Amor Inconfidente e o vírus mortal da indiferença


Nesse artigo, o jornalista Alexei Waichenberg pontua: “Se ainda temos tempo? Temos, temos e teremos tempo se aprendermos, de uma vez por todas, que ser livre não significa que vamos prescindir do outro, do beijo, do encontro. Que ser livre é nos sabermos sós, iguais, com os mesmos direitos, pero com almas diferentes”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

*Por Alexei Waichenberg

É tempo de novos tempos.

Desesperados pela liberdade estivemos soltos pela vida fazendo pouco do amor. Desde Adão e Eva, o homem e a mulher parecem dar mais importância ao fruto proibido do que desfrutarem-se de si mesmos. E experimentaram, é verdade. Duas Evas para um só Adão, dois Adões para uma Eva, um Adão para outro Adão, Duas Evas, 3 Adões, fizeram todos os tipos de ensaio. Venceram preconceitos, tornaram-se racionais, iluminados, científicos, românticos, informáticos, sempre livres, mas cerceados pela perseguição ao fruto proibido.

Uma simples maçã, símbolo de tecnologia, símbolo do que é mais urbano, os pôs distantes do que lhes deveria parecer mais óbvio, um e o outro, e mais tudo que na natureza torna possível existir.

Mas a terra que não é plana, a terra gira e gira em torno de si própria. Assim, vivemos ciclos, destemidos em busca da felicidade. Vivemos a Era da razão, ao gosto de Sartre, a Era da Informação, à moda de Gates, onde todos temos acesso a tudo, vivemos os amores líquidos de Bauman, mas não vivemos uns para os outros. Não paramos, a não ser pela poesia, para deitar numa cama de feno sob a lua e contemplar. Contemplar a paisagem, contemplar o seu amor, que sem que você percebesse sempre esteve ao seu lado. E assim a lusitana roda.

Alexei frisa: “Vivemos a Era da razão, ao gosto de Sartre, a Era da Informação, à moda de Gates, (…), mas não vivemos uns para os outros” (Foto: Adriel Pires)

Agora que estamos presos, encontramos a tal liberdade. A liberdade truncada, que buscávamos alucinados. Agora que temos nossa existência ameaçada, ficamos a espreitar da janela, loucos para deixar que por ela escape o desejo lancinante de correr pelo campo, de sentar-se à sombra de uma árvore frondosa, de oferecer flores à sua Bárbara, Marília, Aline, Berê, ao seu Thomás, Cláudio, Osmar, Henrique.  Loucos para agarrar de mão cheia a maçã permitida. Agora que já parece tarde demais para amarmos, que já atinamos o quanto podemos precisar do outro, agora…

É tempo de novos tempos. Tempo de gestos simples, de preparar o abraço apertado, de deixar os lábios viçosos, de almejar o prazer de apenas encostar as pálpebras, de escrever com boa caligrafia um cartão.

Desvalidos de sorte, apostamos no futuro errado, jogamos mal, trapaceamos a nós mesmos.

Se ainda temos tempo? Temos, temos e teremos tempo se aprendermos, de uma vez por todas, que ser livre não significa que vamos prescindir do outro, do beijo, do encontro. Que ser livre é nos sabermos sós, iguais, com os mesmos direitos, pero com almas diferentes. Ser livre é buscar na tecnologia e na ciência, alguma forma de inventar uma geringonça androide, onde a tela seja todo o seu campo de visão, onde com um olhar poderemos mudar o humor de quem está do outro lado, quando pudermos tocar, não nos corrimões de aço dos abomináveis aparelhos, mas deslizar com as mãos ávidas e suaves o corpo do seu amor.

Somos nós os inconfidentes de nós mesmos. Somos nós que denunciamos com traição um ego tomado pelos vírus mortal da indiferença. Fomos nós que colhemos as flores e nunca as entregamos.

É tempo de novos tempos. Dá tempo, no novo tempo.

*Jornalista com sintomas de amor crônico