*Por Alexei Waichenberg
Está declarada uma nova ordem mundial de amar. Eu não sei bem qual é, mas resolvi me aprofundar na pesquisa. A pandemia e o isolamento social mexeram de tal forma com a cabeça das pessoas, que fez despencar a cotação de amor próprio e promoveu uma impressionante redução do PIB, que aqui vamos mudar a sigla para PID, Produto Interno Delicado.
Nos diversos cantos, que compõe a balança de afetos, onde antes trocávamos comercialmente nossas ternurinhas, vai prevalecer um único câmbio praticado, sem spread e sem impostos de evasão de divisas.
Nossa reserva de filmes e séries românticas e eróticas se esgotou. A literatura e a poesia também já não apresentam estabilidade e ficam ameaçadas pela próxima abertura dos portos, quando todos nós seguiremos correndo para o abraço, o amasso e os beijinhos, sem política econômica definidas.
Depois de meio século experimentando o amor e suas idiossincrasias, o cronista decidiu fazer uma conta de chegada. Sim, porque, de onde o amor parte, se antes já não conseguíamos explicar, agora é mais importante entender até quando ele é capaz de suportar.
Decidi então fazer um retrospecto pessoal, que eu espero que os ajude na reflexão. Assim, dividi as minhas fases de amar em 4 momentos diferentes: o amor adolescente, o amor jovem, o maduro e o amor na pandemia. Vou ser breve. Ofereço pequenas experiências de amar em cada fase e, então, você pode escrever para a redação e entupir a caixa da Heloisa Tolipan, falando do seu amor.
Amor Adolescente – Desde menino, eu flertava com a fantasia. Acho que a primeira delas, conheci nas férias de um verão insular. Uma paixão suburbana, sucedida por outras várias, no mesmo cenário. Os dias ensolarados da Baía da Guanabara, onde eu ostentava uma prancha à vela, azul e verde, as tardes de pique bandeira e as noites de gato mia precisavam ser substituídas por fantasias mais adequadas ao enredo dezoitista dos primeiros porres de whisky, da amiga glicose no Hospital de Ipanema, do carro vermelho de fibra descapotável, quase sempre enguiçado, que aguardava na calçada da Lagoa Rodrigo de Freitas uma namorada pra lá de enfezada aparecer na janela. Toda a fantasia agora, além de alimentada pela aventura pueril, precisava ser subsidiada pelo dinheiro. Não foi difícil, eu angariava uns bons trocados com certa habilidade e, assim, me proporcionava algum destaque. O impulso era provocado pela admiração entre os quase adultos amigos, esses ainda envolvidos com a realidade. Mas, eu segui obstinado, trabalhando mais e sempre pra me tornar alguém admirável. Estudava mais meu interlocutor do que a mim mesmo.
Claro que o amor adolescente foi substituído pelo amor próprio e a vontade de vencer. Tudo virou essa história de 17 linhas. Foi lindo!
Amor Jovem – Estava certo, na juventude, que para mim, não havia nada a desvendar no amor, nada do amor que me fosse desconhecido. Subi montanhas obstinado, sem fendas que me suportassem, alcei metro a metro, sempre ligeiro, para ver o amor do alto, frondoso, diminuído em escala e sem qualquer noção de topografia, mas lavrado como parte do latifúndio, que, até ali, havia erigido sem reclusão ou modéstia. E, de fato, lá estavam os meus amores avistados. Eram muitos e me visitavam, vez ou outra, lá em cima, como que pudessem contemplar-se a si próprios. O faziam pelos meus olhos, é verdade, que ainda brilhavam generosos para refletir a luz que, em cada parceiro de amanhecer, surgia do garimpo do vale, ao sopé da rocha lisa.
Cada descida foi uma caçada para a subsistência do amor. Claro que o amor jovem foi substituído pelo amor próprio e a vontade de vencer. Tudo virou essa história de 12 linhas. Foi lindo!
Amor Maduro – Nunca pensei que pudesse investir, em dias de tanta solidão purgatória, uma dessas crônicas manifestações do meu amor em alguém, que já não faz da aventura sua lista de compras para o consumo diário. Sempre acreditei no amor como obra a ser publicada ou, no amor em obra, com um projeto de ocupação. Arrastei tijolos com dificuldade e os emplastrei de cimento fresco, num esforço hercúleo de edificar meu próprio destino. Aos protagonistas da platonia, aos condecorados da sorveteria, reservei bons lençóis e uma dedicação desleal e descabida ao posto que os promovi. Já sem a coragem de sempre, andei a contemplar muito mais do que me pus capaz de sujar as mãos na massa do sapê maquiado, no qual costumava dar acabamento de castelo. Vendo ruir os aposentos da minha esperança massada pelo tempo, me surpreendeu um forasteiro. Trouxe pedra, cal, sorrisos, um mergulho matinal e me fez sentar para descansar. Fora do meu metiê, o cavaleiro de ar maduro não disparou meu coração viciado.
Claro que o amor maduro foi substituído pelo amor próprio e a vontade de vencer. Tudo virou essa história de 15 linhas. Foi lindo!
Amor na Pandemia – Esse eu publiquei faz pouco tempo. Um alerta que deixa claro que, o que vínhamos fazendo até aqui, estava a arruinar o planeta, que a nossa maneira de nos relacionarmos com conflitos gratuitos, ganância, hipocrisia, preconceitos de raça e etnia, de credo e de gênero, insultos, discussões políticas, que essa busca obsessiva pela matéria, já nos tinha condenado a todos. Um alerta compulsório para que paremos de nos matar, de destruir a natureza, tão importante à nossa sobrevivência, nossa subsistência, nossa simples e tácita existência. Um alerta pelo fim dos conflitos, da violência, da inveja, do egoísmo, da superficialidade, um alerta para que voltemos a enxergar o outro, a compartilhar nossas vitórias, a proteger a quem nos faz felizes e a acolher nossa família. Esse amor não pode ser substituído. Ele já é próprio e não se encerra nem nas impróprias linhas que pudermos escrever daqui em diante.
O que fica é que amar, em qualquer tempo, é simplesmente amar. Parte da única segurança que temos, que é saber quem somos e o quanto de nós podemos oferecer, para que, sem escambo, possamos receber, através da Lei Magna e Divina da reciprocidade. E assim, fico aqui com o único ensinamento que me foi proveitoso: Cada um só pode dar aquilo que lhe sobra. E que não oferte ao outro o que lhe é escasso, sob pena de apresentar, sem destinatário ou tomador de serviços, uma fatura que não se pode pagar. Os juros serão calculados na proporção da maldita doença que tem atravessado os séculos: a culpa de ter amado e o castigo de terminar sozinho.
*Alexei Waichenberg, jornalista com o dever de amar direito.
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