A realidade de um novo tempo. Ciclo do Amor (molho longo + agitação)


Nesse artigo, o jornalista Alexei Waichenberg dividiu um dos mais lindos poemas dos tempos que atravessamos e analisa: “Se antes o que trazia estabilidade eram os pactos de construir juntos, agora vale a intensidade e o agito forte.
Não sei onde isso vai parar, mas o vírus deu um susto grande e a maior probabilidade é que alguns valores possam ser revistos, afinal não dá pra trocar de parceir@ cada vez que tivermos que lavar uma roupa suja”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

*Por Alexei Waichenberg

Ardor, torpor, clamor, pavor

Já não digo amor

Rima do corpo frágil, ágil, hábil, débil, fértil, estéril

Que não seja dócil ou fóssil

A carne clama, inflama, derrama,

no peito ardente, o gozo quente, no lábio frio

A voz exclama, chama, conclama

Suplica o amor doente, presente, ausente

O sonho chega, o ego nega, o olho seca

E a boca mente

Temor, suor

Pior, desejo

O pano cai, o bom se esvai

Ficou o beijo

Cartão sem flor, um novo amor

Então ardor, torpor

Não, já não digo amor

É assim o amor de hoje, sempre com tempo pra acabar, como um ciclo de uma máquina de lavar.

Ele nem sempre acaba limpo como desejável, mas os corações se tornaram menos exigentes e o que, realmente, importa é recomeçar.

“É assim o amor de hoje, sempre com tempo pra acabar, como um ciclo de uma máquina de lavar” (Foto: Adriel Pires)

Se antes o que trazia estabilidade eram os pactos de construir juntos, agora vale a intensidade e o agito forte.

Não sei onde isso vai parar, mas o vírus deu um susto grande e a maior probabilidade é que alguns valores possam ser revistos, afinal não dá pra trocar de parceir@ cada vez que tivermos que lavar uma roupa suja.

Assim, é melhor que sejamos contaminados pelo estranho desejo de dividir o edredom na quarentena do que, simplesmente, detectar que ele é muito volumoso para a estranha, cibernética e trepidante engenhoca programada para ciclos com hora para acabar.

*Alexei Waichenberg, jornalista em seus ciclos pouco delicados