“Ao vivo só com show físico. Live não dá certo, pois comediante não é cantor sertanejo”, dispara Thiago Ventura


Com mais de 4 milhões de inscritos em seu canal de Youtube, vídeos com cerca de 50 milhões de views, e de acumular mais de 4 milhões de seguidores no Instagram, um dos destaques do humor nacional na atualidade, ele estreia seu especial de comédia na Netflix, o “Pokas”, nesta quinta-feira (2). Em entrevista ao site HT, ele fala das produções, da carreira construída com firmeza e planejamento, lembra da infância e chama à atenção para a realidade das comunidades periféricas: “Ainda hoje, precisamos falar de saneamento básico nestes lugares. A discrepância e a ignorância são frutos de uma desigualdade social imensa. Falta tudo, falta informação. Falo no meu show: fui saber, entender mesmo, o que era homofobia, racismo, mais velho. As prioridades eram outras, tínhamos fome. Não entendíamos o motivo pelo qual a polícia batia. A quebrada precisa sobreviver primeiro para depois pensar. As pessoas precisam comer, se proteger do frio, isso ninguém entende. É urgente”

*Por Brunna Condini

Ele fala rápido, pensa rápido e é da ação. E foi com essa energia toda que o humorista Thiago Ventura bateu um papo com o site sobre o lançamento do seu terceiro especial de comédia, o “Pokas”, na Netflix, que estreia em 2 de julho. Mas Thiago falou muito mais. Aproveitou para contar da infância, destacou a determinação para materializar sonhos e também avaliou o caminho até aqui, lembrando as dificuldades que a comunidade periférica ainda passa.

No especial, você faz piada com a vida na quebrada, salientando que as atitudes comunicam mais que as palavras. O que o público pode esperar deste show? “É o fechamento de uma trilogia. Tenho outros dois especiais. O primeiro aborda a importância da comédia na minha vida, o “Isso é tudo o que eu tenho”. Depois, veio o “Só agradece”, com os frutos que a comédia me rendeu. Já o “Pokas”, que lanço agora, é sobre a filosofia de vida que me trouxe até aqui, sobre a importância das atitudes”, detalha Thiago. “Esse último espetáculo é também sobre acreditar nas suas convicções, objetivos. Se eu não pensasse assim, ainda seria bancário, estaria em Taboão da Serra (Zona Sudoeste da Região Metropolitana de São Paulo), e não teria comprado uma casa para a minha mãe. Nunca acreditei que algo era impossível, ia lá e fazia, planejava”.

“Nunca acreditei que algo era impossível, ia lá e fazia, planejava” (Foto: Juliana Nunes)

Aos 31 anos e com 10 de trajetória na comédia, o paulista celebra a estreia do novo stand up comedy na plataforma de streaming, material produzido de um espetáculo que esteve em cartaz durante o ano passado no Teatro Frei Caneca e no Teatro Liberdade, em São Paulo. “Gravar meu terceiro especial de comédia stand up, como um original Netflix, é uma grande medalha e um feito enorme dentro da minha carreira. Levar minhas piadas para o mundo, me permite não só falar por todos, como fala mais do que as palavras. A satisfação que eu sinto em comentar sobre essa estreia me causa euforia, pois vi o resultado final, está incrível, não vejo a hora do público assistir”, vibra.

 Pés no chão, cabeça na arte

Thiago começou a sonhar e a trabalhar cedo. Antes de se apresentar nos maiores festivais e palcos de comédia do Brasil, de conquistar mais de 4 milhões de inscritos em seu canal de Youtube, com vídeos com cerca de 50 milhões de views, e de acumular mais de 4 milhões de seguidores no Instagram, o artista trabalhou em um banco. “Com 18 anos, os moleques da minha rua pensavam em ter carro, já eu queria comprar uma casa para a minha mãe. E consegui. No banco comecei como aquele cara que fica com o “posso ajudar?”. Mas sou curioso, fui indo. Virei caixa, depois gerente assistente, depois graças a Deus, virei comediante”, lembra. “Sério, do trabalho no banco guardei uma lição preciosa: entendi que não podia dar mole com dinheiro. Já não tinha, então precisava tratar com respeito. Me planejei e me planejo para ter o que quero”.

