* Por Carlos Lima Costa
É com indignação que a atriz Alexandra Richter, que teve vários projetos profissionais interrompidos por conta da pandemia do Covid-19, encara o comportamento das pessoas que não respeitam os protocolos de saúde, saem sem máscara e se aglomeram em festas fazendo pouco caso do coronavírus. “Fico danada da vida, porque, eu, meu marido, Ronaldo (Braga), e nossa filha, Gabi, estamos cumprindo à risca. Não vou a restaurante, não vou em nada e ai fico vendo o bar da esquina e os restaurantes lotados. Fico pensando: Será que receberam uma mensagem de WhatsApp dizendo que acabou a pandemia. Em São Paulo, direto, desde o início, todas sextas e sábados, as pessoas nas casas dando altas festas, todo mundo cantando, comemorando feliz da vida não sei porque. Eu não tenho coragem de comemorar com tantas mortes. As pessoas precisam também pensar nos que estão na linha de frente, médicos, enfermeiros e serventes e recepcionistas dos hospitais”, desabafa.
Ela também não crê que, quando o Covid-19 for apenas uma lembrança ruim, as pessoas estarão melhores. “Não acredito que todo mundo vai mudar, tipo ‘nossa, agora eu sou bonzinho, tenho empatia, como penso no próximo’. O sem noção vai continuar sem noção, os egoístas vão continuar egoístas, porque são sentimentos enraizados e que precisam de muita transformação íntima. Acho que só vai mudar quem já estava no processo de transformação íntima de autoconhecimento, porque você só passa a produzir sentimentos como empatia e solidariedade quanto mais se conhece. E as pessoas fechadas para isso, estão fechadas para fora também. São essas pessoas que falam ‘eu não quero usar máscara’”.
Profissionalmente, o coronavírus começou a afetá-la com o cancelamento da turnê comemorativa dos 10 anos de sucesso da peça A História de Nós 2, na qual, além de atuar, ela é também uma das produtoras, desde a primeira montagem, quando contracenava com Marcelo Valle. E que desde, então, já foi vista por mais de um milhão de pessoas. “Em termos de teatro é coisa para caramba”, vibra. Em 2019, Alexandra convidou Mouhamed Harfouch para participar desta temporada com ela. Fizeram em São Paulo e, em março deste ano, iriam começar a rodar o país, mas veio o lockdown. Ficou frustração.
“A gente já estava com o cenário na estrada. Passados os meses, estou muito feliz de voltar a apresentá-la, mesmo sendo uma única noite e sem a presença do público”, diz referindo-se à segunda temporada de lives do projeto Palco Instituto Unimed-BH em Casa, dentro do qual a peça foi transmitida online gratuitamente pelos canais YouTube do Sesc Minas (SescemMinasGerais), do Teatro Claro Rio, e pelo canal 500 da Claro TV, nesta quinta-feira. “Esta é a primeira vez que faço uma apresentação online e vai ficar disponível por 15 dias na plataforma”, explica.
“Fiquei muito feliz com este convite, mesmo sendo uma única apresentação e sem o público presente, porque vou poder encontrar a equipe técnica, que vai estar trabalhando, ganhando cachê. O teatro alimenta muitas famílias, movimenta a economia do país. É importante que as pessoas percebam isso. E justamente os trabalhadores da parte técnica de produção, operadores de luz, de som, bilheteiros, camareiros, eles precisam trabalhar, são pessoas que vivem de teatro”, ressalta.
Alexandra comenta que a comédia romântica sofreu mudanças para este dia, com cortes das cenas de cama, beijo, abraço. “Mas como disse o diretor, Ernesto Piccolo, não é uma adaptação no sentido de virar televisão ou cinema. Vamos continuar fazendo teatro. Essas tais cenas serão narradas ou sugeridas. Vamos conseguir fazer o público embarcar, porque o teatro tem essa magia. E desta vez teremos álcool 70 no cenário, vamos assumir isto em cena”.
