Um acidente com uma granada muda o destino de um militar da reserva. Cego e sem interesse mais em continuar vivendo, ele contrata um jovem e inexperiente estudante para acompanhá-lo em uma viagem de despedida da vida. O que ele não esperava era encontrar o seu único e grande amor que teve quando ainda conseguia ver o rosto e os cabelos negros dela. Essa história provavelmente lhe parece familiar. É o roteiro de um filme clássico: Perfume de Mulher, protagonizado por Al Pacino, em 1992. Sucesso de bilheterias em cinemas do mundo inteiro, essa narrativa que fala sobre amor e transformação está sendo encenada pela primeira vez em cima do tablado pelos atores Gabriela Duarte, Silvio Guindane, Eduardo Melo e Saulo Rodrigues, com direção de nada mais nada menos do que Walter Lima Junior. O site HT foi à estreia para convidados nesta noite de quinta-feira no Teatro PetroRio das Artes, na Gávea. Conversamos com Gabriela e Silvio, que dão vida ao casal apaixonado, mas separados pela infeliz escolha do protagonista em viver uma vida solitária. Na plateia nomes como Rodrigo Santoro acompanhado de Mel Fronckowiak, Hélio De La Peña, Roberto Bomtempo, Murilo Benício e Alexandra Richter.
Os lugares na sala de teatro estavam todos ocupados para assistir à primeira montagem mundial dessa famosa história. As cortinas se abriram e Gabriela Duarte começou a leitura de seu diário com passagens sobre a mãe doente e o amor que sumiu de repente há alguns anos. Perfume de Mulher teve dois longas nos cinemas, entretanto, a figura feminina nunca teve grande destaque em nenhuma das narrativas cinematográficas. Estamos em 2019 e seria impossível que esse clássico fosse contado sem que a única mulher do elenco não tivesse tanta participação, por isso, o ator, produtor e roteirista Silvio Guindane juntamente com a produção e a direção do espetáculo decidiram adaptar a história para que o papel tivesse a notoriedade que merecia.
Conversamos também com alguns convidados que aguardavam ansiosamente para conferir a montagem desse clássico dos cinemas. O ator Guilherme Fontes afirmou: “As expectativas são as melhores possíveis. Além do diretor espetacular eu acabei de filmar com o Silvinho, somos agora os mais novos amigos próximos e a Gabriela uma graça. Vai ser um lindo espetáculo, tenho certeza”. A atriz Alexandra Richter aproveitou para entrar na brincadeira viral da internet: Expectativa versus realidade, para ela, nesse espetáculo só existia realidade e realidade, pois todas as expectativas de ser um sucesso já eram um fato. “Eu nem tenho expectativas, porque eu sei que eu vou amar tudo. A produção é do Gustavo Nunes, que é meu produtor, meu sócio e amigo. Só tem fera no elenco e a direção do Walter. Já sabemos que essa história já era brilhante, então no teatro vai ser mais emocionante ainda”, afirmou Alexandra.
As pessoas ainda estavam se movimentando pelo espaço da sala à procura de seus lugares marcados e o ator Murilo Benício já estava concentrado à espera do sinal que marca o início do espetáculo. “Vim ver dois amigos que eu tenho de profissão e de vida. O diretor é padrinho do meu filho. Estou em família aqui hoje e estou na torcida para que dê tudo certo e seja ótimo”, contou Murilo ao site HT. Marcou presença também o ator e humorista Hélio De Lã Peña, que estava muito positivo para a inédita montagem teatral. “Eu já gosto muito do filme, acho sensacional. Gosto da história do personagem principal, acho incrível e o Guindane é um super ator, maravilhoso. Então acredito que a mistura será boa, com certeza”.
E não é que Hélio estava certo? A mistura foi ótima e mereceu a chuva de aplausos recebida quando os atores se deram as mãos ao fim do espetáculo. Silvio Guindane acreditou nesse projeto há oito anos, quando o ator e o diretor estavam em Portugal e Walter disse: “Silvinho, sabe que filme daria uma baita peça? Perfume de Mulher”. Essa ideia soou como música nos ouvidos do ator, que desde 2010 fez o possível e o impossível para abrir as cortinas com essa história nos palcos do Brasil. Ontem, quando o forte aplauso se calou, Silvio convidou a equipe que o ajudou a tornar esse projeto realidade e afirmou emocionado: “É uma felicidade estar nesse palco e nesse teatro que eu vivi tantos espetáculos. Eu queria agradecer a todas as pessoas que ajudaram a realizar esse sonho comigo”.
