*por Vítor Antunes
Chico Buarque fez música com esse nome. Gilberto Braga (1945-2021), praticamente em todas as novelas, escreveu uma personagem chamada assim apenas por gostar do nome. Ainda que não seja algo misterioso, não são poucas as pessoas que não sabem que o nome de Cissa Guimarães é Beatriz – e não efetivamente Cissa, ou Cecília. Inclusive, esta era uma vontade da atriz quando escreveu “Doidas e Santas“: que a personagem principal da montagem tivesse o nome real de sua intérprete. Agora, quase 15 anos depois da estreia da encenação, sempre com grande sucesso, é o momento de fechar as cortinas e encerrar a belíssima temporada de “Doidas”. Ela, Giuseppe Oristânio e Josie Antello encenam pela última vez a peça. E numa fase vitoriosa da atriz, que concilia a encenação com o programa “Sem Censura”, após a saída da Globo. Na TV, ainda, ela está na reprise de “Direito de Amar“, no Viva.
“‘Doidas’ é uma bênção. Íamos fazer a comemoração dos 10 anos da montagem em 2020, mas aconteceu a pandemia. Depois, fazendo o “Sem Censura“, eu encontrei com o Giuseppe e com a equipe técnica, que é a mesma, assim como o elenco, e eles me perguntaram se voltaríamos. O produtor reportou que várias cidades pediam que voltássemos, e pensei: não posso dizer não aos deuses do teatro, é uma blasfêmia. Mesmo estando todo dia no “Sem Censura“, voltei com a peça ao cartaz”.
Fora das novelas há quase 12 anos, quando esteve em “Salve Jorge“, Cissa não descarta a possibilidade de voltar aos folhetins, ainda que esteja apresentando o “Sem Censura“.
Penso sempre em voltar às novelas, adoro novela, sou atriz, mas quero um personagem bacana. Tenho três filhos e por isso fiz muitos trabalhos que não achava maravilhosos, mas tenho que pagar boleto. Acredito já ter conquistado direito de fazer o que gosto e o que eu possa fazer. Mas para voltar, tenho que me apaixonar pelo personagem, essa é uma condição sine qua non” – Cissa Guimarães
Ante ao amadurecimento, Cissa é tácita: “Não é fácil envelhecer. Nunca vi ninguém ligar para o outro e, contar, com alegria, de que acordou com três rugas e dores nas costas. Ainda que reconheça que o envelhecimento traz uma sabedoria, creio que é algo construído. É a consciência de que tudo chega de uma maneira diferente, o tempo gira de modo diferente. Não vou contra o tempo. Há as coisas chatas da velhice como a exigência de que tenhamos tudo em outra energia. Mas eu procuro trabalhar minha cabeça, curtir meus netos e namorar muito. Namorar não, eu fico. Sou uma jovem senhora moderna, que “fica”. Quero ter uma velhice saudável, viajar e ver meus bisnetos e meus amigos à volta, e trabalhar com saúde para que tenha uma velhice saudável”.
ABRAÇAR E AGRADECER
Um dos programas mais clássicos da TV Brasil, e por que não dizer da televisão brasileira, o “Sem Censura” voltou ao ar neste ano apresentado por Cissa Guimarães. “É um programa icônico e maravilhoso, e a estrela é o próprio “Sem Censura“, que pode ter passado por Lúcia Leme (1938-2021), Leda Nagle, Vera Barroso, e outras como apresentadoras, mas a estrela continua sendo o programa em si. Quando me chamaram, fiquei lisonjeada e insegura, porque eu tenho muito respeito pelo programa e pelos convidados. Acho que a atração tem uma função democrática e uma função pública para uma TV do povo brasileiro.
Sobre o convite para apresentar o “Sem Censura”, eu fiquei assustada, mas depois parei para pensar e estou numa felicidade absurda. Quem ganhou o presente fui eu, porque a cada dia é um presente maior que o outro, e o público está adorando e os convidados também. É um movimento especial, e acho que o público ama. É um programa que traz amorosidade, e todos querem contribuir, transmitir sua emoção. Os convidados e eu já sentimos a dimensão da felicidade. Eu só posso agradecer – Cissa Guimarães
Nascida Beatriz, mas nunca chamada assim, Cissa quando iniciou a produção de “Doidas e Santas” fez apenas uma exigência: que a personagem tivesse o seu nome, já que esta seria uma oportunidade para que ela fosse chamada pelo nome de batismo. Nessa confusão de Beatrizes, o que elas têm em comum e o que as diferencia? “Em comum, em primeiro lugar, o nome. Eu nunca fui chamada de Beatriz. Eu sempre fui Cissa, nunca fui nem Bia, sempre Cissa. Eu me dei esse apelido desde que comecei a falar. Além disso, temos em comum a busca pela felicidade e a mudança radical da vida. A personagem percebe que não está tendo uma vida feliz e chuta o pau da barraca. A diferença entre nós é a forma de lidar com o tempo. Ela se acomodou, inclusive atrás de um casamento e de um trabalho”.
Através de Beatriz – a personagem – Cissa questionou o quanto as pessoas podem se acomodar:
Será que [a estagnação] traz felicidade? Será que estar casada é sinônimo de estar feliz? Às vezes, não. Em todas às vezes, quando percebi que não estava feliz, eu vazei. A minha personagem, como outras mulheres, precisou de mais coragem para assimilar e sair da vida confortável. E na montagem, o homem também dá a volta no machismo dele. A gente não demoniza o homem, ele é parceiro, tivemos a delicadeza de não o vilanizar – Cissa Guimarães
Há muitos anos, Cissa está na televisão. Sua primeira novela foi “Coração Alado“, em 1980 e depois esteve em “Direito de Amar” (1987). Em ambos os casos, seu nome foi escrito com cedilha, “Ciça”, na abertura, o que ela detesta. “Odeio cedilha! Em “Direito de Amar“, a Paula era o meu primeiro personagem grande e não reclamei do crédito errado. Era uma novela do Walther Negrão, dirigida por Jayme Monjardim, e era uma coisa que não podia reclamar. Cedilha, é algo que não existe no alfabeto!”, diverte-se. Mas a atriz revê com recorrência a sua participação na trama, atualmente reprisada pelo Viva.
Gosto de rever e noto o quanto tinha que aprender, mas o quanto há, também, uma busca e entrega. Vejo por notar que, ainda moça, estava tendo meus sonhos realizados. Fico emocionada comigo mesma ali. Depois de quase 40 anos, a minha busca pela felicidade persiste e pela buscar dos meus sonhos – Cissa Guimarães
Em 2010, o filho de Cissa Guimarães, Rafael Mascarenhas (1991-2010) morreu num acidente enquanto praticava skate no Túnel Acústico, na Gávea, Rio. Desde então, a vida da atriz se transformou e ela sempre, quando pode, referencia o menino.
O Rafa era grande demais para ser só meu. Ele era para ser de nós. Há quem também não o conheceu e diz que converso com ele, que pede coisas. Ele era grande demais para ser só meu, eu fui só um ventre. Criei noções de valores, eduquei, mas ele era mais sábio que nós para isso. Toda semana vou ao túnel, colocamos flores novas e há quem auxilie a limpeza do espaço [dedicado à homenagem ao Rafael]. A gente faz isso há treze anos – Cissa Guimarães diz.
Diante de tanta emoção, Cissa diz que esta é a sua missão na Terra: “Emocionar as pessoas. Esse é um privilégio que o meu trabalho me permite. Emocionar através da alegria, da emoção, da diversão. Quero chegar no coração das pessoas. Isso é o que me impulsiona”.
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