Antonio Fagundes estreia peça, tem projeto no streaming e diz que voltaria às novelas na Globo


No ar, na reprise de ‘O Rei do Gado’, no Vale a Pena Ver de Novo, o ator celebra 60 anos de carreira em 2023 e estreia ‘Baixa Terapia’ em solo carioca. Fagundes também acaba de filmar ‘Deus ainda é Brasileiro’, de Cacá Diegues, voltando a encarnar Deus nas telonas. Nesta entrevista, ele fala do espetáculo teatral, de processos terapêuticos, projeto de dirigir longas mesmo com baixo orçamento, das esperanças para a Cultura e observa sobre sua saída da Globo após 44 anos: “A única coisa que perdi é a estabilidade que um contrato mais longo dá. Mas como nunca fiquei só na TV, está tudo bem, continuo fazendo teatro, cinema, estou negociando com o streaming. E claro, que se me convidarem para fazer uma novela boa, com certeza vou aceitar. Se há algo que ainda nos representa é a telenovela, uma entidade no Brasil”

*Por Brunna Condini

Em 2023, Antonio Fagundes celebra 60 anos de carreira. E que carreira! Ícone da teledramaturgia e homem de teatro, ele perdeu as contas de quantos trabalhos já realizou, mas nós fomos pesquisar: só em TV foram mais de 50 produções, entre novelas, séries e especiais. E também 53 filmes – número que ele já planeja aumentar nos próximos anos – e 57 espetáculos. “Trabalhar é das coisas que mais gosto de fazer. Tanto que esse final de ano vamos descansar, ficar quietinhos aqui em casa, eu e Alexandra (Martins, atriz e sua esposa há 15 anos). Filmei até semana passada o longa ‘Deus ainda é Brasileiro‘, do Cacá Diegues. Fiquei dois meses em Maceió (AL). E começamos o ano já em cena, com o espetáculo ‘Baixa Terapia‘, no Rio de Janeiro, a partir de 13 de janeiro, no Teatro Clara Nunes. Então, minha passagem de ano ideal é de pijama, vendo série, lendo (risos). Parece engraçado, mas é verdade. Fico muito fora, por isso quando tenho chance, corro para casa. Recarrega as baterias”.

A cultura é o que gera a identidade de um povo. É responsável não só pela identificação, como pela unidade de uma nação – Antonio Fagundes, ator

Para quem está com saudade de Fagundes na TV, ele pode ser visto na reprise de ‘O Rei do Gado‘, sucesso de Benedito Ruy Barbosa no ar no Vale a Pena Ver de Novo. “Tem sido um prazer assistir. É um trabalho primoroso”. Aos 73 anos, o ator fala sobre a longeva trajetória na dramaturgia. Só na TV Globo ele ficou por 44 anos, não renovando contrato em 2021. “Acham que eu tenho liberdade agora que sai da Globo, mas sempre tive. Não fui contratado por 44 anos, foram vários contratos renovados ao longo deste tempo. Algo que ficou acordado lá atrás com a emissora, e sempre todos concordaram, é que eu teria liberdade de escolher o que faria. A única coisa que perdi com a saída é a estabilidade que um contrato mais longo proporciona. Mas, como nunca fiquei só na TV, está tudo bem, continuo fazendo teatro, cinema, estou negociando com o streaming. E, claro, que se me convidarem para fazer uma novela boa, com certeza vou aceitar. Se há algo que ainda nos representa é a telenovela, uma entidade no Brasil”.

E fala dos planos: “Quero produzir cinema. Já produzi um filme, o ‘Contra a Parede‘, que está no Globoplay. A ideia é levantar a produção mesmo sem patrocínio, com baixo orçamento. Estou conversando com autores para filmar ano que vem, pelo menos dois longas”, revela. “Tem a peça que desejo continuar por um tempo. E alguns projetos de streaming, mas ainda não posso contar. É uma coisa um pouco complicada, me aflige porque sou produtor e quando quero algo no teatro, por exemplo, levanto em seis meses (risos), mas nas plataformas é diferente. Só posso dizer que estamos adiantados nas negociações”.