Thiago em cena no show “Pokas”: “Esse último espetáculo é também sobre acreditar nas suas convicções, objetivos” (Divulgação Netflix)

Ele é um dos nomes de stand up comedy que se destacam na atualidade com um estilo de humor que mistura recortes da rotina e da vivência da periferia, aproximando pessoas que nunca haviam entrado em um teatro e gerando identificação. Thiago conta que desde 2010 realizou inúmeras turnês nacionais e internacionais com os shows anteriores e, quando a pandemia chegou, ele estava trabalhando em seu quarto solo, o “Modo Efetivo”. Como fica daqui para frente? “Só volto quando for seguro, quando pudermos ter o show físico. Mas vou dar um jeito, seja escrevendo, fazendo online. Live não dá certo, comediante não é cantor sertanejo. Não dá para fazer live de comédia sem reação. Até dá para fazer claque, e existem comediantes específicos que fazem isso. Mas sigo aguardando o que vai acontecer nesta metamorfose da pandemia, e esperando o melhor”.

Sonho realizado

O humorista, filho da dona Eunice e do seu Ademir, cresceu ao lado das irmãs mais velhas Cristiane e Viviane com dificuldades financeiras, mas com amor e incentivo ao redor. “Nunca faltou o que comer, mas quando você não tem nada, você se adapta. Viver ao lado de irmãs 10 e 11 anos mais velhas que eu, também me fez amadurecer mais cedo, era uma criança participando da vida de adultos”, lembra Thiago que também faz parte do elenco dos grupos “4 Amigos”, “Comédia ao Vivo” e a “A Culpa é do Cabral”.

“Nunca faltou o que comer, mas quando você não tem nada, você se adapta” (Foto: Juliana Nunes)

E segue dividindo recordações desta época. “O que falo sobre a quebrada de 15 anos atrás é o seguinte: fomos felizes por não ter o que fazer, nos divertíamos com pouco, com o que tínhamos. Com 14 anos vi um amigo tomando soco na cara, vi gente tomando tiro. Ser da quebrada é ver a violência ali, na sua cara, diariamente. Mas pouquíssimas pessoas da família foram exemplos ruins. Meu trabalho também trouxe benefícios, riqueza geracional, meus sobrinhos estão estudando em colégio particular”, conta. “Mais ainda hoje, precisamos falar de saneamento básico nestes lugares. A discrepância e a ignorância são frutos de uma desigualdade social imensa. Falta tudo, falta informação. Falo no meu show: fui saber, entender mesmo, o que era homofobia, racismo, mais velho. As prioridades eram outras, tínhamos fome. Não entendíamos o motivo pelo qual a polícia batia. A quebrada precisa sobreviver primeiro para depois pensar. As pessoas precisam comer, se proteger do frio, isso ninguém entende. É urgente”.

“A quebrada precisa sobreviver primeiro para depois pensar. As pessoas precisam comer, se proteger do frio, isso ninguém entende, é urgente” (Foto: Juliana Nunes)

O primeiro comediante a ganhar o Prêmio de Humor idealizado por Fábio Porchat revela que está prestes a realizar outro sonho: “Comprei uma casa para a minha mãe, e agora vou comprar uma para mim, estou procurando. Quero sair um pouco do centro de São Paulo, quero ir para o interior”. Hoje, Thiago divide a vida com amigos. “Moro com amigos comediantes. Somos como os Novos Baianos do stand up, mas sem o “novos” e os “baianos””, faz graça. “Trocamos há cinco anos: eu, o Afonso Padilha, dos “4 Amigos”, o Nando Viana do “A Culpa é do Cabral”, e o Gui Preto, da “Hora do Rush”. É bom, mas comediante não cala a boca um minuto. Precisamos aprender a ouvir mais, é um falatório só”.

Em tempos de quarentena, o comediante mais do que nunca, faz questão de estar atento e ser solidário. Por conta disso, criou junto com seus seguidores o projeto “Ajude Taboão da Serra”. “A ideia é a distribuição de cestas básicas, o máximo que conseguirmos. De início, queria juntar uns 100 mil reais. Seriam 1000 cestas básicas. Em três, quatro dias bateu 100 mil, e depois bateram 200 mil reais, é demais saber que podemos fazer isso por quem está precisando e tão vulnerável”, diz. “Pretendo continuar fazendo. Agora na zona Leste, já estou falando com parceiros. Também ajudo como posso no resgate de animais”.

 Apesar de ter sido ‘forçado” a desacelerar por conta da pandemia do novo coronavírus, ele não se queixa. “Fazia uma média de 40 shows por mês, com plateia lotada, não tenho do que reclamar. Essa pandemia é o grande mal do mundo. É mesmo. Mas eu estava precisando descansar. Espero que tudo passe e que as pessoas não percam mais tanto. Já estou aonde eu queria estar, se continuar assim na minha vida, está bom”.