*por Vítor Antunes
Não faz muito tempo, o ator Carlos Arruza viveu em uma novela um personagem que foi dispensado de seu ofício profissional por ser gay. Na novela O Outro Lado do Paraíso, ele interpretava o Dr. Mariani, um radiologista cujo patrão, Samuel (Eriberto Leão), era um gay mal resolvido com sua sexualidade. Ao contrário de Arruza, há anos casado com um homem e muito bem resolvido com sua orientação sexual, ele, inclusive, ressalta uma prática da sociedade que é um tanto preconceituosa, mas que não o fez ser um alvo direto de agressões ou de atitudes preconceituosas: a leitura de heteronormatividade. Ou seja, a sociedade o entende como um homem hétero apenas por ele não agir da forma como a mesma sociedade compreende que deve ser um comportamento homossexual, com afetações e/ou extravagâncias. “Acredito nunca haver vivenciado o preconceito, e acredito que por ser um homem heteronormativo, não digo isso como forma de me proteger, não. É da minha natureza sair com camisa de futebol ou não dar pinta, mas nunca escondi minha orientação. Sempre tive minhas relações muito abertas, assim como minhas redes sociais, onde tenho fotos com meu companheiro. Não vivi histórias de agressão ou de problemas de aceitação pela família. Jamais passei por crises nesse sentido”.
Carlos Arruza vem de um momento altamente prolífico. Encerrou sua temporada no último fim de semana com a montagem de Bibi, a Musical, e já nos antecipou com exclusividade a pré-produção de Piaf, montagem dos mesmos produtores e que vai manter a linha conceitual de Bibi, tal como a atriz e cantora Bibi Ferreira (1922-2019), que pautou a sua vida revivendo a cantora francesa Édith Piaf (1915-1963). Além desses trabalhos, o ator está em Alice, Meu Pai, filme que trata sobre um homem, que é hétero, mas trabalha como drag escondido da família, pelo qual o ator já recebeu prêmios de melhor ator e que vem repercutindo.
Psicólogo, o ator salienta que muitos pacientes acabam por procurá-lo para serem atendidos, também em razão de ele ser gay e haver uma maior identificação entre os pacientes. “Acaba dando certo o fato de a pessoa saber que está à vontade mesmo. O fato de ser gay já faz com que a pessoa se sinta acolhida.”
Nunca vivenciei nenhum tipo de brincadeira, provocação ou até mesmo algum comportamento agressivo, nem no meu trabalho nem em hora nenhuma, tanto como psicólogo como na profissão de ator. Mas há pessoas que sim, vivem e passam por isso, e é importante sempre ressaltar que homofobia é crime e que se deve recorrer, nesses casos, às ferramentas da Justiça. As pessoas numa relação de poder sempre usarão uma carta na manga que é o preconceito para poder se sentir na frente. Eu penso muito que o preconceito fala sobre relações de poder de maneira muito maior que uma mera opinião pessoal.” — Carlos Arruza
PALAVRAS
Arruza é carioca, natural de Pedra de Guaratiba, e atualmente mora na Tijuca. É, tipicamente, um nativo de sua região. “Sou tijucano e gosto do clima da Tijuca. É algo que eu não vejo na Zona Sul. Já morei em outros bairros como Ipanema e Copacabana, mas a Tijuca é diferente.” O ator inclusive segue trabalhando como psicólogo e atua no shopping que leva o nome do bairro. O desafio é conciliar os dois ofícios – e lidar com a carreira de professor universitário. “Dou aula para os cursos de pós-graduação, quando me convidam, justamente como uma forma de preencher a grade horária ou aos sábados, que por vezes ocupo inteiro dando aula. Além das peças teatrais, mantenho os meus pacientes, e eles sabem dessa dupla carreira e me apoiam.”
As coisas vão sendo naturalizadas, mas elas não são naturais. A gente naturaliza todo esse sistema e entende que isso é a verdade. Na realidade, é uma superposição de fatores que a gente vai entendendo. Ao nosso corpo foram atribuídos sentidos, linguagens, que vão sendo impregnados. A desejante vai estar sempre brigando pelo espaço dela. E toda essa naturalização vai entrar em choque com essa máquina que é a própria natureza, que vai reivindicar os direitos dela e atropelar essa construção.” — Carlos Arruza
O ator diz usar muito mais da Psicologia, seu curso de formação original, para lidar no trato interpessoal com as pessoas do que para compor seus personagens. “É um ambiente de muito ego, de muita competitividade, de relações mal resolvidas. Numa carreira em uma profissão que não costuma ser respeitada. De modo que a construção do personagem para mim sempre foi muito mais intuitiva do que teórico-técnica. Ainda que eu tenha feito muitos cursos de interpretação, sempre foi para dar suporte, mas é sempre muito mais intuitivo, ainda mais quando se trata de um musical, de cantar. Acho que é muito mais sentido do que raciocinado. Sou muito mais a sensação do sentimento, do feeling para poder fazer dar certo.”
Ainda sobre seu ofício de terapeuta, ele tem um olhar para a atual contemporaneidade que valoriza a ligeireza do tratamento, ou o coaching, em relação ao tratamento tradicional. “Há uma questão que é muito curiosa e delicada dentro da própria psicologia, que é a psicoterapia breve, aquela que está tentando se ajustar às pessoas que estão querendo ver resultados, que estão querendo atender à demanda. Isso é muito delicado. Vivemos um tempo em que tudo é tão rápido e de tanta informação que a gente está se perdendo. Perdendo de uma ideia de excelência de natureza, do próprio organismo, por conta desse excesso de informação, dessa busca desenfreada por solução. Precisamos parar para aprender a respirar.”
Está cada vez mais difícil as pessoas darem tempo para se transformar, tempo para entender, para praticar o que quer que seja. Estão buscando a efemeridade do momento, da urgência, do encontro pelo aplicativo.” — Carlos Arruza
A chegada do ator ao teatro musical foi quase que por acaso. Estava havendo audição para um musical com músicas italianas e ele, na graduação de Psicologia, acabou se inscrevendo e sendo aprovado. Mesmo o seu nome artístico também nasceu por acaso. “Eu tenho um nome que eu não gosto. E meu pai gostava de música e comprava muito disco de vinil. Um dos músicos que ele ouvia era um trompetista que dedicou um disco a um toureiro falecido chamado Carlos Arruza e eu gostei desse nome. Coincidentemente, quando comecei a fazer figuração na Globo, me apelidaram de ‘Toureiro’. E mais uma coincidência: o nome do toureiro também era artístico, ele tinha outro nome.” Nessa recorrência em coincidências, uma coisa fica, é permanente: o talento. Se a vontade mais atávica do ser humano é a felicidade, Arruzza mostra a sua, mais verdadeira, no palco e no consultório, lutando feroz e elegantemente em busca da arte. Olé!
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