Amor sem Alma: os caminhos de quem não cuida, que não o mantém fresco, pulsante ontem, hoje e sempre


Nessa crônica, o jornalista Alexei Waichenberg fala “do amor que se renova a cada manhã, não pelos votos, mas por devoção mesmo. Pelo interesse de desvendar o outro, de esperar o inesperado, de entender que não se pode ser amado a próprio punho e que não se pode preencher um desenho que já foi colorido”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

*Por Alexei Waichenberg

“Ah, o amor muda tanto, parece que o encanto do cotidiano desfaz… E, no entanto, todo Ser humano por ele faz planos demais, erra demais…”

Acho que ouvi por dois anos essa faixa que se chama “Velho Piano”, do álbum “Voz e Suor”, com minha diva soberana e Camargo Mariano. Ouvia, sentia, mas não podia perceber exatamente os caminhos de quem não cuida do amor, que não o mantém fresco, pulsante. Falo do amor que se renova a cada manhã, não pelos votos, mas por devoção mesmo. Pelo interesse de desvendar o outro, de esperar o inesperado, de entender que não se pode ser amado a próprio punho e que não se pode preencher um desenho que já foi colorido.

Aprendi com o tempo que o meu gatilho de amar estava sempre no desafio. Não recomendo. O amor impossível se torna invisível, na medida que está em nós mesmos a responsabilidade de fazê-lo edificar. O mais eficiente é aquele que você compra sem entrada e parcela até o fim da vida. Ele nunca será seu de verdade, mas se você pagar as prestações direitinho, vai poder desfrutá-lo com toda propriedade.

Surpreenda-se, se puder não esperar nada do seu próximo amor. Invista na atenção, no cuidado, mergulhe num universo, num contorno diferente do seu. Troque as suas convicções e os seus hábitos para que a vida lhe ofereça outros mundos. Só um pedaço de você deve fazer interseção com o conjunto B. Viaje, cesse as suas buscas. O amor não completa o álbum. Deixe que te roubem a paz celestial de apenas entender o que lhe é adequado e transforme o seu desejo num mistério a ser desvendado.

O amor deve ser forte, inusitado, desafinado até, eu diria. Deixe as certezas e as almas gêmeas e sincopadas para quem te perdoa, te entende, para quem estará sempre à sua espera.

“O amor impossível se torna invisível, na medida que está em nós mesmos a responsabilidade de fazê-lo edificar”

O amor não espera. Ele chega sem avisar. Faça então o teu corpo se comunicar com outro corpo, porque como disse Manuel Bandeira, os corpos se entendem, mas as almas são incomunicáveis. Só em Deus elas vão encontrar satisfação.

Não, isso não é uma receita de amor. Rasgue a receita. Improvise qualquer coisa e a chance de cravar seus dentes numa explosão de sabores é maior do que a satisfação milenar de um pedaço do bolo de fubá da sua tia Mariquinha. Enquanto isso não acontece, troque as suas convicções com o seu melhor amigo. Desate a falar com teu psicanalista sobre o que é ideal e todas as suas expectativas. Porque, quando o amor chegar, você vai perceber que a cigana te enganou o tempo todo e que ele não preencheu o formulário de maneira correta. Quer apostar?

* Alexei Waichenberg, cronista do amor dissonante