Chandelly Braz faz Antígona moderna em peça sobre mortes ‘sem adeus’ na pandemia e diz: ‘Perdi tio e amigos’


Atriz estreia espetáculo ‘Como devo chorá-los?’, em curtíssima temporada, um híbrido entre teatro, performance, intervenção urbana, cinema e artes visuais. Chandelly falou ao site sobre o processo que parte da mito Antígona, da Tragédia de Sófocles, sobre as perdas pessoais, as transformações do período e a relação de nove anos com Humberto Carrão: “Sempre esperam que uma mulher queira ter filhos, ou que um casal que está junto há muito tempo também queira, e se não quiser parece que tem algo errado. Eu já disse que queria, já disse que não queria. Agora eu digo: não sei, pode ser, quem sabe?”

Chandelly Braz faz Antígona moderna em peça sobre mortes 'sem adeus' na pandemia e diz: 'Perdi tio e amigos'

*Por Brunna Condini

O novo coronavírus se espalhou pelo mundo com velocidade, as perdas são incontáveis: privação da liberdade, instabilidade financeira e desequilíbrio emocional, com a ameaça constante de contágio. Dentre todas as perdas, a imposição da finitude talvez seja a mais dilacerante. E perder quem amamos e não poder dar adeus? A atriz Chandelly Braz vivenciou essa dor recentemente: perdeu parente e amigos para Covid-19 e por conta do vírus ser altamente contagioso, não conseguiu dar o adeus no velório.

“Perdi duas pessoas, um tio e uma amiga, de ambos não pude me despedir. Foi triste, muito triste, é como estar deixando de viver uma parte importante da vida. Sofri por não poder estar perto da minha família naquele momento e viver com eles a perda, a dor. Mas faço minha parte, tenho o privilégio de poder ficar em casa, então eu fico, mas porque tenho o privilégio de poder ficar agora, não quer dizer que eu vá poder ficar para sempre. Preciso e quero trabalhar, quero que minha vida e a de todo mundo volte ao normal, mas quanto mais as pessoas, que podem estar em casa como eu, deixam de cumprir seu isolamento, mais tempo demoramos para sair disso, e assim esse inferno não acaba”, desabafa.

“Perdi duas pessoas, um tio e uma amiga, de ambos não pude me despedir. Sofri por não poder estar perto da minha família naquele momento e viver com eles a perda, a dor" (Foto: Isabela Espíndola)

“Perdi duas pessoas, um tio e uma amiga, de ambos não pude me despedir. Sofri por não poder estar perto da minha família naquele momento e viver com eles a perda, a dor” (Foto: Isabela Espíndola)

Movida por sentimentos e inquietações que este mais de um ano de pandemia causou e pretendendo colocar em cena essa realidade que vivemos desde então, a atriz estreou, nesta terça-feira, o projeto “Como devo chorá-los?”, idealizado por ela, Bernardo Marinho e Pedro Henrique Müller. No espetáculo, Chandelly vive uma Antígona moderna, com dramaturgia inédita, mas inspirada no original. Na tragédia grega de Sófocles, escrita no século V a.c., a jovem Antígona desafia os mandamentos arbitrários de um governante truculento e coloca a sua vida em xeque para velar o corpo de seu irmão morto.

O projeto atual se propõe a identificar as ressonâncias do mito grego no Brasil de hoje. “Estávamos pesquisando desde setembro de 2020, mas só em janeiro deste ano, após nossa aprovação no Edital Emergencial Cultural da Lei Aldir Blanc, demos início ao processo, que para mim, foi uma boia de salva-vidas mesmo no quesito emocional, criativo. Nosso encontro, nossa troca com Ju (Juliana França), Zahy (Zahy Guajajara), atrizes e colaboradoras do projeto, e Marina (a diretora Marina Vianna), foi rica e afetuosa. Poder dar vazão às angustias que estamos vivendo artisticamente, compartilhar nossas histórias de vida, tudo isso se tornou muito raro nesse período de pandemia, então embarcamos com muita vontade de trabalhar e muito entusiasmo”, divide Chandelly. “Foi desafiador ter que inventar uma forma diferente de pensar e realizar nosso “teatro”, mas enfim chegamos a esse formato estranho, meio ‘Frankenstein’, que mistura teatro, cinema, artes visuais, performance, intervenção urbana, mas que reflete nosso processo diverso e colaborativo”.

Juliana França e Chandelly Braz em uma das cenas filmadas em Japeri (Foto: Isabela Espíndola)

Já são 395 mil mortes por Covid-19 no Brasil. Diariamente, cerca de 2.400 famílias perdem seus entes queridos e não podem ‘chorá-los’, como na montagem que fica disponível gratuitamente, no site do espetáculo, só até 2 de maio. “O mundo todo não tem podido velar seus entes queridos com a presença e as homenagens devidas. O mundo todo está sentindo, mas no Brasil, durante a maior parte desse período, vimos o presidente do país fazendo discursos que minimizavam a pandemia, sua gravidade e a vacinação. É do Governo, de quem representa o povo que deve surgir o exemplo, as informações, as ações pedagógicas que expliquem a real situação que estamos vivendo e estimule às pessoas a realizar práticas que protejam umas às outras. Somos agora um dos países mais atrasados no mundo no enfrentamento dessa pandemia, temos uma nova variante mais contagiosa, que é resultado desse comportamento negligente com as vidas humanas e continuaremos a chorar por nossos pais, mães, avós, irmãos e amigos perdidos, e sem poder nos despedir, se não enfrentarmos essa situação com o rigor que é necessário”.

