Ao lado de Chico César, a atriz Laila Garin mostra a verve cantora e diz: ‘São tempos bárbaros. É preciso respeito’


A atriz fala do musical ‘A Hora Da Estrela ou o Canto de Macabéa’, no qual atua, e a parceria com Chico César no lançamento de um álbum inédito com a trilha sonora nas plataformas. Nesta entrevista exclusiva, Laila, que estará em na série ‘Fim’, da Globoplay, inspirada no livro homônimo de Fernanda Torres, lembra o caminho até aqui e exalta a potência feminina em sua vida, passada de mãe para filha: “Sempre usei meu cabelo natural, por exemplo. Isto foi uma luta de minha mãe, pois desde criança todo cabeleireiro queria alisar meus cabelos, e quando eu era pequena, eu também queria ter cabelos lisos para me sentir mais aceita e mais no padrão. Mas minha mãe nunca permitiu. Sempre foi revolucionária, ousada e enfrentava os preconceitos. Já adulta fui entender o quanto eles eram bonitos”

*Por Brunna Condini

Laila Garin já encarnou mulheres revolucionárias em cena. Ela já foi Elis Regina no teatro, Clara Nunes no cinema, entre outras mulheres desenhadas na ficção, mas que têm em comum a coragem de viver, para além dos revezes. Também uma característica da atriz. E neste mês que destaca as conquistas femininas, mas também nos lembra que são tempos de lutas e resistência, Laila, filha de uma baiana com um francês, bebe na própria potência e reconhece nela a força materna. “Sempre usei meu cabelo natural, por exemplo. Isto foi uma luta de minha mãe, pois desde criança todo cabeleireiro queria alisar meus cabelos, e quando eu era pequena, eu também queria ter cabelos lisos para me sentir mais aceita e mais no padrão. Mas minha mãe nunca permitiu. Sempre foi revolucionária, ousada e enfrentava os preconceitos”, conta. “Já adulta fui entender o quanto eles eram bonitos E que a natureza deles é para cima para o alto, e que não adiantava querer penteá-los sob as regras dos cabelos lisos. Fui aceitando e me sentindo bonita com eles. Mas também não me vanglorio de não ter passado química para alisar meus cabelos, pois poder usá-los naturais é um privilégio que eu pude ter. Importante dizer”.

"Sempre usei meu cabelo natural, por exemplo. Isto foi uma luta de minha mãe, pois desde criança todo cabeleireiro queria alisar meus cabelos" (Divulgação)

“Sempre usei meu cabelo natural, por exemplo. Isto foi uma luta de minha mãe, pois desde criança todo cabeleireiro queria alisar meus cabelos” (Divulgação)

E mantendo em sua biografia histórias que mexem com as estruturas, depois de uma temporada de casa lotada em São Paulo, ela volta aos palcos no Rio de Janeiro até 27 de março trazendo ao público ‘A Hora Da Estrela ou o Canto de Macabéa‘, no Teatro Firjan Sesi, no Centro. Laila está em cena ao lado de Claudia Ventura e Claudio Gabriel, no musical baseado no romance ‘A Hora da Estrela‘, última obra de Clarice Lispector, como Macabéa – personagem imortalizada no cinema por Marcélia Cartaxo no filme de Suzana Amaral há 30 anos- imigrante nordestina cuja vida no Rio de Janeiro é marcada pela ausência de afeto, acolhimento, poesia. “Acho que todo ser humano já entrou em contato com esta solidão. A consciência de nossa finitude nos põe em contato com a solidão. E talvez seja justamente a empatia também abordada no texto que nos tira dela”, sugere Laila.

“Este é considerado o romance mais social de Clarice Lispector. Macabéa é uma mulher nordestina, eu sou nordestina e sou filha de uma mulher que foi muito discriminada. Isto me toca pessoalmente mas me toca socialmente também, pois estamos vivendo em tempos bárbaros onde precisamos dizer o óbvio sobre direitos humanos, sobre respeito à vida, o básico”.

"Macabéa é uma mulher nordestina, eu sou nordestina e sou filha de uma mulher que foi muito discriminada. Isto me toca pessoalmente mas me toca socialmente também" (Divulgação)

“Macabéa é uma mulher nordestina, eu sou nordestina e sou filha de uma mulher que foi muito discriminada. Isto me toca pessoalmente mas me toca socialmente também” (Divulgação)

E continua: “A personagem não representa somente as mulheres nordestinas, mas todos os invisibilizados da nossa sociedade. É um texto necessário. Ela é comovente e nos une no que possuímos em comum. Todos temos em nós um lugar de pureza e de desamparo. Eu faço Macabéa para amar. Eu faço teatro para ser para ser amada e amar”.

Chico e as músicas

A atriz lançou este mês, ao lado do cantor Chico César, o disco com 16 das 32 músicas que compõem a trilha da peça dirigida por André Paes Leme. E todas as canções foram compostas pelo gênio, com produção musical e os arranjos assinados por Marcelo Caldi. “Conheci Chico César quando ele veio assistir meu espetáculo anterior ‘Gota d’água a seco’. Já era fã dele apaixonada pelo disco ‘Aos Vivos’, e quando soube que ele seria o compositor do trabalho, meus olhos brilharam. Estar com Chico em estúdio, trocar, criar junto, foi emocionante. Cantar músicas que ele compôs pensando em minha voz, é um privilégio”.

