*Por Brunna Condini
A atriz Julia Lund está longe da TV desde o fim do ano passado quando integrou o elenco de ‘A Dona do Pedaço’, na TV Globo, mas no teatro tem produzido sem parar desde 2014 com a Cia Polifônica, que fundou ao lado do marido, o diretor e dramaturgo Luiz Felipe Reis, seu parceiro em mais uma empreitada: seu primeiro monólogo, “Tudo que brilha no escuro”, no qual mistura teatro e linguagem audiovisual. “A situação do isolamento fez com que o solo surgisse e com que esse trabalho tivesse o formato de um experimento intimista. Acho que, como muitas pessoas, nos vimos tendo que fazer e viver experiências que não imaginávamos. E, apesar de todas as pressões que sentimos nesse momento, em vez de desabafar e expurgar angústias, tentamos com esse trabalho compartilhar uma busca pela vida. Tem um pouco a ver com o que a Ariane Mnouchkine disse sobre o teatro nos dar coragem e vontade de viver. Mesmo que, através de uma tela agora, acho que é um pouco essa a nossa tentativa”, define Julia.
O espetáculo pode ser visto até dia 4 de outubro pelo YouTube, com sessões aos sábados, às 20h, e, aos domingos, às 18h. O casal abriu sua casa e apresenta uma narrativa costurada por memórias da atriz, textos de Luiz Felipe Reis e livres adaptações para obras do dramaturgo Pascal Rambert e do roteirista Jean-Claude Carrière. Na história, Julia vive uma mulher que durante uma madrugada visita lembranças marcadas pelo fim de um relacionamento na sua busca por reinvenção. Casada há sete anos com Luiz Felipe, a atriz afirma que a intensa convivência com o marido durante o período não afetou o casal.
“A gente mora e trabalha juntos desde 2014, e sempre fomos muito caseiros. Temos uma rotina gostosa aqui em casa. Então, nesse sentido, o impacto da convivência diária dentro de casa por conta da pandemia foi mais suave. Mas, claro que faz falta não poder sair para tomar um café, ir a uma livraria para espairecer quando entramos em algum ponto de desentendimento, respirar outros ares, mas sinto que temos um alto grau de adaptabilidade. Estamos levando bem dentro do possível. Ainda casados e amamos a vida juntos!”.
Ela também se arrisca na definição do que seria “amar em tempos de pandemia”: “Acho que é sobretudo ser mais generoso com o outro e consigo mesmo. Não está fácil para ninguém. Amor tem a ver com cuidado, com escuta, com atenção e acho que precisamos exercitar isso o tempo todo, tanto nas relações amorosas como nas relações com aquilo que nos cerca, como a natureza por exemplo”.
Luiz Felipe, que além de dramaturgo é jornalista, vai além: “Amar em tempos de pandemia, no contexto íntimo, amoroso de um casal, acho que é potencializar esse estado de presença, de atenção, de cuidado e de afeto. Cuidar do outro no sentido de reconhecer e lidar com as investidas das pulsões de morte ou negativas que nos atacam… os medos, pânicos, tristezas, desamparos. Sabendo que esses estados fazem parte desse processo difícil que estamos vivendo sob a pandemia e, a partir daí, buscar no dia a dia fortalecer o outro, as suas pulsões vitais e disposições criativas. Seus interesses, desejos, inclinações. Em três atos: compreensão, carinho e estímulo”.
Julia exalta ainda a parceria com o marido. “É nela que consigo explorar o que tenho de melhor como atriz. Porque ele me dá essa liberdade ao mesmo tempo suporte. O Luiz Felipe tem uma sensibilidade fora do comum e um olhar estético apurado. Então, ele vai guiando tanto os caminhos emocionais que eu devo percorrer, como cria o espaço físico e sonoro onde a obra vai acontecer. Ele é um diretor completo. É um obsessivo pela qualidade. Todos os dias eu aprendo com ele. Com a cultura e com a inteligência”.
Neste espetáculo, você dá vida a uma mulher que reflete e se questiona sobre a existência. Que questionamentos têm em comum com ela? “Eu sempre fui uma pessoa que se questionou muito. Sempre fiz análise. E por ser atriz estou constantemente fazendo perguntas para mim e para o mundo e revirando as coisas aqui dentro de mim. Acho que o artista tem essa característica de estar em constante movimento interno. Nesse momento, tenho me questionado sobre como seguir em frente sendo artista. Sobre o que falar e como falar, assim como a minha personagem”, analisa.
E que mulheres já existiram em você durante esse período de quarentena? “Acho que eu acordo uma mulher e vou dormir outra todos os dias. A realização desse solo foi a grande descoberta desse período. Não estava nos meus planos fazer um solo tão cedo, meu primeiro. Sempre tive medo de estar sozinha em cena, e de repente, aqui estou eu, lidando com esse medo bem de perto, entrando em contato e o ultrapassando . Descobrir essa capacidade está sendo libertador”.
Ela também revela que os planos de parceria do casal não incluem só trabalho. “Queremos ter filhos. É algo que sempre conversamos. Mas acho que a pandemia jogou essa vontade um pouco mais para frente. Gostaria que tudo acalmasse um pouco”, divide. “Quando tudo isso chegou estávamos prestes a estrear a quarta peça da Polifônica, “Na boca do vulcão”, no Sesc da Avenida Paulista, em São Paulo. Mas. a semana da estreia foi a mesma em que tudo fechou. Também tinha uma outra peça programada para o Teatro do Oi Futuro, a primeira adaptação para o teatro na América Latina do romance 2666 do Roberto Bolaño. Quero muito voltar a fazer novelas e séries, tenho alguns projetos apontados e espero que eles aconteçam”.
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