*por Vítor Antunes
Um dos grandes nomes do teatro, Bruce Gomlevsky, que é judeu, traz ao debate a crescente onda antissemita que surgiu nas redes sociais frente ao conflito Israel/Hamas. “Há nas redes sociais um antissemitismo muito latente, ao mesmo tempo em que vimos a extrema-direita saindo do armário no Brasil, vemos que o preconceito contra judeus é estrutural e histórico há mais de 2000 anos. Mas eu foco muito na paz e em me entender como ser humano”. Ainda sobre essa temática, Gomlevsky, que tem ascendência polonesa, fala do filme “As Polacas“, de João Jardim, que trata sobre a fuga de meninas judias da guerra na Europa e que acabaram sendo prostituídas no Brasil. “Minha família morreu em campo de concentração, em câmara de gás, outros conseguiram fugir da Alemanha nos anos 1930. É importante retratar essas mulheres oprimidas, massacradas, escravizadas e prostituídas, já que poucos conhecem essa história do Brasil e do povo judeu”. Filho do ex-presidente da Federação Israelita do Rio de Janeiro (FIERJ) e ex-vereador Ronaldo Gomlevsky, ele é irmão da também atriz Yasmin Gomlevsky. Num primeiro momento, ele era o único artista da família, até que sua irmã também investiu no segmento. “No inicio foi meio dificil, houve resistência, já que não havia atores na família. Hoje nossos familiares têm uma relação de orgulho para conosco”. Bruce e Yasmin fizeram uma novela juntos “Liberdade, Liberdade” (2016).
Ainda sobre esse assunto, Bruce diz que o judaísmo para si “é mais que uma religião. É uma cultura, um povo ao qual me ligo pela literatura, pela tradição, pela arte e pela qual me orgulho muito. Quando falo de judaísmo e de fé, digo acreditar no Deus de Spinoza, filósofo que o via na natureza e no universo. Há uma força superior e para qual eu rezo, pelo desconhecido. Não sou a favor de dogmas ou de superstições que escravizam e a religião é usada como instrumento de manipulação”, dispara.
O ator está voltando ao cartaz com projetos seus – como o musical em homenagem a Renato Russo, que está há 17 anos em cartaz – monólogos e longas dos quais participa. Porém, atualmente o ator, que também é diretor, está à frente de uma montagem de “Tartufo”, de Molière, junto a ex-alunos da CAL, encenação que, através de financiamento coletivo, está em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), no Rio. Junto a uma turma de jovens artistas, o questionamento de como é crescer nesta profissão, cada vez mais ávida por cliques, likes e seguidores. Assim como não haver mais tantas leis de incentivo para encenações teatrais
Eu me preocupo muito com o futuro doa atores e o que vão colher desta profissão, que é muito difícil. E essa turma se formou na pós-pandemia, num momento complicado do mundo. A meu ver, a única forma de se manter trabalhando como ator é através da produção dos próprios espetáculos. Tanto que eles fizeram uma vaquinha para levar a peça à cena. O caminho é esse. Os grandes atores como Antônio Fagundes e Marieta Severo também se produzem, têm autonomia sobre seus projetos e são livres para não terem de esperar o telefone tocar – Bruce Gomlevsky
Iniciada em 2018 com a premissa de estimular a produção artística de atores de menor porte ou iniciantes, a gestão Bolsonaro diminuiu drasticamente a aprovação de projetos teatrais, algo que ainda se reflete à cena teatral hoje. Com um turbulento cenário junto à Secretaria de Cultura que passou por diversas mãos até o fim do Governo passado, entre 2020 e 2021, a gestão aprovou menos projetos, e os mais caros. Não contemplando assim, projetos como o de jovens atores que precisaram lançar mão de um financiamento coletivo para dispor de verbas. Dados do Governo Federal apontam que ao menos 1.946 projetos foram aprovados pela Lei Rouanet só neste ano, o que revela um panorama mais favorável à cena teatral.
ARTE(S)
O fim de 2023 e o início de 2024 serão muito movimentados para Bruce Gomlevsky. O ator está fazendo uma participação na série “Reencarne”, da Globoplay – de temática espírita dirigida por Bruno Safadi, além de dois longas, o “Deus Ainda é Brasileiro“, de Cacá Diegues e outro que é a cinebiografia do cartunista Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, dirigido por Pedro Vasconcellos. Há também o filme “Mensageiros”, de Lúcia Murat. Bruce voltará ao teatro ano que vem com a peça na qual interpreta o líder da Legião Urbana, Renato Russo (1960-1996), que está em cartaz há 17 anos e pretende conciliar estes trabalhos como o monólogo “Dinheiro é o que importa”, de autoria de André Santana, e uma nova montagem de “Hamlet”, com a sua companhia de teatro. “Graças a Deus”, diz ele, “sempre fui muito convidado a trabalhar, mas aprendi a me produzir e a fazer os meus projetos. Quero atuar, ter autonomia criativa e só fazendo assim consigo materializar minhas ideias”.
Todavia, o artista quer fazer mais televisão. Sua experiência em novelas foi algo muito pontual. “Gosto da popularidade da novela e ter que, diariamente, decorar texto sem saber para onde o personagem vai. É um exercício interessante. Quero voltar a fazer novelas”. Enquanto isso, Bruce fez séries na Globoplay, como “Desalma”, que tal como “Reencarne”, toca na questão do sobrenatural. “O público gosta por que isso estimula o desconhecido, eles gostam de entrar em contato com o sobrenatural, com reencarnação e ressureição”. Conta-nos o ator que em “Reencarna” fez “uma das cenas mais dificeis da vida, quando um parente se depara com a ressureição de um outro, morto. Independente da crença com o futuro, me preocupo mais com o presente. Mas acho interessante como ficção e criação artística me aproveitar desse material [sobre reencarnação/ressureição]”.
Para mim, a maior religião é o amor, a arte e a paz. É o que precisamos no mundo – Bruce Gomlevsky
Há anos na profissão de ator, Bruce hoje dedica-se, em paralelo à carreira acadêmica. Defenderá sua dissertação de Mestrado ainda agora em Dezembro e faz uma nova graduação, esta em Filosofia, ambas em universidades públicas – UFRJ e Uni-Rio, respectivamente. Em face disto, perguntamos a ele se diante de tantos pensadores e filósofos, se haveria uma frase, uma palavra de ordem ou algo similar que o orientasse à vida. Ele não nos disse uma frase ou palavra, mas um poema concreto e definitivo que o traduziria: “amor trabalho amor amor trabalho trabalho trabalho amor”.
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