*por Vitor Antunes
Por óbvio, Beyoncé é um fenômeno. A cantora, atriz e multiplataformas tem forte alcance mundial. Porém, não estranhem um pódio brasileiríssimo no Tiktok. Alessandra Maestrini, é mais curtida que a diva pop na plataforma de vídeos curtos. Não que ela tenha tenha mais seguidores, mas sim, um grande número de curtidas. A atriz brasileira tem quase 17 milhões de curtidas em sua rede social, versus seis milhões da musa americana. “Muito disso se deve à Jéssica Cristina, a fundadora do meu fã clube, que inicialmente chamava Maestrini Luv, e depois ganhou o meu nome. E é fantástico porque não têm apenas vídeos da Bozena, meu personagem no “Toma Lá Dá Cá” (que está em reexibição no canal Viva), mas outros trabalhos meus também”. Sobre a polaca do seriado de Miguel Falabella exibido entre 2007 e 2009, ela diz que, ainda que ela seja sucesso, não deve voltar – pelo menos de forma imediata – à televisão.
A Bozena pertence à Globo e ela só voltaria se a direção quiser. Há quem diga que a personagem é mais conhecida que eu, mas o TikTok revela que sou três vezes mais curtida que a Beyoncé. Seria legal os contratantes abrirem os olhos para isso” – Alessandra Maestrini
Desde que tornou pública a sua bissexualidade, são recorrentes as perguntas à Alessandra sobre o assunto. Até que ponto é importante debater ou explorar a sua intimidade? “Acredito haver quem esteja realmente interessado apenas nisso e há quem esteja interessado no debate e vai fazê-lo de modo mais interessante. A forma como me coloco diante disso depende do tipo de pergunta, do momento, do mundo, do Brasil. Mas eu acho sempre bacana que se marque presença, de que somos pessoas LGBT. Há quem se surpreenda ainda. Mas, sobretudo, não diferimos muito dos outros. Este é um traço que nos compõe e que não deve ser ignorado, não deve ser colocado em primeiro plano. Esta é uma parte de nós. Acho que assumir-se tem a ver com ser isso, mas não ser apenas isso”.
Ano que vem, ela estreia no Disney Plus, “O Som e a Sílaba“, série baseada na peça homônima escrita por Miguel Falabella, sobre uma mulher autista que canta ópera. Sobre novelas, gênero do qual ela participou de forma muito episódica – apenas em “Tempos Modernos” (2010) -, Alessandra diz que recebeu um convite através de Jayme Monjardim, mas trata-se de algo que corre em confidencialidade ainda. Além destes projetos pode ser vista em “Kafka e a Boneca Viajante” peça de Rafael Primot, com direção de João Fonseca baseada no original de Jordi Sierra i Fabra. A peça conta uma história, que ninguém sabe se real ou não, de que o escritor Franz Kafka (1883-1924) ao caminhar por uma praça perto de sua casa, encontrou uma menina que chorava por ter perdido sua boneca. Sensibilizado pelo sofrimento da criança, passou a escrever cartas à menina, mas como se fossem escritas pela boneca, nas quais o brinquedo descrevia suas incríveis aventuras pelo mundo.
Trata-se de um texto difícil de fazer, afinal, o Kafka não é simples, e ainda haveria de traduzir de modo a ser um musical palatável que tivesse delicadeza e profundidade. Nos foi dada muita liberdade para criar, para mexermos no que quiséssemos, tanto que há muita naturalidade na montagem e parece que tudo nasceu de nós. Ainda que não sejamos uma companha de teatro, parece que somos – Alessandra Maestrini
…DAÍ
A palavra “daí”, tornou-se indissociável à Alessandra Maestrini, especialmente depois que ela viveu a empregada Bozena, do “Toma Lá Dá Cá“. Exibida até 2009 na tela da Globo, reexibida alguns anos depois, à tarde, pela casa, e reexibida continuamente pelo Viva, o seriado é um dos mais bem sucedidos da emissora. Tanto que conseguiu dar a Alessandra Maestrini uma medalha. Foi homenageada pela cidade do sudoeste parananense. “Quando fui a Pato Branco, uma multidão foi às ruas, as igrejas pararam, as pessoas não foram trabalhar, as escolas fecharam e virou feriado municipal. Me senti como se fosse a Evita Perón (1919-1952)”, brinca.
