Depois de uma carreira de sucesso na TV, no cinema e na literatura, a escritora Adriana Falcão resolveu se jogar em uma plataforma ainda desconhecida para ela mesma: o teatro. Após conversar com a amiga e atriz Sílvia Buarque, a autora criou o texto de “Ideia fixa”, peça que teve sua estreia na noite de ontem, no palco do Teatro Poeira, em Botafogo, e reuniu uma turma de amigos, parceiros e admiradores do talento de Adriana. HT, claro, esteve por lá no lançamento do espetáculo, e conta abaixo como foi o início dessa nova fase em sua carreira.
Na montagem, que leva direção de Henrique Tavares e, além de Sílvia, ainda traz Guta Stresser e Rodrigo Penna no elenco, duas mulheres se veem enjauladas nas memórias de um relacionamento terminado há cinco anos, enquanto tentam recuperar suas próprias vidas, mas caem em uma constante de pensamentos obsessivos sobre como o tal cara é insubstituível. Repleto de uma veia irônica e performances magistrais, que tocam no âmago de quem já passou por situações parecidas, o texto mostra a universalidade dos relacionamentos e das paranoias que podem obstruir o pensamento no período pós-término.
HT, claro, não poderia deixar de falar com a própria Adriana Falcão para saber como foi abordar tal tema e qual é a sensação de estrear no teatro, em uma produção que reúne tantos amigos. “Sempre conversei muito sobre relações com a Silvinha (Buarque). Em determinado momento, reparei que todas as pessoas à minha volta estavam se separando: a minha melhor amiga, meu melhor amigo, minha filha, eu também havia passado por isso após um casamento de anos (com João Falcão)… Então, me dei conta de que vários sentimentos são universais nessas horas, não importa se são com um homem ou com uma mulher, com uma pessoa homo ou heterossexual. Aí, decidi que queria escrever sobre isso e a Sílvia sugeriu uma peça”, explicou a escritora.
Mas o processo não foi tão repentino assim. Como ela mesma conta, em um momento inicial, houve a apreensão de migrar para o formato dos palcos, uma vez que ela nunca havia trabalho nesse campo. “Nunca achei que meu veículo fosse uma peça, mas decidi me arriscar e mergulhei no projeto. Foi uma experiência ótima, porque eu já tinha muitas observações maturadas dentro de mim mesma. Aspectos que reparei tanto na minha vida como nas pessoas que me cercavam. Um dos principais sentimentos que eu notei foi o pensamento de que você não vai conseguir viver sozinho, sem aquela pessoa. E isso foi algo que até jovens de 20 anos me diziam! Tipo: ‘Por que eu?'”, explicou Adriana.
Se aprofundando ainda mais no assunto, a autora ainda avaliou com HT como se dá o entendimento e a aceitação desse período: “Acredito que não tenha uma conclusão. O amor sempre sobrevive a tudo, é maior do que todo o resto. Eu continuo acreditando no amar, e isso é algo que não acaba, apenas continua. O importante não é aonde você vai chegar, mas sim o caminho até lá”. Em um papo franco, Adriana ainda completou: “Atualmente, estou com a ideia fixa de ficar em paz comigo mesma, porque sou muito ansiosa. E acredito que essa peça faça parte desse processo de ser uma pessoa mais tranquila, calma e contemplativa”.
Guta Stresser, que levou o público do Teatro Poeira às gargalhadas do início ao fim do espetáculo, através da paranoia, obsessão e servidão descontroladas de sua personagem, contou para HT como chegou à produção e como se identifica com o tema. “A Silvinha (Buarque) e a Adriana (Falcão) me convidaram e, assim que li o texto, achei muito contundente. É uma peça que fala sobre sentimentos que todos nós conhecemos e até nos identificamos. É algo que bate muito em mim e, ao longo dos ensaios, fomos trabalhando uma forma de não deixá-lo em um lugar de sofrimento e emoção”, avaliou.
E as obsessões? Será que Guta tem alguma? E, principalmente, como se livra delas? “Nossa, tenho muitas ideias fixas! Claro, você não consegue tirá-la da cabeça, mas, às vezes, você as adapta à sua realidade. É como na peça: elas não desistem do amor, elas desistem apenas da fantasia que foi criada. Ao mesmo tempo, acredito que elas creem nesse ideal como um todo. Sem desistir do amor, o que é impossível, mas sim dessa ideia fixa”, explicou.
No espetáculo, Sílvia Buarque dá vida a uma das duas personagens enjauladas nas memórias e possibilidades do relacionamento, com uma dose a menos do desespero que invade a mulher vivida por Guta, mas, sim, repleta de muito bom humor e tiradas irônicas. “Acho que fui a primeira pessoa que a Adriana procurou quando quis fazer essa peça, ainda antes de começar a escrever o texto, muito pela nossa amizade e cumplicidade feminina. Lembro que a gente sempre marcava de sair para conversar sobre a vida, trabalho etc., mas acontecia de, toda vez, falarmos só sobre relacionamentos, ciúmes, paranoias e todas essas questões femininas”, riu a atriz. Femininas ou universais, Sílvia? “Sim, elas se aplicam a todo mundo, mas acho que a mulher tem muito dessa necessidade de conversar mais, falar sobre o problema e acreditar no Príncipe Encantado, em que aquilo ali é para sempre”, avaliou.
