tão dura, tão ríspida, nem acho que o outro é tudo na minha vida. Ela achava que o amor dela era tudo na vida. Acho que isso também já está mudando”, argumenta.

"Tenho um lado que é carente de afeto. Carência de pai e mãe é algo que te persegue um pouco durante a vida toda”, ressalta Claudia (Foto: Pino Gomes)

“Tenho um lado que é carente de afeto. Carência de pai e mãe é algo que te persegue um pouco durante a vida toda”, ressalta Claudia (Foto: Pino Gomes)

Claudia, então, recorda a infância quando pequena foi morar com o avô e depois com os tios. “Eu chamava meus tios de pai e mãe. Eu era bem feliz com eles, me divertia bastante. Conheci minha mãe com nove anos de idade, aí fui morar com ela, mas ela morreu. Não sei o motivo de não a ter ao meu lado antes, ela morreu muito nova para me explicar. Eu também era nova. Fui viver sozinha com 15 anos e tive que trabalhar, não tive pai, então, foi difícil. Meu avô era maravilhoso, mas foi bem difícil. Quer dizer, desde pequena aprendi a viver e a me virar sozinha. Me tornei essa mulher com forças e fraquezas. Nunca dependi de ninguém realmente, mas ao mesmo tempo tenho um lado que é carente de afeto. Carência de pai e mãe é algo que te persegue um pouco durante a vida toda”, ressalta.

Franca, afirma que nem por isso foi uma supermãe. “Mas sou uma mãe superpresente, bem amiga e parceira”, diz ela, que considera ainda um grande desafio encarar a pandemia da Covid-19. “Infelizmente. Continua sendo triste, difícil. Temos esse perigo ainda. Eu sou altamente paranóica, então, é chato quando você não aceita o abraço, a proximidade das pessoas. Eu fico péssima se alguém vem, tira a máscara e começa a falar. Eu vou me afastando da pessoa, que fala: ‘Calma, estou vacinada’. Isso não quer dizer nada. O louco é que a pessoa fala que não está saindo para nada, aí você vai no Instagram e vê a foto dela em um bar abraçada com alguém. Agora, realmente está muito chato não poder ir a aniversários de amigos, não poder fazer uma festa, nem abraçar as pessoas”, reflete ela, que encontra a filha, Dandara Guerra e os netos Martim e Arto. “Eles moraram aqui durante meses e, agora, os vejo toda semana, mas sem abraço ainda”, conta.

Claudia não acha que esse será um tempo de mudanças. “Tem pessoas que não aprendem nada. Mas muita gente vai aprender, enfim, é um aprendizado duro, chato e ruim, aprendizado que afasta as pessoas e a afetividade, que coloca desconfiança. Vejo pessoas que nem são negacionistas e tiram a máscara, dizem ‘vamos pegar de qualquer maneira’”, aponta e reflete sobre esse Brasil polarizado em excesso por conta da política: “Dá até medo da gente voltar para uma ditadura. Acho meio impossível, mas é muito louco ver pessoas a favor da ditadura. É surreal e não dá para entender”.