A História de Nós 2, que ela montou pela primeira vez aos 42 anos, é como um cartão de visitas, uma das peças mais significativas de sua vida. “Na verdade, Uma Loira na Lua, que eu teria reestreado este ano, se não fosse a pandemia, é um divisor de águas na minha carreira, porque até carro vendi para produzir, mas A História de Nós 2 trouxe todo tipo de reconhecimento, como de ser uma atriz que também pode fazer drama, e também a ascensão financeira, porque todo mundo ganhou dinheiro com essa peça e comprou apartamento. A peça foi um sucesso, um fenômeno”, conta. E Alexandra faz uma ressalva: “Sou uma atriz de formação teatral, mas gosto de todos os veículos. A diferença é que no teatro, como eu produzo, protagonizo. Nunca fui convidada para protagonizar uma novela ou um filme”.
Incomoda não ter este tipo de convite na TV e no cinema? “Não me incomoda, porque eu sei que funciona assim. Talvez seja essa configuração mesmo da televisão de eleger os nomes que alguns querem naquele momento, mas não me sinto mal com isso, até porque procurei o meu caminho e me realizo muito. Só que se eu quero protagonizar, vou lá e faço o meu teatro. Não sou dessas pessoas que ficam ‘ninguém me chama’. Tenho horror desse discurso. Quando achei que merecia o reconhecimento, fiz o meu monólogo, dei a cara a tapa e acertei”, explica Alexandra, que este ano iria participar da série da Globoplay Minha Mãe É Uma Peça, mas que deve ser realizada em 2021, quando também estreará o longa-metragem D.P.A. 3 – Uma Aventura No Fim do Mundo, no qual interpreta a bruxa Duvíbora. “Ano que vem eu vou recuperar tudo”, torce.
Ao contrário de sua personagem de A História de Nós 2, Alexandra vive sólida relação de 23 anos com Ronaldo Braga, cientista na área de inteligência artificial, que foi um de seus amigos de infância. Os dois são pais de Gabriela, que este ano está estudando para o Enem e definiu que vai cursar Medicina. “Minha filha é a luz da minha vida. Quando a vejo realizando os sonhos, agora focada para ser médica, penso: ‘Nossa, que presente que eu ganhei de Deus’. Ela é uma jovem incrível, dá zero trabalho, educadíssima, um doce. Está aí uma pessoa que já veio com a empatia totalmente trabalhada. Quando falou que deseja ser pediatra, eu brinquei: ‘Faz geriatria pra cuidar da mãe’ (risos). Ela tem muita empatia com crianças especiais, com autistas e cadeirantes. Em todas as escolas era conhecida como aquela que cuida, que trata de igual para igual”, relata.
Por ser sua filha e esta pessoa que ela acaba de descrever, Alexandra ficou triste e irritada quando Gabi foi vítima de preconceito racial. “O Brasil é um país de pessoas preconceituosas e o pior é que existe uma hipocrisia, gente que diz que não é. Estou falando do preconceito em geral, homofobia, gordofobia… Mas, o racismo é o pior deles, porque o racismo é estrutural. Crescemos ouvindo frases e vendo ações racistas e a gente nem se questionava a respeito disso. Que bom que hoje temos esse entendimento e eu como branca posso afirmar que temos muito que aprender sobre isso. Lá em casa, sempre tivemos um diálogo aberto e franco sobre tudo. Então, ela foi educada para ter resposta para tudo com muita educação e classe. Eu sempre falei: ‘Não seja arrogante com os humildes, mas não seja humilde com os arrogantes. Se sofrer preconceito, você fala na lata que é crime'”, frisa.
E relata um episódio. “Uma vez, na escola, uma menina a chamou de macaca, e no Facebook, ela deu print. Não sei se foi uma brincadeira. Sete da manhã, a gente ligou na escola pedindo uma reunião para comunicarem aos pais da menina, que devia ter uns 10 anos. Levamos advogado. Mas, a Gabi lida bem, a gente conversa muito. Ela tem pena da pessoa que é racista. Lembro que foi algo que a deixou triste na época”. Assim que Gabi virou adolescente, Alexandra lhe deu livros de Djamila Ribeiro, que é conhecida por seu ativismo. “Reconheço que Djamila tem o poder de transformar através de sua fala e escrita. E quis que Gabi se alimentasse desse discurso. Criamos nossa filha usando bons exemplos. Gabi é forte e está trilhando um caminho muito lindo”, conclui.
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