Considerada uma das maiores companhias de dança do Brasil – se não a maior –, o grupo Corpo faz mais uma passagem imperdível pelo Rio de Janeiro. Nesta quarta-feira, 23, a companhia mineira estreia uma curta temporada, só até domingo, 27, do espetáculo “Gira”. Em uma breve síntese, Rodrigo Pederneiras, coreógrafo e um dos fundadores do grupo Corpo, definiu a apresentação como “dança contemporânea que homenageia Exu”. Na prática, “Gira” leva ao palco do Theatro Municipal os ritos, movimentos e elementos da religião umbandista que tem na figura de Exu a representação de espírito de luz, de festa e alegria.
De acordo com Rodrigo Pederneiras, o enredo foi uma sugestão da banda paulista Metá Metá, que assina a trilha sonora do espetáculo. Na história do grupo Corpo, as apresentações da companhia foram resultado de parcerias luxuosas com gênios da música brasileira. E nesse caso não foi diferente. Agora, na trajetória do grupo mineiro, a banda Metá Metá se junta a nomes como Caetano Veloso, Lenine, Arnaldo Antunes, João Bosco, Tom Zé e Milton Nascimento que, desde 1992, assinam as trilhas da companhia. “Sempre que vamos fazer uma peça nova, a gente chama compositores da música brasileira para assinarem a trilha e só depois eu penso na coreografia. No caso do Metá Metá, assim como em todos, nós os deixamos livres para criar e sugerir um tema. Foi então que eles tiveram a ideia de homenagear Exu”, lembrou Rodrigo que contou que nem sempre os músicos agregam temas às trilhas.
E a sugestão foi aceita. Após o trabalho musical, foi a vez de Rodrigo Pederneiras mergulhar no tema proposta pelos paulistas. No entanto, esta não foi uma tarefa muito simples. De família católica, o coreógrafo do grupo Corpo contou que desconhecia os ritos da umbanda e a figura de Exu, que protagoniza o espetáculo. “Os músicos do Metá Metá são muito voltados para a religião, enquanto eu desconhecia totalmente. Quando eles sugeriram, nós aceitamos e eu tive que começar um enorme trabalho de pesquisas e visitas para entender sobre o que eu estava falando. Eu, que nunca tinha pisado em um terreiro, passei a ler muito e frequentar esses centros de umbanda, que é a versão brasileira do candomblé, que é africano, para ver como essas entidades se manifestavam, os movimentos e os elementos que envolviam essa religião”, explicou.
Nesta imersão teórica, Rodrigo contou que se tornou amigo do Pai Marcelo, quem conduz as práticas no terreiro no qual ele frequentou. “É um tema muito delicado, porque envolve a crença de muitas outras pessoas, e eu confesso que era totalmente ignorante. Por isso, me preocupei em ter essa assessoria do Pai Marcelo que me ajudou a fazer algo que de fato representasse a grandeza da entidade para aquela religião. No entanto, um detalhe muito importante é que, em momento algum, o nosso objetivo é transformar o palco em um terreiro. Não estamos reproduzindo os ritos em cena. É uma dança contemporânea que homenageia Exu”, definiu um dos fundadores do grupo Corpo que garantiu não ter recuado quando o Metá Metá apresentou a temática. “Eu sou uma pessoa muito curiosa. Assim como eu, a maioria dos bailarinos nunca tinham ido a um terreiro. Mas a gente foi recebido de uma forma tão generosa, mesmo eles sabendo que eu desconhecia tudo aquilo, que isso me deixou muito entusiasmado. A generosidade deles me comoveu”, lembrou sobre suas experiências imerso na umbanda.
Porém, este panorama de ignorância de Rodrigo Pederneiras e seus bailarinos não é exclusivo a eles. Mesmo hoje no Brasil a umbanda sendo uma das dez maiores religiões em números de praticantes, quase meio milhão de acordo com o último censo do IBGE, de 2010, muitos brasileiros desconhecem os ritos desta crença. Na opinião do coreógrafo, esse desconhecimento está ligado a uma mistura de falta de interesse com um pouco de preconceito. “A umbanda é uma religião super brasileira que veio do candomblé, que é muito africana. Mas aqui ainda temos um preconceito que nos faz ter um olhar de esquiva quando o assunto é a religião os as entidades que fazem parte. No entanto, na minha opinião, não tem porque nós agirmos assim. É o oposto disso. Nessa minha experiência nos terreiros, eu conheci pessoas extremamente delicadas e gentis o tempo todo”, destacou Rodrigo que acredita que o preconceito esteja ligado ao conceito da figura de Exu na religião católica, que ainda é a maior do país. “Na Bíblia, a entidade é tratada como demônio. Mas é o oposto disso. Exu é festa, luz, e alegria”, completou.