Já no camarim, tirando o figurino e deixando de ser Sara e voltando a ser Gabriela, a atriz e protagonista dessa história enquanto colocava o par de brincos nos contava sobre a importância na sua carreira em estar no palco com um clássico como este. “É uma delicia estar nessa história. É ótimo, mas ao mesmo tempo, tem uma responsabilidade enorme, embora o papel da mulher não seja tão conhecido do público pelos filmes, que está só a conhecendo um pouco mais agora. Está sendo uma delícia estar nesse projeto, que as pessoas acham que conhecem, mas é a primeira vez que está sendo feito nesta troca instantânea com o público”, destacou a atriz, que admitiu não ter tido tanto tempo quanto gostaria para se preparar para o papel, mas com a direção de um conhecedor de almas humanas como Walter Lima Jr., tudo correu bem.
Silvio chegou ao camarim logo depois e nos explicou sobre a complexidade em interpretar um personagem cego durante as quase duas horas de peça. “Valeu a pena cada dificuldade, porque o personagem dá muita coisa boa em troca. É um personagem que vai variando do humor para a agressividade e ao mesmo tempo para uma depressão e, portanto, muito rico em emoções”, explicou Guindane, que também nos contou como foi a rotina de ensaios para viver Fausto: “A preparação foi funcionando de uma forma orgânica, começamos mais focados em compreender o Fausto, sem ainda colocar um estereótipo dele ser um cego. Compreender o movimento, as razões e como ele agia em cada situação cênica. Foi um trabalho junto do Walter e junto dos outros atores. Deixamos isso bem maduro”. O ator acrescentou: “E quando isso estava compreendido eu comecei a ensaiar de olhos vendados e demorei um tempo para sentir esse escuro, essa cegueira em si. Daí aos poucos eu fui abrindo os olhos e me acostumando a ainda estar no escuro e conseguir me movimentar no espaço com essa completa noção de escuridão em mim. É muito mais do que fazer de fora para dentro um cego é compreender essa cegueira e, a partir daí, construir uma escuridão concreta para esse personagem”.
Sobre a principal linha que guia toda a história de Sara, Fausto e o cuidador, Ciccio, Gabriela Duarte disse que essa é uma história importante por falar sobre perseverança, algo tão escasso nos dias de hoje. “Acima de tudo fala de ser perseverante. Isso aparece tanto no Fausto, quando ele esta decidido a se matar e ele entende que pode seguir, mesmo com aquela condição. A perseverança dela também que esperou tanto por esse homem e, finalmente, o encontra. E a perseverança do menino em aguentar trabalhar para um homem tão amargurado. A palavra do espetáculo é perseverança”, finalizou Duarte.
Apoiado pela Lei Rouanet, o espetáculo que entrou em cartaz no dia 3 de janeiro deste ano e ficará até o dia 24 do próximo mês encena uma história que foi escrita há décadas, todavia, a cada dia que passa parece ser mais atual. “É possível trazer essa cegueira de um clássico para os dias de hoje. O que faz esse espetáculo acontecer não é nada datado. Tudo o que se torna datado é porque é apenas uma alegoria de uma época. Essa história fala de relações humanas e relações humanas são eternas”, ressaltou Guindane.
Ousado e perseverante, Guindane explicou as razões que o levaram seguir até o fim para ver esse espetáculo pronto para a troca com o público: “As pessoas estão cada vez mais sozinhas e individualistas, mais com a cabeça baixa e o foco só na tela do celular, cada vez mais entrando em um caminho de solidão. Montar em 2019 uma história que fala exatamente o contrário disso é o que faz com que eu leve isso para o palco. É uma historia de uma pessoa que quer a morte e a outra quer a vida. E como que isso pode transformar. Como esse garoto (Ciccio) transforma esse cara, como esse cara transforma esse garoto. Como ele tem uma redenção em aceitar o amor que ele tem por essa mulher”. E são essas intensas relações transformadoras entre si, que trouxeram a montagem de 2010, quando era uma simples ideia, até 2019. “Essa relação de afeto é fundamental e é o que me dá mais vontade de contar essa história. Um afeto que se sobressai. Algo que não poderia dar em nada, ser simplesmente um trabalho servil do garoto para o cara, na verdade, salva a vida dele”, concluiu o ator.
Emocionante do início ao fim. Perfume de Mulher do cinema para bem pertinho de nós no Teatro PetroRio das Artes. Confira a galeria de quem esteve por lá:
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