Claudia Lira: “Uma mulher envelhecer no Brasil é quase um pecado. São cobranças e julgamento”


A atriz levanta a questão ao refletir sobre situações machistas e vai levar o tema para o teatro, na peça A Casa da Sogra. “A gente tem que ser boa mãe, boa amiga, mulher, ser magra, ter humor, saber cozinhar…É uma loucura”, assegura ela, que observa o machismo também na questão das publicidades. “As atrizes de 50 e poucos anos, Julia Roberts, Juliette Binoche, Jennifer Lopez, todas elas fazem propagandas de perfumes e de cremes para o rosto. Aqui, no nosso país, quem faz a propaganda direcionada às mulheres dessa faixa etária são as que estão na faixa dos 20. Isso não é bacana. Não acredito que vá mudar a curto prazo”, observa Claudia

* Por Carlos Lima Costa

Situações provocadas pelo machismo como a dificuldade que a mulher enfrenta ao envelhecer na sociedade brasileira permeiam o espetáculo A Casa da Sogra, que marca o retorno da atriz Claudia Lira ao palco, interpretando uma funcionária pública acima dos 50 anos, no exato momento em que ela realiza o sonho da aposentadoria, acreditando que a partir daí vai ter paz na vida. Mas acontece justamente o contrário. “Uma mulher envelhecer no Brasil é quase um pecado, não pode, ela não tem esse direito. Dependendo da roupa que usa, dizem que não fica bem, porque já está velha. Se está gorda, apontam o mesmo motivo. É julgamento o tempo inteiro. A mulher sofre muito bullying, isso é a realidade”, frisa a artista.

Será a primeira vez que Claudia vai estar no palco desde o início da pandemia. “Estou feliz e sou uma sobrevivente dessa loucura toda. É bom saber que vou sentir novamente o friozinho na barriga na estreia. Vamos abordar temas sérios, mas de forma leve”, explica a atriz, que, na peça escrita por Aharom Avelino, com direção de Andrade Sucesso, vai dividir a cena com Narjara Turetta e outros quatro atores.

Igual à sua personagem, Claudia também já sofreu com machismo. “A minha vida inteira. Fico brincando que é por causa do meu tamanho. Sempre quis ser mais baixinha para não chamar muita atenção. Mas falando sério, até pelo fato de ser atriz já aconteceu, ainda existe muito preconceito”, conta. E diante de tudo que já vivenciou, não enxerga uma melhora nessa questão. “Acho que sempre vão cobrar muito da mulher. Estão sempre julgando. Hoje em dia, por exemplo, ela pode ter filho aos 50 anos, mas se tiver, vão falar: ‘Poxa, já era para você ser avó’. Agora, um homem de 70 pode ser pai e ninguém questiona nada”, compara a atriz.

Em novembro, Claudia estreia o espetáculo A Casa da Sogra, no Rio (Foto: Leo Ornelas)

Em novembro, Claudia estreia o espetáculo A Casa da Sogra, no Rio (Foto: Leo Ornelas)

Claudia prossegue enumerando situações com a nítida percepção de que o machismo aflorou bastante durante a pandemia. “Isso é muito real. Por exemplo, se vou almoçar sozinha, ficam esperando se vai chegar alguém. Existe uma cobrança da mulher estar sempre acompanhada. Se é um homem que vai comer sozinho, ah, foi lá matar a fome. Outra questão: se você é solteira cobram quando você vai casar. Aí quando você se torna mãe, perguntam quando vai ter outro filho. É incansável. Ninguém faz perguntas como essas para os homens. Se o marido está trabalhando e você vai sozinha em uma festa, as pessoas ficam querendo saber o que aconteceu, se você se separou. É muito louco. A mulher e o homem têm que estar juntos, porque querem. Eu e o João (Marcelo Araújo) estamos há quase 12 anos, porque a gente se gosta. Quando nos  juntamos, ele já tinha dois filhos do primeiro casamento: João Victor estava com 3 anos, e a Carolina, 5. E eu era mãe da Valentina, que estava com dois”.

Quando o primeiro casamento de Claudia chegou ao fim, Valentina tinha quatro meses apenas e a atriz sentiu na pele como é ser mãe separada no Brasil. “Havia uma cobrança, do tipo ‘cadê o pai dessa criança?’. Quando o João apareceu na minha vida, as pessoas falaram: ‘ai que bom, é importante’. Importante é você se amar, dar amor. Não adianta ter pai, mãe, espírito santo e não ter amor”, aponta.