Com chico César: "Quando soube que ele seria o compositor do trabalho, meus olhos brilharam" (Divulgação)

Com chico César: “Quando soube que ele seria o compositor do trabalho, meus olhos brilharam” (Divulgação)

E aproveita para salientar mais uma vez o que a personagem representa, chamando à reflexão. “As Macabéas deste país nos ensinam que a maior opressão não é feita com armas e ditaduras oficiais. A maior opressão é a opressão que silenciosamente ensina que você não tem o direito nem de sonhar, nem de desejar uma vida um pouco melhor do que a que tem. Então se você nem pensa que merece ou que poderia ter algo melhor, você nem sequer deseja, muito menos tem sonhos, muito menos pensa em lutar. Macabéa não cobiça as coisas porque aprendeu que as coisas são dos outros. Assim as coisas ficam como já estão. E nada muda. Esta é a maior opressão”.

Finitude

Laila estará na série ‘Fim‘, da Globoplay, inspirada no livro homônimo de Fernanda Torres. As filmagens do trabalho foram interrompidas em março de 2020 por conta da pandemia, e retornam em abril. Ela faz par com Bruno Mazzeo, na pele de Norma, uma mulher do interior de São Paulo que sempre sonhou em ir para o Rio de Janeiro onde sua prima Ruth (Marjorie Estiano) mora. A atriz vai passar por todas a fases da série, tendo que rejuvenescer e envelhecer bastante. “Estou feliz diante deste prato cheio de poder fazer uma personagem que vai dos 27 aos 70 anos. É um trabalho em conjunto com os preparadores e com a caracterização. Ainda estou no momento de me achar muito diferente dela, mas tenho certeza que em breve vou chegar à conclusão de que temos mais coisas em comum do que imagino agora. Na verdade, quero aprender com ela. Ela é bem pragmática, sabe se adaptar às surpresas que a vida traz, foca no positivo e no que tem que ser feito, não faz drama e não se acha mais importante que a vida. É solidária e sólida. É a ponta firme da turma”, descreve.

"Subo no palco e canto, entro no set e faço poesia. É minha maneira de tentar ser imortal e infinita enquanto duro" (Foto: Lucas Seixas)

“Subo no palco e canto, entro no set e faço poesia. É minha maneira de tentar ser imortal e infinita enquanto duro” (Foto: Lucas Seixas)

O livro da Fernanda Torres nos faz pensar sobre como estamos vivendo nossas vidas. Quando pensa na finitude que sentimentos vem? “Esta é a grande pergunta, né? A resposta não cabe aqui (risos). Eu não lido muito bem com o fim das coisas, mas adoro a ideia de mudar, de transformar. E para o novo chegar, tem que aceitar o fim do velho, mas isto me dói muito ainda. Sobre a finitude de nós mesmos e da vida, não lido muito bem. Acho cruel termos a consciência da própria finitude. Podíamos simplesmente morrer um dia desprevenidos, mas não, a gente descobre que vai morrer quando criança. Por quê? Para mim quando eu descobri que iria morrer um dia, foi um choque tão grande que até hoje a sensação deste choque no corpo é a mesma”, divide.

“Agora subo no palco e canto, entro no set e faço poesia. É minha maneira de tentar ser imortal e infinita enquanto duro. “Eu vou sentir tanta saudade de mim quando eu morrer”. Macabéa fala isto em ‘A Hora da Estrela’. Eu sinto exatamente assim”.

"O que faria diferente é que teria começado mais cedo a fazer audiovisual. Teria assumido mais cedo minhas ambições, mas acredito que alguns obstáculos realmente podem se transformar em portais" (Foto: Ariel Cavotti)

“O que faria diferente é que teria começado mais cedo a fazer audiovisual. Teria assumido mais cedo minhas ambições, mas acredito que alguns obstáculos realmente podem se transformar em portais” (Foto: Ariel Cavotti)

Aos 44 anos e tendo subido em um palco pela primeira vez ainda na infância, Laila avalia o caminho, e gosta do que vê: “Teria escolhido o teatro de novo, teria nascido na Bahia de novo, misturada com francês de novo, teria estudado canto, teria feito teatro de pesquisa em São Paulo de novo, teria vindo para Rio de Janeiro fazer musical de novo (risos). O que faria diferente é que teria começado mais cedo a fazer audiovisual. Teria assumido mais cedo minhas ambições, mas acredito que alguns obstáculos realmente podem se transformar em portais quando nos dão oportunidade, obviamente. Não há como se apressar as águas de um rio”.

Diante de tudo que estamos vivendo nos últimos tempos, o que aprendeu e tem a guiado até aqui? “Não aprendi ainda não. Eu ia falar uma frase de efeito ou autoajuda, mas quer saber mesmo? Meus guias têm sido meus amigos! É isto. Sem eles eu não estaria aqui. Até enchi os olhos aqui só de pensar”.