A trajetória de vida de Raquel Iantas começou na época do golpe militar quando os olhos do país inteiro estavam voltados para os próximos capítulos turbulentos que o país viveria. Mas no interior do Brasil, a pequena versão da atriz ainda estava aprendendo a lidar com os afetos, suas inseguranças e medos. Como seria, então, para ela reviver toda a sua infância de novo? O resultado pode ser conferido nos palcos do SESC de Copacabana, a partir desta sexta-feira. No espetáculo Irina, a atriz teve o gostinho de voltar ao seu passado e recontá-lo de forma literária e artística. Mas não pense que a artista interpreta uma criança. O monólogo trata de uma mulher que resolveu contar sobre alguns episódios de seu passado. A ideia, entretanto, não é criar uma autobiografia. “Mesmo que eu quisesse contar a minha própria história, não conseguiria. Primeiro porque já sou uma jovem senhora e segundo que quando contamos uma história vamos mudando de opinião. Eu estava mais preocupada em pegar a percepção da criança e como cada evento toca o seu coração, a partir de sua percepção ingênua de mundo. Criei, então, imagens fictícias, pois os lugares não são exatamente aqueles. É uma biografia romanceada. Como sou uma grande leitora, consegui construir novas imagens que me tiraram deste campo de contar única e exclusivamente a minha história. Todo mundo teve infância, sentiu aquele medo de não se encaixar. Acho que consegui retratar um universo que engloba todos nós”, relatou a autora e atriz da peça.
Raquel conta em ordem cronológica nove episódios que aconteceram em sua vida, imaginários ou não, desde seus 5 anos até atingir a maioridade. Quando completou 18, ela resolveu se mudar para o Rio de Janeiro e por isso achou um marco importante para finalizar a história. “O que mais me orgulho deste trabalho é que mostra o olhar de uma criança. Não existe crítica nenhuma. Não é um adulto contando uma história, é uma voz infantil sem moralismo ou julgamento. Quem interfere é o próprio espectador ao tirar suas próprias conclusões”, explicou. Para muitas pessoas, representar esta pureza poderia ser um desafio, mas a dramaturga sinaliza que sua veia artística a ajudou muito neste processo. “A ideia de ser atriz me ajudou muito na construção desta personagem ao trazer uma visão infantil, porque quando brinco com elas consigo me colocar naquele universo. Além disso, quando começava a escrever, parecia que vinha uma voz na minha cabeça que me falava para tomar determinados rumos. É uma coisa mágica”, comemorou.
Depois de tantos anos de profissão, foi a primeira vez que Raquel se aventurou no mundo da escrita. Apesar de se autointitular uma leitora voraz, nunca achou que pudesse escrever porque enxergava a palavra escrita como um campo sagrado da arte. “Estava fazendo alguns workshops com vários diretores e coincidiu de eles pedirem para escrever algumas cenas curtas, nas quais resolvi retratar a minha vida. A partir disso, foi nascendo um desejo bem despretensioso de continuar, o que me fez reunir nove histórias. Nunca tive a intenção de transformá-las em livros, mas acabei mostrando ao diretor Marcio Abreu que me incentivou a escrever mais. Ele ficou bem animado, me fazendo acreditar naquele trabalho”, relembrou. A atriz terminou de montar o roteiro do espetáculo em abril deste ano.
Para Raquel, foi muito especial se ver do outro lado de uma montagem teatral. Foi a primeira vez que pode entender de perto como era a criação do autor, o que trouxe para ela vivências completamente diferentes. “Quando estava ensaiando no palco, não me sentia uma atriz sendo dirigida. Sentia que eu era uma artista trocando ideia com outros. A escrita me colocou em outro lugar, me tirou do patamar só da atuação e entrei em outra onda. Quando trabalhava apenas na atuação, dependia muito do que o diretor ia achar e dele para esclarecer o texto. Como este texto fui eu mesma que criei, estava explicando a narrativa para ele esclarecendo as dúvidas. Falava quando era pura imaginação ou quando a situação tinha realmente acontecido”, explicou.
No palco, a personagem Irina vive episódios de medo e vergonha, debate o moralismo de religiões que por ser pequena nem ao mesmo sabe do que se trata, sente arrependimento por não saber quando algo é errado, desvenda o mundo da sexualidade e entre outras percepções de mundo que são completamente novas no olhar puro de uma criança. “Acho que o público pode extrair destes contos a ideia de ser honesto consigo mesmo. Uma das histórias, por exemplo, traz a Irina adolescente que quer uma calça bege porque todos tem uma igual, mas não precisaria disso porque produzia suas próprias roupas e tinha muito bom gosto quanto a isso. Mesmo com todo o seu talento, se vê a mercê de um comércio e perde a luta pelo o que ela acredita”, explicou a atriz.
Apesar de cada uma das nove cenas revelarem um episódio da vida de Raquel, a mesma resolveu adotar outro nome. A peça ganhou o título de Irina porque o nome remete a uma mulher pacificadora o que ela considerou essencial em tempos de crise. “A história se passa em pleno golpe militar e nós estamos vivendo algo muito parecido atualmente. Não falo isto apenas do Brasil, hoje tudo globalizou, inclusive as coisas ruins. Um exemplo disto é o líder da Coréia do Norte, por exemplo. Vamos ver o que esta nova geração vai fazer com este futuro que está se desenvolvendo”, debateu a artista.
SERVIÇO
Sinopse: nove histórias, narradas com autenticidade: da menina solitária e imaginativa de uma família operária, à adolescente curiosa e insegura, que se torna a artista corajosa e livre.
Temporada: de 06 a 29 de outubro de 2017
Estreia para convidados: dia 05 de outubro (quinta-feira), às 21h
Local: Mezanino do Sesc Copacabana (Rua Domingos, Ferreira, 160 – Copacabana)
Horário: 1ª semana, de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 20h
A partir da 2ª semana, de quarta a sábado, às 21h, e domingo, às 20h
Ingressos: R$7,50 (associado do Sesc), R$15,00 (meia), R$30,00 (inteira)
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana, Rio de Janeiro – RJ
Informações: (21) 2547-0156
Bilheteria – Horário de funcionamento:
Segundas – de 9h às 16h;
Terça a Sexta – de 9h às 21h;
Sábados – de 13h às 21h;
Domingos – de 13h às 20h.
Capacidade: 70 lugares
Duração: 70 minutos
Classificação: 12 anos
Gênero: memória romanceada
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