Prestes a completar seis décadas de carreira, Antonio Fagundes estreia a peça "Baixa Terapia", e se prepara para o lançamento do filme "Deus Ainda É Brasileiro" (Reprodução/ Instagram)

Prestes a completar seis décadas de carreira, Antonio Fagundes estreia a peça “Baixa Terapia”, e se prepara para o lançamento do filme “Deus Ainda É Brasileiro” (Reprodução/ Instagram)

Terapêutico

Nas temporadas em São Paulo, ‘Baixa Terapia‘ já foi vista por mais de 350 mil espectadores. A comédia de Matias del Federico e direção de Marco Antônio Pâmio, reúne três casais que não se conhecem e se encontram em um consultório para suas sessões habituais de terapia. Mas, a terapeuta não aparece, e eles discutem sobre suas queixas, confissões, suspeitas, revelações, verdades e mentiras. Além de Fagundes, em cena as atrizes Alexandra Martins, Mara Carvalho, Ilana Kaplan, Fábio Espósito e Guilherme Magon. O ator aproveita para comentar sobre a temática da peça: “Eu, particularmente, nunca fiz terapia. Meu filho Bruno faz e tenho alguns amigos próximos que também vivem esse processo terapêutico. Percebo que é uma coisa muito boa. Mas acho que a terapia pode ser muito boa se você sente que precisa dela’, analisa.

A vantagem da nossa profissão é que se você envelhece, os personagens também envelhecem. Sempre vai ter um bruxinho velho para eu  interpretar – Antonio Fagundes, ator

“Vejo uma certa contradição no caso do trabalho do ator ao buscá-la, porque é basicamente o que faz quando entra em cena, em sua rotina: ele percebe o outro. E se consegue observar o outro com compaixão, também é capaz de fazer isso consigo mesmo. Entendo que algumas pessoas sentem falta de um pouquinho além disso, e eu vejo que para elas a terapia faz muito bem”, opina.

Antonio Fagundes e elenco estreiam 'Baixa Terapia' em janeiro no Rio (Foto: Caio Galucci)

Antonio Fagundes e elenco estreiam ‘Baixa Terapia’ em janeiro no Rio (Foto: Caio Galucci)

Deus ainda é brasileiro?

“As filmagens começaram em 7 de novembro. Até 30 de outubro (data do segundo turno das eleições, que deram a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva) estávamos com medo que esse filme não pudesse ser feito. Felizmente realizamos e Deus ainda é brasileiro, com certeza”, diz o ator sobre o que pode ser considerada um spin-off de ‘Deus é Brasileiro‘, também dirigido por Cacá Diegues, em 2003.

Como atores, contamos histórias para que as pessoas se enxerguem na plateia. Para que possam se olhar e sair de alguma forma modificadas, enriquecidas –  Antonio Fagundes, ator

Apesar de fazer o criador no cinema, Antonio Fagundes, que já se considerou agnóstico no passado, fala sobre o tipo de espiritualidade que acredita: “Recentemente, eu li um ensaio chamado ‘A Era da Razão‘, de Thomas Paine (1737-1809), no qual ele detona todas as religiões e fala de Deísmo – uma categoria do teísmo e uma posição filosófica que acredita na criação do universo por uma inteligência superior, através da razão -, algo mais bonito que o agnosticismo. O agnóstico é um covarde, não tem coragem de dizer que não acredita em Deus (risos). Já o Deísmo reconhece uma espiritualidade, um poder qualquer que deve existir. É uma coisa maior, é a natureza que nos cerca. Acho que isso é uma espiritualidade boa, porque exclui as religiões com as suas ortodoxias e brigas mesquinhas”.

