Uma mulher de 50 anos que tem o sonho frustrado de ser uma bailarina renomada e, além disso, Meire Sabatine é uma produtora de sucesso que tem o dever de informar que o elenco da peça ‘Gaivota’, do autor Anton Tchekhov, não conseguiu chegar a tempo do espetáculo. Com muita má vontade, ela precisa contar o que aconteceria no palco para os espectadores. A complicada história de vida da personagem foi escrita e está sendo representada pelo ator Jefferson Schroeder em ‘A produtora e a Gaivota‘. Com apenas 29 anos, ele, que também é autor, traz essa narrativa, que foi produzida em apenas quarenta dias, para o Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto na busca de questionar o papel do teatro na atualidade. “Por ter o sonho de ser bailarina frustrado, ela tem um preconceito com a arte e teatro. Está tendo problemas com a filha e, ao contar a peça ‘Gaivota’, acaba se envolvendo com a história, repensando sua relação com a herdeira. A arte toca ela sem querer. De uma forma bem-humorada, quero mostrar a força que o teatro tem, principalmente, nesse momento do país em que esse meio está sofrendo muito”, explica Jefferson. A história fala sobre a relação de uma mãe e filha, da incompreensão, das atitudes e dos sonhos que abandonamos.
O autor – e ator – quer levantar o debate sobre o papel da arte em momentos de crise. Em um momento em que a indústria teatral está precisando de verbas para continuar produzindo, Jefferson mostra a importância que as artes têm. “Em uma crise, esse modelo é o primeiro a sofrer, porque a arte ocupa um lugar subjetivo, algumas pessoas podem entendê-la como algo supérfluo. Apesar da tecnologia, o teatro tem uma força milenar que marca a união das pessoas. É um ato de generosidade e coragem, cada dia é um encontro diferente. No momento em que existe uma crise na cultura é a hora que precisamos produzir ainda mais, porque espetáculos são uma forma dos artistas gritarem que o povo existe”, acredita.
Para escrever, ele leu duas traduções do roteiro de Anton Tchekhov. O ator escolheu a obra por acreditar ser uma literatura muito importante e reconhecida no mundo. A história inicial do dramaturgo russo fala de conflitos de um escritor que gera uma visão da sociedade que é cada vez mais vulnerável às maldades. “Me questionei muitas vezes o fato de estar colocando em uma comédia uma história tão linda e que ainda pretendo fazer um dia como ator”, afirma. Merie, a tal protagonista, existe há sete anos e só era exibida nas rodas de amigos do rapaz. Somente agora, depois de todo esse tempo, ele teve possibilidade de escrever uma peça em que ela aparecesse. “É muito interessante a liberdade do teatro de poder fazer uma pessoa que nunca vou ser, que é uma mulher. Para mim, é uma brincadeira em cena, pois o que um rapaz de 29 anos tem a ver com uma senhora de 50? Espero estar representando todo o feminino’”, esclarece o rapaz.
No entanto, o fato dele mesmo interpretar o papel da mulher pode incomodar algumas pessoas. Sobre isso, Jefferson afirma ter cogitado a crítica, mas isto não o impediu de interpretá-la. “A arte mora em um lugar muito transgressor. Estamos vivendo em uma sociedade careta, o que, de certa forma, acaba sendo algo positivo porque reavaliamos alguns conceitos. Mas é importante que todos entendam que não dá para limitar a arte, porque ela pode se sufocar. Porque esse gênero vem de uma atmosfera lúdica onde permite que eu seja filho de um cachorro e a galera acredite. Não é uma atriz que faz, porque quem fez fui eu, a personagem saiu de dentro de mim. Claro que precisamos considerar os aspectos que são levantados. Revi o texto várias vezes, para mudar trechos que poderiam ser polêmicos”, lembra o ator. Jefferson afirma que não quer desrespeitar ninguém e, com isso, cuidou muito para que o texto saísse da melhor forma possível.
Na busca de construir a melhor personagem o ator precisou pensar em situações que nunca tinha questionado antes desde as mais supérfluas, como que tipo de roupa a personagem usaria, até as mais polêmicas como quem eram seus pais. “Tentei criar uma riqueza que a personagem poderia ter que antes eu havia ignorado. Depois de todos esses dias só pensando nela, sinto que conheço muito mais da Meire, com quem convivi por todos esses anos”, explica o rapaz, que escreve, atua e produz um mesmo espetáculo pela primeira vez.
O ator também é calouro no formato, já que é o primeiro monólogo de sua carreira. “A maior diferença que vejo com relação aos meus outros trabalhos, além do tempo de duração, é que o ator precisa sustentar a peça sem deixar que a fala fique chata por uma hora. Durante a exibição, o artista não pode se deixar levar pela plateia porque pode se perder, porque o tempo impõe limites. No entanto, esse estilo dá uma liberdade maior com relação a atuação porque a pessoa pode falar o texto no tempo dela e os erros ela mesma pode corrigir”, explica.
Apesar de toda a novidade, ele afirma que não está nervoso para subir aos palcos todos os finais de semana até 12 de junho. A verdade é que não existe tempo para isto. “Eu produzo, atuo e escrevo essa peça, são muitas coisas para administrar. Tive apenas quarenta dias para mexer no texto, achar um cenário, figurino, produzir e ensaiar a peça, foi muito puxado. Teve uma semana que fiquei preocupado, mas esqueci e superei”, conta o artista, que foi dirigido por João Fonseca, que já fez “Minha Mãe é uma Peça”, “Tim Maia”, “Cazuza” e “O Grande Circo Místico”. “O diretor é muito generoso. É uma pessoa aberta ao que o ator propõe. Acho que ele fez tantos sucessos porque os atores se apaixonam pela forma calma que lida com a peça”, sugere.
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