“Eu não tenho uma história parecida com a da personagem, até por que sou casada há 12 anos”, explicou a atriz, que, ao final do espetáculo, ganhou beijos carinhosos do marido, o também ator Chico Diaz. “Mas, ao mesmo tempo, eu entendo aquele lugar que a gente fica após uma separação, sem conseguir reatar o nosso próprio laço com nós mesmos. É um tempo no qual não somos mais um casal, mas também não somos completamente individuais”, explicou.
Bom, falando nessas ideias fixas, quais são as que Sílvia Buarque nutre e como ela as afasta? Entre gargalhadas, a atriz comentou: “Sou repleta de mini-ideias fixas e faço um exercício diário de lidar com isso, porque, às vezes, elas não são boas. Podem ser medos ou paranoias fixas, mas tenho muito esse trabalho comigo mesma de não ficar dentro disso, porque é algo tacanho”. Sobre a superação de um relacionamento, ela usa a própria peça para explicar como lidar com o período: “Não existe um segredo para isso, nem para desapegar e nem para ficar junto eternamente. O período é um certo luto e eu diria que o barato é exatamente não ter dica”.
Agora, imagine a alegria de Marieta Severo, uma das donas do Teatro Poeira, em receber no seu espaço uma peça estrelada por duas “filhas”, a de sangue e a da saudosa “A grande família”, com texto assinado por uma de suas grandes amigas?! “É um momento muito especial, a filha da realidade e a da ficção, juntas no nosso teatro, e fazendo um trabalho belíssimo, que é um texto da Adriana Falcão, com essa cabeça fantástica e um humor inteligentíssimo e poético. O espetáculo do Henrique (Tavares) é também muito bem desenhado, uma joia!”, disse a atriz, orgulhosa. Sobre ideias fixas, a dama dos palcos comentou, entre gargalhadas, que, realmente, não as tira da cabeça, mas tenta. “Eu tenho a impressão de que não sou muito disso. As minhas ideias fixas são em relação ao trabalho, e eu as realizo”, explicou.
Bem, como a peça trata especialmente sobre a aquela obsessão com o término de uma relação e o “enclausuramento” do indivíduo no mesmo, HT foi em frente e perguntou a Marieta Severo qual a dica, se é que ela existe, para superar essa fase. “Acho que não há uma fórmula. Cada um reage de um jeito e tem a sua própria receita. Mas também acho que viver essa despedida, esse ‘luto’, é necessário, sabendo que é algo passageiro. O bacana é isso: viver cada momento, ficar com essa ideia e esperar ela passar”, decretou. Já sua sócia no Poeira, Andréa Beltrão, que recentemente terminou o trabalho de quatro anos com a série “Tapas e Beijos” e disse que está “curtindo intensamente o ócio”, sem planos para a TV, cinema ou teatro e, principalmente, sem nem nenhuma ideia fixa. “Mas quando tenho, deixo ela lá, quieta, até se concretizar”, riu.
A peça, por sinal, tem todo aquele clima familiar entre os envolvidos. Além da relação perpetuada entre a equipe de “A grande família”, Clarice Falcão, filha de Adriana, ainda contribui com uma música para a trilha do espetáculo. Sob o comando de Ricco Viana e do próprio Rodrigo Penna, a atriz e cantora empresta a voz para um cover de “I want you, but I don’t need you” (“Eu te quero, mas não preciso de você”, em tradução livre), clássico do britânico Momus e que, só pelo título, já dá para perceber que tem tudo a ver com o tema. “Eu não tiro, nunca. Por sinal, se alguém souber, me avisa porque estou precisando”, brincou Clarice, quando perguntada como se livrar de um pensamento constante. “Nesse momento, estou workaholic, com a ideia de lançar meu novo videoclipe e o meu segundo álbum”, completou.
Por fim, HT bateu um papo com Natália Lage, que revelou um projeto teatral que não sai da sua cabeça: “É algo que estou desenvolvendo há muitos anos, porque está bem difícil acontecer. Eu e Rafael Gomes, que assina o texto e a direção, já tentamos por uns três anos aqui no Rio, mas agora vamos ver se rola em São Paulo, até porque ele mora lá. É algo que eu quero muito, mas, mesmo com as adversidades, eu continuo insistindo nesse desejo”. E, bem, fazendo eco à peça e à conclusão final sobre o limbo emocional pós-término, a atriz divide a fórmula mágica para superar a fase: “Amor próprio!”.
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