Claudia enfatiza ainda outras cobranças direcionadas às mulheres. “A gente tem que ser boa mãe, boa amiga, mulher, ser magra, ter humor, saber cozinhar…É uma loucura”, assegura ela, que observa o machismo também na questão das publicidades. “As atrizes de 50 e poucos anos, Julia Roberts, Juliette Binoche, Jennifer Lopez, todas elas fazem propagandas de perfumes e de cremes para o rosto. Aqui, no nosso país, quem faz a propaganda direcionada às mulheres dessa faixa etária são as que estão na faixa dos 20. Isso não é bacana. Não acredito que vá mudar a curto prazo”, observa Claudia.

Claudia abraça a filha, Valentina, que completa 15 anos no próximo dia 21 (Foto: Leo Ornelas)

Claudia abraça a filha, Valentina, que completa 15 anos no próximo dia 21 (Foto: Leo Ornelas)

Em relação à questão da passagem do tempo, Claudia, aos 55 anos, não encara isso como um problema. “Minha única crise foi quando completei 18 anos e pensei: ‘Agora, vou ter que me virar, não vou ter mais a mamata da mamãe ficar pagando contas para mim’. Os anos vão passando e eu vou vivendo. Eu me prefiro hoje em dia do que aos 20 anos. Não tenho mais aquelas ansiedades e inseguranças da juventude, porque já tive muitas conquistas. Não preciso mais correr para ser mãe, encontrar um espaço profissional. Os valores são outros”, pondera.

Desde pequena, o foco de Claudia foi na questão da saúde e não na estética. “Sou filha de nordestina (a atriz nasceu na Paraíba), qualquer reclamação que eu fazia, minha mãe dizia: ‘Pensa na saúde, tem gente no hospital’, então, cresci com isso na cabeça e me ajudou muito. Inclusive, sempre transmito essa ideia para a minha filha (Valentina). Ruim é não ter saúde”, aponta e assegura que se olhar no espelho e ver uma ruga no rosto não a incomoda. “Nunca valorizei a estética, nem fui muito vaidosa. Meu lugar não é esse. Minha vaidade está na qualidade de vida. É o que me deixa inquieta, não uma ruga. Isso faz parte. Vamos todos envelhecer. E não faço as coisas para agradar ninguém. Faço para me agradar”, afirma.

"Eu nunca valorizei a estética, nunca fui pessoa muito vaidosa. Meu lugar não é esse. Minha vaidade está na qualidade de vida", frisa Claudia (Foto: Leo Ornelas)

“Eu nunca valorizei a estética, nunca fui pessoa muito vaidosa. Meu lugar não é esse. Minha vaidade está na qualidade de vida”, frisa Claudia (Foto: Leo Ornelas)

Claudia nunca se submeteu a uma cirurgia plástica no rosto. Nada tem contra, mas não sentiu necessidade. Mas este ano, realizou uma operação reparadora para retirar uma cicatriz logo abaixo da barriga, resultado do problema de saúde que enfrentou em 2020, quando precisou tirar o apêndice e passou mais de um mês internada, sendo que uma semana no CTI.

“Após a primeira internação, fiquei dez dias em casa com muita dor. Aí fui para o hospital novamente. Estava com muito pus na barriga e ainda com o apêndice. Na segunda internação, graças a Deus deu tudo certo. Mas não teria sido necessário se na primeira o médico não tivesse feito a barbeiragem. Então, este ano, o dr. André Finger, graças a Deus, foi meu anjo da guarda. Com um procedimento rápido, tirou essa cicatriz que não era grande, mas me incomodava. Antes eu não tinha marca nem de cesariana. Ela tinha me deixado traumatizada. Foi um processo tão doloroso fisicamente e psicologicamente. Então, com essa plástica virei a página”, enfatiza.

"No Brasil, quem faz propaganda de perfume direcionada às mulheres acima de 50 anos, são as de 20. Isso não é bacana", afirma Claudia (Foto: Leo Ornelas)

“No Brasil, quem faz propaganda de perfume direcionada às mulheres acima de 50 anos, são as que estão na faixa dos 20. Isso não é bacana”, afirma Claudia (Foto: Leo Ornelas)

Durante a pandemia, Claudia já atuou em projetos no audiovisual. Este ano, rodou em Bananeiras, interior da Paraíba, o filme Vida Entre Folhas, dirigido por Silvio Toledo e Natalie Toledo. A atriz que já havia integrado o elenco de outro filme de Silvio, Incursão, já está escalada para o novo longa-metragem dele que vai ser filmado em 2022.