O ator acaba de filmar 'Deus ainda é Brasileiro', de Cacá Diegues (Divulgação)

O ator acaba de filmar ‘Deus ainda é Brasileiro’, de Cacá Diegues (Divulgação)

Um salve para a cultura

O ator também faz questão de comentar o momento para a cultura do país: “Houve um desmantelo muito grande. Esse desmanche não foi exclusividade da cultura, também se espalhou por outros ministérios. Se esse governo que acabou tinha algum projeto, era de destruição. Só que a Cultura, por ser um ministério já combalido, sofreu muito mais. Foi a pá de cal, digamos assim. Estou torcendo para que a Margareth Menezes consiga levantar esse novo ministério, que vai ter que ser construído, porque delapidado, virou uma ‘secretariazinha’ a mando do Governo Federal. Estou realmente na torcida para que ele tenha uma boa dotação orçamentária. Acredito que com isso e com a Margareth, que tem uma cabeça muito boa, este ministério vai ressurgir, atendendo às necessidades da cultura brasileira. Somos um país com dimensões continentais, e quando falamos de cultura, não estamos falando só de teatro e cinema, mas também de patrimônios históricos, museus, companhias, sinfônicas, turismo… Educação é propagação de cultura. Então, é para se prestar atenção mesmo nisso tudo”.

"Estou torcendo para que a Margareth Menezes consiga levantar esse novo ministério da cultura" (Foto: Marcus Steinmeyer)

“Estou torcendo para que a Margareth Menezes consiga levantar esse novo ministério da cultura” (Foto: Marcus Steinmeyer)

Tendo dedicado quase seis décadas da sua vida à arte e cultura, Fagundes acentua a importância do tema. “A cultura é o que gera a identidade de um povo. É responsável não só pela identificação, como pela unidade de uma nação. A grande busca da cultura brasileira é descobrir isso. De 1500 para cá, a cultura do país vem sendo menosprezada, sempre achamos que tínhamos problemas mais sérios para tratar. E esquecemos que uma das grandes questões para se lidar é a nossa identidade. Saber quem somos, quem são de fato esses seres especiais que moram neste território”, completa.

O Deísmo é a natureza que nos cerca. Acho uma espiritualidade boa, porque exclui as religiões com as suas ortodoxias e brigas mesquinhas” – Antonio Fagundes, ator

O que o tira do sério? “Com certeza, injustiça. Mexe muito comigo. Porque não vemos muitas vezes caminhos para que a justiça volte. Então, isso me deixa bastante indignado. No mais, acho que tudo é administrável”. E o que proporciona satisfação? “Acho que perceber que a sociedade está vendo o outro, não está só voltada para o próprio umbigo. A nossa profissão de ator é um pouco isso, somos contadores de histórias. Contamos para que as pessoas se enxerguem na plateia. Para que possam se olhar e sair de alguma forma modificadas, enriquecidas”.

O tempo e os planos

Recentemente, Antonio Fagundes declarou que “a velhice é o melhor momento da vida de uma pessoa”. É? “Colocaria uma ressalva nesta frase: é a melhor coisa da vida com saúde. Aprendi nesses anos todos a preservar ao máximo a minha saúde para continuar fazendo tudo o que gosto e o que vem pela frente”. E acrescenta: “A vantagem da nossa profissão é que se você envelhece, os personagens também envelhecem. Sempre vai ter um bruxinho velho para eu interpretar. A paixão que tenho por trabalhar se reflete no meu currículo. Já fiz muita coisa e algumas ao mesmo tempo, como teatro, cinema e TV. Sempre achei que produzir era a solução, então tem muito pela frente ainda”.

"A vantagem da nossa profissão, é que se você envelhece, os personagens também envelhecem. Sempre vai ter um bruxinho velho pra eu fazer" (Foto: Alexandra Martins)

“A vantagem da nossa profissão, é que se você envelhece, os personagens também envelhecem. Sempre vai ter um bruxinho velho pra eu fazer” (Foto: Alexandra Martins)