Alexandre Lino estreia a peça “Volúpia da cegueira” com dois atores deficientes visuais em cena. “Não faz diferença nenhuma isso no palco”


O ator e produtor defende a lei de inclusão de pessoas com deficiência em empresas e se diz “completamente partidário com cotas”

Quem disse que cego não transa? Muitos falaram isso para o ator Alexandre Lino, indo ao contrário do que ele pensava pela convivência com o tio cego. Não está entendendo nada, né? Vamos lá que o HT esclarece e te conta as novidades.

“Volúpia da cegueira” é a nova peça idealizada por Alexandre Lino. Com um enredo sem tabus e curioso, o espetáculo estreia no Teatro Maria Clara Machado, na Gávea, na próxima quinta-feira (7). O texto, escrito por Daniel Porto, trata da sexualidade de quatro personagens cegos – sendo dois desses atores deficientes visuais. Lino contou ao HT que sempre teve uma relação próxima com essa deficiência. Isso porque o tio dele, aos 18 anos, perdeu a visão – no auge da puberdade e descoberta do sexo. E, por causa do dia a dia deste tio, ele achava que as relações sexuais eram comuns e presentes entre os cegos, assim como nos videntes.

Porém, ao conhecer mais sobre a vida e o cotidiano no Instituto Benjamin Constant – local que atende a deficientes visuais no Rio de Janeiro – para interpretar um cego na peça “Asilo Paraíso”, Lino viu que nem todos tinham a mesma sexualidade aflorada de seu tio. “Ele (tio de Alexandre) era um homem cego, mas que tinha muitas mulheres. Namorava muito, tinha uma mulher atrás da outra. Tinha uma vida sexual muito ativa. E depois, eu me envolvendo com outros relatos, percebi que havia uma diferença grande para o meu tio. A sexualidade era atribuída aos cegos como um fator de quase não acontecimento na vida deles. O cego era quase visto como assexuado”. – contou Alexandre.

"Volúpias da cegueira" tem dois personagens cegos em cena (Foto: Janderson Pires)

“Volúpia da cegueira” tem dois personagens cegos em cena (Foto: Janderson Pires)

Essa história ainda despertou mais o interesse do ator e produtor quando ele leu o livro “Tripé do Tripúdio”, de Glauco Mattoso, que conta sobre um cego homossexual masoquista assumido. Desde então, mais precisamente, desde 2011, Lino vem conhecendo e descobrindo sobre a sexualidade de quem não enxerga. A peça propõe, segundo ele, que o espectador “leve às suas casas alguma reflexão sobre essa realidade, que é nossa”. Como Lino contou, o objetivo da peça é “que a gente consiga conversar com o espectador. Se a gente conseguiu dialogar com ele, se a gente conseguiu fazer com que ele saia daquela sala e reflita sobre aquilo que aconteceu, significa que fizemos um bom trabalho. A gente conseguiu fazer arte, conseguimos fazer alguma interferência na vida da pessoa que está ali, de algum modo”.

Nesse espetáculo, Alexandre ainda proporciona ao público a possibilidade de assistir à peça vendado, como um cego. “Eu me coloquei no lugar do outro quando eu fui fazer o meu processo como ator (em Asilo Paraíso). Eu estou colocando outros atores para viver essa realidade. E por que não colocar também o público? Não é uma obrigação assistir ao espetáculo sem enxergar, mas é uma opção que é muito interessante. Eu queria permitir que o espectador também pudesse entender um pouco o que a gente viveu no nosso processo”. – explicou o produtor da peça. Sobre os dois atores deficientes visuais que Lino tem em palco, ele prefere não dizer quem são. Os artistas escolhidos por ele – Moira Braga, Felipe Rodrigues, Max Oliveira e Aléssio Abdon – “são iguais em talento e dedicação”. Então, ele busca dividir essa dúvida com o público, “potencializar que não faz diferença nenhuma isso em palco”, já que os quatro personagens da peça são cegos.

Lino pretende causar reflexão nos espectadores com o enredo da peça (Foto: Janderson Pires)

Lino pretende causar reflexão nos espectadores com o enredo da peça (Foto: Janderson Pires)

A cegueira é o ponto central da peça, mas não o mais difícil de lidar. Para Alexandre, o maior desafio do espetáculo é na abordagem da sexualidade. Mesmo nos dias de hoje, “falar sobre sexo não é uma coisa fácil para ninguém. A gente está revelando a intimidade de diversas formas. Lidar com a escuridão, a cegueira, não se compara a dificuldade em falar sobre sexo nessas diversas possibilidades dele. É muito mais complexo”. – disse Lino.

No Brasil, desde 1991, as empresas com mais de cem funcionários devem reservar uma cota de 2% a 5% para PCDs (Pessoas com Deficiências) no quadro dos trabalhadores. Alexandre Lino apoia e encara essa lei como algo necessário para a inclusão dessas pessoas. “São trabalhadores como todos nós. Eu acho que tem que haver, sim, tem que cumprir, sim, porque senão não há maneira dessas pessoas terem acesso. Elas ficaram sempre vistas como minoria e incapazes. Eu sou completamente partidário com as cotas”. E para ele, a ficção muitas vezes não trata a deficiência como de fato é. “Às vezes é feita de uma maneira mais elaborada, mais pesquisada. Mas às vezes a abordagem e o tratamento são de uma maneira muito estereotipada, e isso é complicado. Eu acho que a ficção, muitas vezes, trai um pouco porque ela não cria um envolvimento tão próximo, no sentido de trazer para trabalhar junto”.

"Eu sou completamente partidário às cotas" - disse Alexandre Lino sobre a lei de inclusão de PCDs em empresas (Foto: Janderson Pires)

“Eu sou completamente partidário às cotas” – disse Alexandre Lino sobre a lei de inclusão de PCDs em empresas (Foto: Janderson Pires)

Além da peça “Volúpia da cegueira”, Alexandre Lino tem diversos outros projetos como o espetáculo “Nordestinos” – que vai fechar o Festival de Curitiba neste fim de semana – e o monólogo “Lady Christiny”. Este último conta a história real de um pai de família que se travestiu, com a ajuda da mulher, por amor a um outro homem. História boa, hein? Mais pra frente contamos sobre onde e quando vai estrear!