*por Vítor Antunes
Em 2023, Whitney Houston faria 60 anos. A cantora de voz inacreditável recebeu toda a sorte de adjetivos que tentavam traduzir, de forma até insatisfatória, seus predicados vocais. Neste ano, foi lançado um filme sobre a vida da cantora, que também era atriz. Além do longa, aqui no Brasil estreou em 16 de março. O musical “O Guarda-Costas“, baseado no filme homônimo, é um dos maiores sucessos de Houston – e de Kevin Costner – no cinema. Na encenação, coube à atriz Leilah Moreno dar vida à Rachel Marron, personagem de Whitney Houston (1963-2012) no cinema. Moreno conta-nos que sempre foi seu sonho viver esta personagem. Segundo ela, há quem pense que Leilah interpreta a própria Whitney e não uma personagem que inicialmente vivida pela diva. O sucesso da peça foi tamanho que sua temporada foi estendida até o dia 11/06, no Teatro Claro, em São Paulo. Quem vê a atriz brilhando tanto no musical, como na TV – pois que compõe há 18 anos a banda do “Altas Horas“, programa da TV Globo -, não imagina que por anos ela convive com o TEA (Transtorno de Espectro Autista). Como ainda era algo desafiador chegar a um diagnóstico assertivo, Leilah ficou por anos sendo acompanhada por um grupo de estudos voltados a esta questão, de modo que apenas tardiamente foi reconhecida a sua condição. “Eu fiquei sete anos fazendo esse estudo com um grupo de terapeutas. Então, quando tive um laudo que me diagnosticou como autista já estava tudo ok para mim. Mas, quando me disseram pela primeira vez, eu chorei, contestei, porque eu nem conhecia exatamente o autismo e suas formas”. A artista encontra-se no primeiro espectro de suporte da condição.
“Desde pequena sabiam que eu tinha algo diferente, porque eu era hiperfocada e não era como as outras crianças. Era muito independente para aquela idade, e sempre voltada para o trabalho artístico. O meu hiperfoco sempre me direcionou para as coisas do espaço e para as da arte”. Desta maneira, a atriz apresenta como apareceram os seus primeiros sinais e sintomas para o que, inicialmente foi diagnosticado como sendo um TDAH, mas que depois foi compreendido como TEA – Transtorno de Espectro Autista. A atriz e cantora manifesta o grau 1 de suporte da condição. “Quando eu comecei a fazer testes para descobrir o que eu tinha, inicialmente foi falado que eu tinha déficit de atenção. E depois uma pessoa na escola falou acreditar que eu tivesse algum traço autista e isso era um tabu, porque acreditava-se os autistas eram pessoas vistas como incapazes ou que não poderiam realizar coisas”.
Quando comecei a falar sobre isso fui muito indagada e desacreditada. Perdi até alguns trabalhos por acreditarem que eu não daria conta. Me disseram: ‘Eu não quero esse problema no set”. Realmente, as pessoas não sabem nada sobre TEA assim como eu não sabia – Leilah Moreno
RAINHA DA NOITE
Segundo ela, há quem pense que interpreta a própria Whitney e não uma personagem que foi, inicialmente vivida pela diva. “Essa aura mítica da Rachel e da Whitney não vai deixar de existir, porque até mesmo para mim é difícil descolar sua imagem de Marron, imagina para o público”, compara. “Eu não canto como Whitney, eu canto como Leilah. A minha voz é grave e a dela é altíssima. Se vocês estão procurando uma pessoa que faça um cover da Whitney essa pessoa não sou eu. Agora, se vocês estiverem procurando uma atriz que faça a Rachel do zero, nova, e que vai cantar as mesmas músicas da Whitney, eu estou disposta”. Foi assim, com sinceridade e com as cartas sobre a mesa que Moreno apresentou-se para os testes de “O Guarda-Costas“. E, segundo relata, acredita que isso possa tê-la ajudado a conseguir o papel. “Disse que eu estava com a prega vocal lesionada e que tinha que parar seis meses para tratar dela, além do mais este é um repertório difícil. Mas contei à direção que estava disposta a fazê-lo com excelência. Todos me deram carta branca para fazer a minha Rachel”.
Ainda sobre a personagem e seu projeto, Leilah Moreno diz que “todo mundo que vem me perguntar sobre o personagem, questiona como é viver a Whitney. Porém, eu dou vida à Rachel Maron”. Porém, o poder e a influência da falecida atriz sobre sua personagem foi tão definitivo que Leilah disse haver ficado na dúvida sobre estudar Whitney ou Rachel para compor a sua personagem”.
