*Por Alexei Waichenberg
Nesses dias em que a terra deixou todos os filhos de castigo e que já perdemos quase 230.000 entes queridos pelo mundo, é mister perceber o verdadeiro valor da vida.
Chegamos até aqui como frutos de amores, de desejos, de meras cópulas ou injunções de conveniência, uns até da compulsória fecundação, mas todos frutos do verdadeiro milagre da criação divina.
Ser Mãe é ser pela metade eternamente. Uma metade é puro afeto, cuidado, noites insones e um sinal de alerta, que prevê um bombardeio iminente e a outra metade é o desconhecido, a incerteza, ter que acertar, cumprir com as obrigações que os avós de alguém estabeleceram e que herdaram de algum acordo, que nunca previu o próprio arbítrio do filho, que pode crescer a esperar apenas a felicidade de quem o proveu e pode lhe conferir a capacidade de fazer suas próprias escolhas.
Ser mãe é como estar solta no mar bravio ao sabor da tempestade, à espera da calmaria, que nunca chega. É estar mergulhada em um céu de delírios, a testemunhar seu rebento tomando o seu lugar ao sol, seguindo sua vocação com perseverança.
Poder guiar seus primeiros passos para depois acompanhar para sempre a trajetória imprevisível dos seus filhos, padecer no paraíso, como diz bem a máxima popular.
Mãe é almoço de domingo, é pasta na escova, é anseio, colo, copo de leite com Nescau na cabeceira, temeridade e receio. Eu louvo e aplaudo todas as mães, as convencionais e as atribuídas. Mas, nem todas são mulheres.
E eu hoje, atrevido, vim aqui para ser mãe, a mãe que eu nunca pude ser. Isso mesmo. Eu não acredito que o papel de mãe, com efeito, tenha que respeitar gênero ou espreitar esforços martirizantes de qualquer estereótipo. A maternidade não está necessariamente ligada ao ventre e nem aos códigos de transmissão genética, mas sempre ao afeto irresistível, irracional e implacável, de quem pode até dividir o ar que respira, para multiplicar oportunidades, de quem alimenta, ainda que seja de coragem, a dieta da sobrevivência de quem vai se nutrir da alegria de um simples carinho.
Como diz a Martha Medeiros, “eu te amo” virou uma frase tão romântica quanto “me passa o açúcar”. Nesses tempos de tantas perdas dos nossos mentores de espírito e de alma, adoçar cada minuto que nos forçam ficar separados, é preciso dizer eu te amo. Uns não tiveram tempo, outro nem tiveram a quem dizer, mas aí ao alcance do seu telefone ou até do seu pensamento, é preciso lembrar de agradecer quem vela por nós.
São Marias, Circes, Medéas, Patrícias, Julianas, Christianas, Danielas, Sandras, Neilas, Leandros, são Alexandres, Manoéis, Antonios, Mimis, Bebés, Dindinhas, são tantos, todos sofrendo da terrível enfermidade da culpa de não serem exatamente o que poderiam ser, mas gozando do direito, que de dever não hão de ter, de ver seu filho brotar, povoar essa terra maltratada por tanto malquerer.
E que venham os meus netos e que a vida valha mais. Fiquem em casa. Respeitem seus pais.
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