Relacionamentos são complicados e, às vezes, tão confusos que apenas o ditado popular ‘descascar um abacaxi’ pode englobar tudo o que estamos lidando. Para incrementar ainda mais tal complexidade, existem vestígios de opiniões ultrapassadas da antiga sociedade que ficam presos em nossa mente que insiste em nos impedir de arriscar e nos atirar de cabeça. Este debate interno é colocado em evidência pela autora Veronica Debom na peça ‘O Abacaxi’, dirigida por Debora Lamm. “Esse choque de gerações estava na minha cabeça e senti que isso também estava acontecendo com outras pessoas. E este fenômeno é interno, um debate que acontece dentro de mim entre um lado mais liberal e outro mais conservador. Isto faz com que eu não aja do jeito que gostaria”, conta a Veronica dramaturga que, atualmente, se dedica a atuar no espetáculo, escrever para um projeto da Globo e gravar para o programa Tá No Ar. As dificuldades deste debate podem ser sentidas, até mesmo, na cenografia feita por Mina Quental que optou por colocar móveis e objetos fora de sua função habitual como uma geladeira que é um guarda-roupa.
Com base neste contexto, personagens diferentes se apresentam ilustrando cenas cotidianas em que tal diferença de pensamentos pode ser sentida. “Todos eles têm algum empecilho no pensamento que é cultural e veio de algum lugar do passado. Apenas um casal aparece repetidas vezes e eles, por exemplo, assumem uma relação aberta, mas não conseguem lidar com ela, porque sofrem demais”, explica a atriz. A ideia não é mostrar como o pensamento dos nossos avós e bisavós está ultrapassado, na verdade, a intenção é expor como estes conceitos foram incorporados pelo público mais jovem. Tais influências do passado são vistas como amarras que nos impedem de seguir em frente. “O espetáculo não mostra uma nostalgia com o passado, muito pelo contrário. Ele é a amarra que nos liga a uma construção que não existe mais. E isto afeta, até mesmo, as pessoas mais modernas”, lamenta.
A ideia para o tema deste roteiro não veio de uma discussão em família, mas de um papo bem-humorado com o melhor amigo da atriz às quatro da madrugada. Não foi nem ao menos necessário fazer uma pesquisa sobre o assunto, consultando estatísticas, livros ou dissertações. “Este tema era uma discussão que eu tinha com vários amigos, mas nunca tive a intenção de fazer algo sobre isto. Nunca cheguei a debater sobre isso como forma de pesquisa. Quando saiu o texto, todos reconheceram o discurso porque eram situações que estavam acontecendo de verdade. Quis abrir para as pessoas o que estava pensando”, afirma. O texto só foi redigido devido a um empurrãozinho do marido, Felipe Rocha, que também atua no espetáculo. “Está sendo uma experiência diferente, porque não é a mesma coisa a rotina dos palcos com a da telinha. Nunca tínhamos experimentado isto antes. Teatro é menos puxado, mais convivência e constância. Sou fã dele como parceira de cena e autora, acho um ator maravilhoso. E a mãe dele concorda comigo”, brinca a atriz que já contracenou com o amor no cinema e na televisão.
Ao lançar a peça, o objetivo principal da atriz era expor o que estava sentindo. Como tais pensamentos já rodavam nas conversas entre amigos, Veronica achou que poderiam ser questões de outras pessoas. “Eu não esperava nada dessa peça, mas tudo o que queria era poder me comunicar. A minha angustia é a mesma de outros e o público fica feliz de colocar isso para fora. Me dei conta que não estava sozinha. Em um espetáculo, fiquei abraçada com a pessoa quase cinco minutos, porque ela não parava de chorar. Isso foi impagável. Queria falar coisas pertinentes, que fosse entretenimento, mas que mostrasse o que está acontecendo no mundo e com isso a galera vai se abrindo”, comemora. A atriz acredita que a reação se deve a um alívio que as pessoas tiveram ao ver o tema sendo exposto na peça.
Ao expor o conflito, Veronica não impõe uma conclusão ou definição. A artista nem ao menos mostra ferramentas para que as pessoas possam se livrar das amarras e isso acontece porque ela nem ao menos sabe como lidar com estes sentimentos. “Esta peça está ligada à reflexão, porque não tem como eu sinalizar uma moral sendo que não sei como me livrar deste fato, não sei como me sentir sobre isto. Não é algo resolvido dentro de mim. Além disso, abre o diálogo, porque muitas coisas ficam angustiadas dentro da gente”, afirma.
O sucesso de público foi tão grande que a equipe se preparou para uma segunda temporada que fica até dia 3 de setembro no teatro Tablado. Ambas as montagens não tiveram uma empresa ou órgão público custeando. “Não houve patrocinador, como sempre. Eu ganhei um festival e usei o dinheiro para levantar a peça. Fazer a segunda temporada foi mais difícil, mas a recepção do público foi tão boa que não queríamos parar a peça. Estamos na busca, agora de algum investimento”, lamenta a atriz.
O espetáculo traz uma trilha sonora feita em cena. Na primeira temporada, quem regia a bateria era Rafael Rocha e, agora, será produzida por Marcelo Callado. O músico aparece todo o tempo e possui até mesmo um texto. “A concepção de cena desta peça é não ter um espaço separado para nenhum núcleo. A ideia é fundir tudo como, por exemplo, o palco com a plateia. Nós não colocamos uma parede invisível no público, a ideia é conversar e brigar em cena sem esquecer que existem outras pessoas ali”, explica. Trazendo uma ideia de teatro sem paredes, mais interativo, o palco do Tablado representa uma dificuldade visto que é um palco tradicional italiano, o qual, por si só, já distancia os espectadores dos atores. “Quanto menos italiano for o palco, melhor porque esta fusão ocorre de uma forma mais fluida e natural”, sugere a atriz.
SERVIÇO:
“O ABACAXI”
Local: Teatro do Tablado 9 (Av. Lineu de Paula Machado, 795 – Lagoa, Rio de Janeiro).
Telefone: (21) 2294-7847
Temporada: Até 3 de setembro
Horário: 21h (sábados) e 20h (domingos).
Preço: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)
Classificação: 14 anos.
Duração: 80 min.
Capacidade: 147 lugares
Sinopse: a montagem aborda a transição dos tempos atuais em relação ao amor e às variadas combinações possíveis para lidar com ele. Uma peça de humor ácido sobre a busca pelo amor que liberta e que ainda está em construção.
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