Essa aura mítica da Rachel e da Whitney não vai deixar de existir, porque para eu construir esta personagem foi difícil descolar as imagens. Então, você imagina para o público – Leilah Moreno
Para as referências que levaram-na a compor esta personagem, ela diz que lançou mão, além da própria Whitney, de Tina Turner e Michael Jackson (1958-2009), mas abdicou deste princípio: “Optei por observar deles o que eu posso absorver artisticamente e deixei de acompanhar suas vidas pessoais para tê-los apenas como artistas. Obviamente, depois de madura, eu tomo como exemplo o que ela, Whitney, viveu e passou. Artisticamente, ela foi o maior aprendizado que eu podia ter”, frisa. Desde muito jovem no showbiz, e diante das suas cobranças e questionamentos, Leilah diz sempre ter tentado lidar bem com a sua cabeça frente aos desafios da profissão: “Sempre me cobrei muito com relação à carreira e minha mãe me educou para eu ser artista. A educação foi blindada e voltada a ser como sou. Não apenas para eu chegar lá, no meu objetivo, mas para eu estar lá. Eu me cobrava muito para fazer tudo bem feito, para mostrar a ela a sua importância nesse processo, então o perfeccionismo me travou um pouco”.
EU SOU TODA MULHER
A falta de conhecimento sobre o autismo e suas variantes gerava confusões tanto na cabeça da artista como na de sua família. “Em um dia achavam que eu tinha altas habilidades e no outro que eu era autista. Não achávamos que uma coisa conversasse com a outra”, afirma. Contudo, algo muda de figura quando ela começa a despontar no Programa Raul Gil, quando ainda acontecia na TV Record. “Quando fiz 16 anos, eu busquei ajuda psicológica. Comecei a me dar conta de que estava tendo crises de depressão e ansiedade e que eu precisava procurar ajuda. Nesta ocasião, meu terapeuta reconheceu uma possibilidade de eu ter um espectro autista e ele buscava adultos com este perfil. Fiquei sete anos em um grupo de estudo com profissionais que identificavam o autismo tardio, em adultos”.
O TEA me deu essa seriedade, essa sobriedade para fazer arte. Dirigindo e atuando e sou muito feliz e grata por conta de o TEA ter me trazido isso – Leilah Moreno
Em face da dificuldade de diagnóstico, por muito tempo, a atriz precisou ser acompanhada por medicações, o que é algo que ela lamenta. “É uma pena que isso tenha acontecido, porque depois que me dei conta de que não precisava tomar remédios para que a sociedade me entendesse dentro da minha característica. Eu passei cerca de 15 anos sendo medicada para poder conviver em sociedade, em face de eu ser tida como uma pessoa de difícil socialização. No meu trabalho, eu nunca estive medicada, mas na minha vida social, sim. Hoje eu trato com chás e com canabidiol o TEA e isso me ajudou em vários aspectos. A canabis me ajuda a me concentrar mais e a agir como uma pessoa normotípica. Quando eu estou trabalhando ajo naturalmente em razão de ser meu hiperfoco, mas fora disso sei que sou uma pessoa atípica”. Falar com naturalidade sobre o autismo implicou em alguns reveses para Moreno.
Leilah Moreno fez poucas novelas, mas nelas viveu algo que é recorrente quando se fala de atores pretos. Em “Sete Pecados” era uma arquiteta, bem de vida, mas o seu conflito orbitava sobre questões sociais/raciais. Depois, interpretou Grace Kelly em “Aquele Beijo”, uma ex-moradora de uma comunidade favelizada que envergonhava-se da sua origem. Na série “Antônia” também havia uma abordagem sobre questões suburbanas. Afinal, negros nestas produções artísticas retratam um pluralismo ou uma estigmatização? Leilah diz não ter uma opinião definitiva. “Não sei dizer se é bom ou ruim, mas em muitos papeis que faço, a gente está saindo de algum lugar de periferia, de algum lugar suburbano, nunca simplesmente “é” algo”, considera
Agora tem mais papeis voltados a nós. Antes não tinha. Ou era de escravo, faxineiro ou empregada. E eu sempre negava, não aceitava fazer todas as novelas para as quais me convidavam e eu mais neguei que aceitei – Leilah Moreno
Cantando a trilha sonora do musical com tantas canções marcantes, Leilah diz qual a que mais a emociona e dialoga consigo: “I Have Nothing“. É a cena na qual Rachel está no karaokê que e canta para o seu guarda costas e se percebe apaixonada por ele. Busco esse sentimento do coração e musicalmente é a canção que mais gosto e mais sai do meu sentimento”, finaliza. Tal como a abertura de cada segmento desta matéria, Leilah traz em si a essência do vigor de Whitney através de sua arte.
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