Ele é um gênio e nome conhecido quando se fala em direção teatral. E foi por essa trajetória estrelada de Aderbal Freire-Filho que a diretora Sandra Delgado teve a ideia de fazer o documentário “Terceiro Sinal”. O trabalho, que foi lançado em DVD, essa semana, no Rio de Janeiro, mostra em vídeo o processo criativo e os ensaios do espetáculo “Hamlet”, dirigido por Aderbal, e de outras três peças de diretores brasileiros. Mas, apesar da ideia interessante de Sandra, Aderbal confessou ao HT que não topou a proposta de imediato. Para ele, a presença de uma câmera acompanhando diariamente aos ensaios do grupo poderia inibir os atores em cena. “Eu, de fato, acreditava que poderia não dar certo, pois a câmera seria uma presença estrangeira dentro dessa ilha de utopia que é o ateliê de ensaio de teatro. Eu achei que essa presença ficaria sempre como um olho indiscreto. Mas depois, com a presença da Sandra, que foi sensacional e teve uma incrível sensibilidade e participação de artista, eu vi que tudo deu certo. O resultado é sempre uma pequena mostra, mas, mesmo assim, o DVD é muito vivo e inteligente”, argumentou.
Após a experiencia de conviver com um elemento tecnológico no dia-a-dia dos ensaios, o HT questionou Aderbal sobre o impacto e as consequências de um teatro possivelmente mais moderno com a entrada de instrumentos tecnológicos, como a câmera de vídeo. “A gente pode até usar alguns recursos, às vezes são bem-vindos e suprem uma necessidade de somar ao teatro algumas poesias audiovisuais. Pode ser bonito. Mas não quando as pessoas fazem porque acham que o teatro não tem a capacidade de mostrar determinada situação. Nesse caso, você traz o cinema para dentro dos palcos. Ai não. O teatro é capaz de mostrar tudo o que qualquer pessoa quiser, porque ele trabalha com a imaginação do espectador. Ou seja, eu acho que essa combinação do teatro, câmera e a tecnologia é possível, mas não é necessária. O que salva o teatro e faz dele eterno é o fato de ele ser vivo. O resto vai acabar se tornando aplicativo”, opinou.
Já que o papo tinha engrenado, resolvemos ir além: como é continuar produzindo essa arte em tempos de crise, como a atual que o Brasil vem enfrentando? Para responder a essa questão, o diretor recorreu ao pensamento de seu companheiro de profissão Domingos Oliveira. “Como o Domingos diz, o teatro pode ser feito sem dinheiro. Essa verba que é usada é para o básico. O teatro não é como o cinema, que precisa de recurso para a produção, distribuição, divulgação e todas as fases. Essa arte não precisa ser assim, pode ser feita na rua, por exemplo. Mas o artista, da mesma forma que qualquer cidadão, tem as suas necessidades de sobrevivência. Então, essa é a base da independência econômica do teatro, que anda paralela à dependência econômica da vida”, disse.
E, muitas vezes, quem garante essa “dependência econômica da vida” e permite aos artistas continuarem com seus projetos é a lei Rouanet. Embora reconheça a funcionalidade da norma, Aderbal Freire-Filho nos disse que, hoje em dia, há uma “criminalização” da lei e de quem é ajudado por ela. “A lei Rouanet tem sido uma ferramenta incrivelmente forte e necessária para o teatro brasileiro. Porém, a gente vive um tempo de criminalização dela, que é feita com a mesma cara de pau com que outras mentiras são contadas hoje na política brasileira, quando se diz, por exemplo, que o golpe que aconteceu está baseado na Constituição. E não está. Então, com essa mesma cara de pau, as pessoas acusam as outras de terem captado um certo valor com a lei Rouanet e que ela só serve para os artistas que são ligados ao governo. Mas não tem nada a ver. A lei Rouanet não é dinheiro do governo e você não precisa ter nenhuma ligação partidária para conseguir aprovação do seu projeto. Pelo contrário. Os grandes captadores não são ligados ao PT, para ser claro”, declarou.
Além da “criminalização”, Aderbal apontou um outro problema que tem o uso da lei como pano de fundo. Segundo o diretor, após conseguir a captação, as pessoas divulgam os valores errados, o que, muitas vezes, causa grandes revoltas e polêmicas. “Na lei Rouanet, as pessoas falam valores que são referentes ao que pode ser captado, e não ao de fato recebido. E outro ponto: o valor não é para uma pessoa. É para um projeto que tem milhões de gastos. É uma pena que se queira criminalizar esse instrumento”, argumentou.
E Aderbal pode comentar do assunto por experiência própria. Recentemente, o diretor de teatro, que também é apresentador do programa “Arte do Artista”, da TV Brasil, foi acusado pelo deputado Marcos Feliciano de “receber R$ 91 mil de um órgão ligado ao MinC” pelo trabalho na televisão. E não foi só. O consultor político Gaudêncio Torquato afirmou, em sua página do Facebook, que Aderbal Freire-Filho teria captado mais de R$ 2 milhões da lei Rouanet. Sobre essas polêmicas, o diretor se defendeu ao HT dizendo que está recorrendo à justiça para solucionar o caso. “Eu fico revoltado e, em casos concretos, eu estou processando. Eu, particularmente, nunca captei um centavo na lei Rouanet. Mas eu não me vanglorio disso porque as produtoras que me contrataram captaram. Então, em relação a tudo o que foi dito de uma forma irresponsável, eu estou processando”, contou o diretor de teatro Aderbal Freire-Filho.
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