Após temporada de sucesso em SP e elogios do autor, Mario Fratti, musical “Nine” chega ao Rio. Conversamos com Charles Moëller sobre a ponte aérea!


A montagem assinada por Charles Möeller e Claudio Botelho traz atores em grandes performances, fruto de uma direção talentosa: “Tenho delicadeza com o processo e entendimento de que o ator melhora a cada dia, com a repetição”, explica Charles

“Nine – Um musical Felliniano” levou a Broadway aos palcos de São Paulo em uma temporada de sucesso e chega ao Rio de Janeiro no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea. Com ares de cabaré francês, o texto original da montagem de Möeller e Botelho é inspirado na autobiografia de Federico Fellini e no filme “8 e ½” e já foi sucesso no exterior. No elenco, brilham nomes como Nicola Lama, Malu Rodrigues, Carol Castro, Totia Meirelles, Letícia Birkheuer, Karen Junqueira, Myra Ruiz e outros, que, em cenas extravagantes, mostraram interpretação afiada e vozes potentes.

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Guido rodeado das mulheres de sua vida no palco (Foto: Marcos Mesquita)

Com 25 anos de carreira e 39 trabalhos juntos, Charles Möeller e Claudio Botelho mudaram a forma de fazer musicais no Brasil e têm consciência disso. “Seria hipocrisia minha dizer que não acho. Todos falavam que eu e Claudio éramos insanos e debochavam. Musical só tinha em horários alternativos e eu nunca imaginei chegar até aqui. Me sentia ‘Alice no País das Maravilhas’, pequeno em salas gigantes e enorme em locais pequenos. Hoje em dia o teatro musical é uma chancela. Foi uma luta árdua e vencemos”, disse Charles.

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Malu Rodrigues em cena ousada com Nicola Lama (Foto: Marcos Mesquita)

O segredo para o sucesso é difícil definir, mas o diretor atribui às personalidades opostas da dupla. “O Claudio briga muito pela música, canção, letra, versão. Eu sou mais da cena, do ator, um trabalho de formiga. Ele é a cigarra, intuitivo, genial e eu estudo muito, sou mais operário, tenho mais paciência para processos longos”, definiu. Os dois, que se provocam o tempo todo, acreditam que trabalhar em dupla é ter um dedo apontado para si sempre e vêem o lado positivo disso. “Aprendemos a brigar bem e entender que a dupla é uma terceira pessoa. Quando se aprende a brigar é a possibilidade da eternidade. É um casamento, só que batalhamos pelo melhor do espetáculo todos os dias. A reconciliação é prática, na lata. Depois de tantos anos ainda discutimos e eu acho saudável, quando parar é porque desistiu ou se acomodou. Ainda queremos nos mostrar melhor para o outro”, explicou.

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Carol Castro vive Luisa, a esposa dedicada de Guido (Foto: Marcos Mesquita)

Tanto Charles como Cláudio são atores e acreditam que essa veia influencia completamente na hora de dirigir uma peça.“Faço tudo que não fizeram comigo. Tenho delicadeza com o processo e entendimento de que o ator melhora a cada dia, com a repetição. Meus diretores foram geniais, mas era outra geração, de déspotas. Não sou do tipo que passa a mão na cabeça, mas tenho carinho e paciência e entendo o dia a dia. Sei que ninguém acorda sabendo”, disse. Tanta compreensão faz com que repitam parcerias de sucesso em cima dos palcos. “Sou fiel com quem me identifico. Nessa profissão tem que ter uma praia e tem pessoas que fazem parte da sua linguagem, entendem sua alma e é mais fácil de lidar. Nessa peça que é tão pessoal, quis atores próximos”, contou. Ainda assim, abriu para audições como sempre faz: “Audicionar alguém é sempre um parto difícil. Quem está sendo testado não dá o melhor sempre”, analisou.

Foto: Leo Aversa - Crédito obrigatório.

Nicola Lama na pele de Guido (Foto: Leo Aversa)

Em “Nine”, veteranos e novatos se misturam e Nicola Lama dá vida ao cineasta italiano Guido Contini, que, aos 40 anos, vive uma crise de criatividade e se depara, em memória, com nove mulheres importantes de sua vida. O intérprete garantiu que o papel é a realização de um sonho. “Eu tinha o desejo de interpretá-lo há anos. Conversei muito com o Charles e o Claudio. Guido é um personagem cheio de facetas no qual eu me espelho em muitos aspectos. As relações com a esposa, a amante, a mãe, a produtora, todos temos em algum lugar. A crise criativa é um momento pelo qual a maioria dos artistas já passou”, disse o ator, garantindo não torcer por Carla nem Luisa. “Não tem como escolher a amante ou a esposa. Quero é que o Guido sobreviva a esse turbilhão de emoções. Ele precisa de todas e vice-versa”.

A sensibilidade da montagem é tamanha que impressionou o autor Mario Fratti, quando tomou a cadeira de público em São Paulo. “Ele disse que essa é a melhor versão de todas que viu. Não deu palpites, só ficou encantado com as escolhas. Quando falamos de nós mesmos, a gente comunica e agrada. Damos sempre um pedaço da nossa alma”, contou Charles, emendando que a confiança dos detentores de direitos autorais veio com o tempo. “No começo nós tínhamos que provar que éramos capazes de fazer boas produções, havia muita desconfiança porque franquia é fácil, monta-se igual na Broadway e são ótimas cópias. Agora, provar que vamos transformar um musical tipo “Nine” em pessoal e comunicar demora. Hoje em dia eles nos adoram, já trabalhamos com todos os escritórios de fora”, disse.

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Totia Meirelles vive a produtora forte, apaixonada e egoísta Lili La Fleur (Foto: Marcos Mesquita)

Se eles já mostraram que são bons no que fazem, muitos outros musicais estão indo na mesma onda, o que Charles defende como positivo, mas faz ressalvas. “O mercado se abriu e tem coisa boa e ruim. Não gosto quando o musical vira do produtor e não do diretor, porque passa a ser uma questão financeira e o produto deixa de ser sagrado. Eu não trabalho para marketing, sim com escolhas”, garantiu, emendando que “Nine” é um desses casos. “Essa peça é difícil de compreender. Trabalhamos com Fellini e o universo Junguiano, mas nós quisemos montar e foi muito bem recebida”, exemplificou. Os cariocas matam a ansiedade essa noite e nós, do site HT, apostamos em outra temporada de sucesso.

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Número de Nicola Lama em “Nine” (Foto: Marcos Mesquita)