Nesse misto de boas características, Rodrigo Pederneiras afirmou ter se dedicado a representar toda esta entidade no palco. Em sua coreografia para o espetáculo “Gira”, o fundador do grupo Corpo contou que se preocupou com a individualidade de Exu. “Cada entidade se manifesta de uma maneira e com movimentos diferentes na pessoa que está recebendo. Então, eu fui buscar essa particularidade para que o espetáculo tivesse a intensidade e a densidade que eu vi no terreiro”, detalhou.
Para contrapor a este turbilhão dançado no palco, “Gira” aposta em uma cenografia limpa e em um figurino complementar, que visa apenas finalizar o conceito expresso pelos corpos da companhia. “O cenário é do Paulo Pederneiras (diretor artístico) que quis que o tempo todo os bailarinos estivessem em cena. Eles podem até não aparecer enquanto não estão se apresentando. Mas estão o tempo todo ali”, explicou Rodrigo que, em relação ao figurino, disse que o propósito de Freusa Zechmeister foi trazer o branco como cor de destaque. “É a cor mais usada dentro dos terreiros e nós precisávamos explorar isso também no espetáculo”, sintetizou.
Para completar o time, Rodrigo Pederneiras e o grupo Corpo ainda tiveram a voz de Elza Soares como intérprete em uma das trilhas. Na composição assinada pela banda Metá Metá, o coreógrafo contou que quis resgatar a parceria entre a os músicos e o ícone, que havia sido feita no último disco de Elza. “Quando o Paulo (Pederneiras) me sugeriu chamar o Metá Metá para fazer a trilha desse espetáculo, eu só os conhecia pelo trabalho com a Elza Soares. Foi uma parceria maravilhosa que me marcou muito e não tinha como eu não querer repetir. Ainda bem que deu certo”, comemorou Rodrigo.
Depois disso tudo, “Gira”, de fato, ganha o selo de espetáculo intenso e completo. “Não tem como definir um trabalho como esse. O que eu posso comentar é o retorno que eu tenho das pessoas que assistem. Eu vejo e muitas me procuram para dizer o quão tocadas ficaram e que não sentiam algo parecido há muito tempo”, disse Rodrigo Pederneiras que, além disso, destacou que “Gira” entra para a trajetória do grupo Corpo como mais um exemplo de espetáculo que exala brasilidade. “Nesses anos, nós já fizemos vários tipos de apresentação. Mas, pela temática, esse é um daqueles trabalhos que destacam a nossa cultura e isso é muito interessante. Os bailarinos da companhia se entregam de uma maneira que eu nunca tinha visto. É uma intensidade que impressiona”, revelou.
E impressiona ao coreógrafo mas também ao público. Na temporada em São Paulo, “Gira” teve um sucesso de bilheteria tão grande que precisou de novas apresentações para atender ao público paulistano. Agora, aqui no Rio de Janeiro, o grupo Corpo tem a missão de ocupar e trazer mais arte e cultura para o majestoso Theatro Municipal. Na temporada que fica em cartaz de quarta-feira, 23, a domingo, 27, Rodrigo Pederneiras retoma a parceria com o icônico palco carioca. “O Theatro Municipal é a casa do grupo Corpo no Rio. A gente muda de roupa, de espetáculo e de hotel. Mas aquele palco é onde nos sentimos bem na cidade. Todo ano nós voltamos ao Rio para uma temporada, por menor que seja, para ocupar aquele que, para nós, é o teatro mais fantástico do país”, disse Rodrigo que chega ao Rio em um momento de crise.
Hoje, a cidade e o estado do Rio de Janeiro vivem momentos de dívidas, problemas e cortes que atingem todas as esferas públicas. E com a cultura não é diferente. No entanto, sem esfriar a produção cultural, Rodrigo Pederneiras destacou a importância de continuar fazendo arte. “Qualquer povo precisa de dança, música, teatro, cinema. É um alimento para a nossa alma que não é só por vontade, é necessidade. Fora que, quando passamos por momentos de crise, como o atual, é a arte que nos faz pensar e relaxar. Faz bem para a alma”, apontou o coreógrafo que afirmou estar vivendo uma situação um pouco melhor neste ano. “A crise afetou muitíssimo a economia, principalmente financeiramente. Porém, hoje estamos vivendo um panorama melhor do que de um ano atrás, por exemplo. Graças a Deus, nós temos como válvula de escape uma agenda cheia no exterior, que faz com que a gente consiga manter nossos projetos”, disse Rodrigo Pederneiras que, no primeiro semestre deste ano, já viajou para a Europa duas vezes e para os Estados Unidos com o grupo Corpo. Até o final do ano, a agenda da companhia ainda roda o Brasil com o espetáculo “Gira”. Axé!
Serviço: “Gira”
Theatro Municipal do Rio de Janeiro
(Praça Floriano, s/no (21) 2332-9191 | 2332-9005)
Quarta a sexta, 20h • Sábado, 21h • Domingo, 17h
Frisas e Camarotes R$ 720 (6 lugares)
Plateia e Balcão Nobre R$ 120. Balcão Superior R$ 90. Galeria R$ 60
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