*Por Brunna Condini
São quase quatro décadas de trajetória profissional e Cláudia Abreu continua sendo movida pelo desejo primeiro da atriz: levar arte e cultura para plateias diversas, tocando pessoas e realidades plurais. “Se tenho um sonho hoje é de ser mambembe, voltar às origens, poder levar o teatro onde for, para as pessoas terem um pouco de arte em suas vidas. A arte transforma, salva, traz coisas boas. Precisamos mesmo democratizar o acesso a ela, como é a novela, por exemplo, que chega no país todo. Sonho em fazer isso com o teatro”, diz, em entrevista por telefone ao site. Ela vem experimentando a possibilidade concreta de mais autonomia para fazer isso: é autora e produtora de ‘Virginia’, seu solo que volta ao Rio de Janeiro a partir de 20 de outubro para curta temporada no mesmo local de sua estreia há um ano, o Teatro Prio, no Jockey Club. “Quero levar essa peça para todos os cantos, já que estou sozinha em cena, produção do meu bolso, isso me dá liberdade para viajar. Tenho rodado e visto como as pessoas estão ávidas por cultura”.
A liberdade de fazer suas escolhas artísticas é algo que Cláudia preservou ao longo da carreira, tanto que não credita a possibilidade apenas ao momento presente, com sua saída da Globo, anunciada em junho deste ano. “Muito se falou que sai da Globo após 37 anos, mas eu já havia saído outras vezes. Existe um sensacionalismo em falarem disso, como se fosse algo ruim e comigo não foi nem um pouco assim. Foi super numa boa e de comum acordo. Não vejo nenhum problema em estar livre para o mercado. É bom para a nova forma de business deles e é bom para os atores”, avalia ela, que acabou de gravar ‘Sutura‘ para Amazon Prime Video. “Faço uma cirurgiã famosa que consegue ser adorada e temida. É uma série surpreendente”. E continua: “O público pede e tenho vontade também de voltar a fazer uma novela, afinal elas me formaram. Tenho um compromisso com esse público, sei que é através das novelas que o meu trabalho chega mais longe. Se pintasse um bom projeto, embarcaria”.
Sobre o término de vínculo com a Globo, Cláudia diz ainda: “O fato de eu ter entrando aos 16 anos na emissora não fez com que eu permanecesse ininterruptamente lá. Saí por vontade própria duas vezes, uma depois de ‘Anos Rebeldes’ (1992), e outra em uma época em que estava fazendo coisas mais curtas como ‘Comédia da Vida Privada’ (1995), o ‘A Vida como Ela é…’ (1996), e acabei não renovando um contrato longo, coisa que só fui fazer mais adiante, quando fui chamada para ‘Força de um Desejo’ (1999). Isso porque sempre quis ter liberdade. Também sempre tive uma relação maravilhosa com a Globo, de sair e voltar, e neste meio tempo, fazer vários filmes no Nordeste em locação, por exemplo. Se observar a minha história, vai perceber que fiquei vários períodos sem fazer novelas, embora tenha feito muitas. E justamente por isso, porque não tinha renovado, porque tinha escolhido ser livre, dona da minha carreira, da minha vida, escolhido poder fazer muito cinema, teatro. Sempre tive um caminho natural de poder aproveitar as coisas que a vida me trazia e também aproveitar as coisas que a Globo me trazia”.
Para a artista, que teve como trabalho mais recente exibido na Globo e no Globoplay a série ‘Desalma, esse movimento do mercado é algo natural e oferece múltiplas possibilidades. “É saudável as coisas se transformarem. Eu já vinha amadurecendo há algum tempo essa saída. Primeiro porque estava observando que a Globo estava mudando seu esquema de contratação, então obviamente fui pensando em como eu gostaria de estar. Existem tantas plataformas, porque ficamos apegados a um contrato? Estou a vida inteira trabalhando, tenho minhas coisas, meu pé de meia básico, então por que não ter liberdade? A vida é uma só. Vejo que pode ser bom para todos os lados e tem toda essa efervescência do mercado de streaming para ser aproveitada”, finaliza.
Liberdade de dizer o que se quer
Antes de ‘Virgínia’, Cláudia já havia se experimentado como roteirista na série infanto-juvenil ‘Valentins’ do canal Gloob. Mas o monólogo marca a sua estreia na dramaturgia e o retorno da parceria com Amir Haddad, que a dirigiu em ‘Noite de Reis’ (1997). Em cena, a atriz interpreta Virginia Woolf (1882-1941), cuja trajetória foi marcada por tragédias pessoais e uma linha tênue entre a lucidez e a loucura. “Esse espetáculo mudou a minha vida, trouxe uma lançada de novidade, é subir ao palco e dizer o texto que eu realmente quero dizer, sobre um assunto relevante, é uma liberdade absoluta. Sou uma leitora apaixonada por ela, li grande parte da sua obra, entre diários, memórias e biografias, e acabei isso transformando isso tudo no desejo de fazer a própria Virginia. Quando eu lia sua obra. já a achava genial por sua própria sensibilidade, sofisticada e existencial. Ao mesmo tempo, quando fui ler sobre ela, percebi uma vida impressionante, que passou por muitas reviravoltas. Então, tentar traduzir isso tudo em uma peça, é um sonho que tive medo de não realizar, até pela própria complexidade”.
“Escolhi o viés do recorte humano, em que você entende como ela se tornou uma intelectual sem nunca ter ido à escola por ser mulher, por exemplo. Estão em cena questões importantes na trajetória dela e fiquei surpresa de ver como isso se comunica com o público. Falar sobre a vida da Virginia é falar sobre todo mundo, sobre o ser humano e suas complexidades. Ela não só foi uma das feministas pioneiras no séc.20, como mostra que a condição feminina não mudou tanto. Já dizia como era difícil viver da escrita sendo mulher. E estamos falando de uma mulher que se tornou intelectual sendo autodidata, porque quis ler a biblioteca do pai. Isso é de uma força imensa. Ainda a pouco, já no Sec.21, a Malala tomou um tiro no rosto porque queria estudar. Muitas coisas que atravessaram a vida da Virginia ainda acontecem hoje, como a opressão masculina, abuso sexual, mental. Ela conseguia com palavras traduzir muitas reflexões e sentimentos comuns a todos nós, essa é a genialidade. Isso me encantou”.
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