Sobre a personagem, ainda hoje há quem a trate como a “filha ilustre de Pato Branco”. Não são poucos os que pedem que ela retorne ao ar. E, em especial há, ainda um reconhecimento entre o público infanto-juvenil. “Ela é meio clown, meio chapliniana. Inclusive, o próprio Chaplin dizia que seus filmes se olhados de perto são uma tragédia, mas olhados de longe, comédia. Essa é a vida da Bozena”. Por ser incessantemente reprisado o seriado, a artista diz considerar-se a “Ana Maria Braga do Viva“. E seus fãs são poderosos. Tanto que seu fã clube tem mais seguidores do que a própria conta da atriz. O que a homenageia tem cerca de 300 mil seguidores, já o seu, pessoal, 295 mil. Fora isso, os expressivos números do TikTok, dos quais já falamos. “Meu TikTok não tem apenas coisas da Bozena ou do Toma Lá Dá Cá, mas outros trabalhos meus. Acho isso ótimo”.
Ainda sobre a paranaense-polonesa, a atriz ressalta que “é um elogio, um mérito ser reconhecida por essa personagem. É como se eu tivesse entrado para o folclore, para a história da teledramaturgia nacional”. O sucesso de um personagem costuma limitar alguns intérpretes. Há quase 50 anos Lucélia Santos é chamada de Isaura por conta de “Escrava Isaura” (1976), bem como Mel Lisboa é chamada de Anita devido à “Presença de Anita” (2001). Para Alessandra, ela se restringirá a esse personagem se o público quiser “O público às vezes permite limitar-se. Há quem venha ao teatro não para assistir “Kafka” ou aos espetáculos que faço. E por essa razão se surpreende quando me descobre cantora, atriz dramática, ou por ver em mim uma mulher bonita. As pessoas precisam abrir a cabeça. Tem gente que fala que não adianta o que quer que eu faça, na cabeça dele eu serei sempre a Bozena. Daí, o problema é da pessoa.
Na vida existem dois tipos de problema. O que convém a mim e o que convém ao outro. [Negar outros personagens que eu faça] é um problema que não convém a mim – Alessandra Maestrini
GENTE É O LUGAR DE SE PERGUNTAR O UM
Na peça “Kafka e a boneca viajante“, Alessandra dá vida à própria boneca do título. No meio tom entre a ludicidade que não cede à infantilidade, no espaço entre ser boneca e gente. “O desafio foi meu mesmo, de me ver indo brincar. Márcia Rubim, a preparadora corporal me ajudou nessa composição e aos outros atores também, já que a Carol Garcia faz uma menina de 5 anos, o André Dias, o Kafka mais velho e a Lílian Valeska, a mulher do escritor e uma gaivota. Fomos criando diante do nosso corpo mesmo. E à minha boneca acessar a emoção dela no momento em que ganha autonomia e, diante disso, opta por servir, agradar os outros. E que se coloca entregue quando apaixona-se”, e convenhamos, nada mais humano que o amor.
De igual forma, poucas coisas são tão humanas quanto a divergência de ideias. Esse ato acabou revelando-se ainda mais potente nas eleições – e, importante ressaltar que no ano que vem há mais uma. Diante disso, ante à surdez e à ausência de diálogo no campo político, Alessandra Maestrini abriu seu Instagram para que haja possibilidade de conversa: O programa “Espaço Divergente“, o nome visa abranger não só o contraditório, como ser um lugar “para ver gente”, segundo ela própria. “Essa ideia, essa mediação surge em razão de eu ter familiares bolsonaristas com os quais eu não conseguia conversar. Então, importante haver esse diálogo. Sempe digo que os políticos passam e as pessoas ficam. Então, recomendo que as pessoas não abram mão dos seus afetos. Com a polarização muitas familias se partiram. E, considerando que política não é um FlaXFlu, criei esse espaço para o debate no meu Instagram com pessoas de direita, da esquerda, do centro de mundos antagonicos – como ambientalistas e do agro – para que as pessoas se ouçam. A ideologia não define as pessoas, mas elas mesmas se definem. Bom senso não é privilégio da direita ou da esquerda”
Há quem diga ser sem caráter um famíliar a quem sempre disse “eu te amo”, tudo por causa das eleições. Como chegamos a isso? É a destruição dos vinculos humanos – Alessandra Maestrini
Sempre cercada de música, para Alessandra a canção que a define não poderia ser de outro lugar, senão de um musical. Da trilha de “Yentl” era tirou a melodia que a resumiria, com “Where is it written?” . Para ela a música é importante não só por haver vencido o 28º Prêmio de Música Brasileira na categoria “Álbum em Língua Estrangeira”, em 2017, e por ter sido cantado por ela, mas por seu conteúdo: “Não há um dia em que eu não acorde sem milhares de perguntas a rondar qual o princípio, o fim e qual e qual a razão do mundo que Deus quis criar”, diz a música. Fala de som e de sílabas.
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