"Continuaremos a chorar por nossos parentes e amigos perdidos, sem poder nos despedir, se não enfrentarmos essa pandemia com o rigor que é necessário” (Foto: Isabela Espíndola)

“Continuaremos a chorar por nossos parentes e amigos perdidos, sem poder nos despedir, se não enfrentarmos essa pandemia com o rigor que é necessário” (Foto: Isabela Espíndola)

Amor e melhor amigo

Há nove anos com o também ator Humberto Carrão – o casal começou a namorar em “Cheias de charme” (2012) – a atriz, criada em Ipojuca, pequena cidade da zona metropolitana de Recife, conta que o casal ficou ainda mais fortalecido durante o isolamento que a pandemia impôs. E revela o que dá a ‘liga’ na relação: “Respeitamos o espaço, a opinião, os desejos um do outro. Acho que é isso, nos ouvimos e nos respeitamos, ponto. Ah, e fazemos terapia! Isso é importantíssimo! (risos)”.

A atriz e Humberto Carrão: “Respeitamos o espaço, a opinião, os desejos um do outro. Acho que é isso, nos ouvimos e nos respeitamos, ponto. Ah, e fazemos terapia!" (Reprodução)

A atriz e Humberto Carrão: “Respeitamos o espaço, a opinião, os desejos um do outro. Acho que é isso, nos ouvimos e nos respeitamos, ponto. Ah, e fazemos terapia!” (Reprodução)

Discretos, o casal não tem planos a curto prazo de ter filhos. Se sentem ‘cobrados’ de alguma forma? “Toda mulher se sente cobrada. Me sinto cobrada sim, não por ele, mas pelos outros. Sempre esperam que uma mulher queira ter filhos, ou que um casal que está junto há muito tempo também queira, e se o casal não quiser, parece que tem algo errado. Eu já disse que queria, já disse que não queria. Agora eu digo: não sei, pode ser, quem sabe?”, desconversa.

Sendo a mudança

Aos 36 anos e há 17 trabalhando como atriz, ela deslanchou na carreira quando atuou em ‘Clandestinos’ de João Falcão, que também virou minissérie na Globo. Chandelly pôde ser vista recentemente na edição especial de ‘Haja Coração’ no horário das 19h, mas sua última produção inédita na emissora, foi em ‘Orgulho e Paixão’ (2018). Quando pretende voltar à TV? “Não sei, está tudo muito parado. As produções que estão rolando, são a passos muito lentos porque os protocolos são rígidos, como têm que ser, e tornam os processos mais complexos e demorados. Tem muito menos coisa sendo produzida agora. No cinema, fiz um filme no fim de 2020, “Bem-vinda a Quixeramobim”, de Halder Gomes, que está em pós-produção e deve estrear no final desse ano. No teatro, também comecei a ensaiar um novo trabalho chamado ‘10 por 10’, dirigido pelo Guilherme Leme e pelo Gustavo Leme ainda sem data para estrear”.

Atenta às temáticas do seu tempo, o engajamento para ela vem junto da ação. Você é uma das artistas que usam a visibilidade para discutir causas sociais, políticas e questões humanitárias. Nunca ficou apreensiva que isso pudesse te prejudicar profissionalmente, ter uma resposta negativa? “Olha, a minha profissão nunca vai impedir que eu me posicione quando eu achar que devo, ao contrário. A minha profissão me lembra do dever do meu papel social, a arte pensa o mundo, recria a vida, é a profissão da voz, da expressão, do sonho de um lugar melhor. Não existe resposta positiva sempre, a negativa virá também, que venha. Não existe verdade em quem quer agradar o tempo todo”.

"Não existe resposta positiva sempre, a negativa virá também, que venha. Não existe verdade em quem quer agradar o tempo todo” (Foto: Isabela Espíndola)

“Não existe resposta positiva sempre, a negativa virá também, que venha. Não existe verdade em quem quer agradar o tempo todo” (Foto: Isabela Espíndola)

Mesmo exercitando a consciência nas escolhas há alguns anos, a pandemia teve impacto em mudanças importantes em sua vida. “Estou muito mais atenta e rigorosa com os meus hábitos de consumo. É difícil, mas é fundamental pensarmos nos reflexos sociais e ambientais gerados pelos produtos que consumimos. A gente nunca acha que o impacto da produção de algo nos afeta diretamente, então sequer nos interessamos, mas afeta. Tudo o que consumimos em algum momento vira lixo, o que acontece com tudo o que descartamos? Para onde eles vão? E como as grandes empresas se responsabilizam por esse lixo que elas geram? Quer dizer, elas se responsabilizam? Terminar entrevista com pergunta é bom!”.