“Profissão de artista deixou de ser vista como necessária por quem está no poder e me machuca”, diz Lilia Cabral


Após cinco anos longe dos palcos, a atriz faz pela primeira vez teatro online ao lado da filha Giulia Bertolli, no espetáculo ‘A Lista’, na segunda temporada do projeto ‘Palco Instituto Unimed BH em Casa’, com transmissão gratuita nesta quinta-feira (5) e que pode virar série para a TV. Lilia fala ao site sobre a experiência emocionante e sobre o alcance desse novo fazer artístico. Ela também revisita suas personagens nas reprises da TV Globo, e comenta sobre a situação da cultura no país: “Meu posicionamento político é defender a nossa classe. Temos que tomar muito cuidado, porque como pessoas públicas, cada frase que falamos pode ganhar um contexto diferente da que foi dita, ainda mais em tempos de redes sociais”

*Por Brunna Condini

Durante a pandemia da Covid-19 a tecnologia foi uma aliada potente para estreitar laços, possibilitar conexões profissionais e levar arte a todos os cantos. De um lado, o avanço na utilização das ferramentas tecnológicas, possibilitou que a cultura pudesse se reinventar e agregar novas linguagens, se aproximando e entretendo o público. Ao mesmo tempo, essa realidade trouxe o artista para a essência do fazer teatral. E isso, Lilia Cabral que apresenta nesta quinta-feira (dia 5), ao lado da filha Giulia Bertolli, ao vivo e gratuitamente, o espetáculo ‘A Lista’, transmitido às 20h30, pelos canais no Youtube do Sesc em Minas, do Teatro Claro Rio e pelo Canal 530 da Claro TV, reconhece bem.

“Voltamos a fazer teatro como antigamente, como eu fazia quando comecei. É tudo mais simples, no melhor dos sentidos. Um leva uma coisa de casa, o outro leva outra coisa. Eu faço a minha contra regragem, cuido do meu camarim. O processo de ensaio também foi muito emocionante. Cada um na sua casa, ensaiando pelo Zoom, com todas as dificuldades que isso envolve. O que nos uniu foi o desejo de estar junto fazendo arte e isso também é emocionante”, disse.

Giulia Bertolli e Lilia Cabral em ‘A Lista’, que tem apresentação gratuita, ao vivo e online nesta quinta-feira (Foto: Ricardo Brajterman)

Com texto de Gustavo Pinheiro e direção de Guilherme Piva, a peça marca o retorno de Lilia ao teatro após cinco anos sem subir aos palcos e a sua estreia ao lado da filha para contar a história de uma aposentada trancada no seu apartamento em Copacabana, que evita se contaminar com o vírus que assolou o mundo da noite para o dia. Neste contexto, ela conta com a ajuda de uma jovem para fazer sua lista de compras e abastecer a casa.

“Quando o Gustavo Pinheiro nos convidou, achamos que tinha tudo a ver abordar esse tema, principalmente neste momento que estamos vivendo. A peça foi criada inicialmente para participar do projeto “Teatro já”, que arrecadou fundos para nossos colegas de teatro que perderam seus empregos da noite para o dia em consequência da pandemia. A causa era muito forte e emocionante para ficarmos de fora e atendemos ao chamado prontamente”, conta.

“A causa era muito forte e emocionante para ficarmos de fora e atendemos ao chamado prontamente” (Foto: Ricardo Brajterman)

A atriz fala ainda da experiência com a filha Giulia em cena: “Tem sido um encontro muito especial. Ela é minha filha, mas quando estamos contracenando, eu não a enxergo assim. Ali, ela é minha colega de palco e de profissão. São duas atrizes em cena. Nossa profissão não é fácil e a Giulia está trilhando o caminho dela de forma muito bonita”.

Que descoberta é essa do teatro online? “É uma nova forma de fazer teatro e nós ainda estamos aprendendo a lidar com ela. Sem dúvida tem muitos desafios porque, afinal de contas, é feito para as câmeras. Mas é teatro. Acredito que o formato veio para ficar, porque nos permite atingir públicos de cidades do Brasil e países do mundo onde o teatro presencial não consegue chegar. O formato online é a verdadeira democratização do acesso à cultura. É muito lindo estarmos em cena em um palco no Rio de Janeiro e termos na plateia milhares de espectadores do Acre, Rondônia, Santa Catarina, Lisboa, Nova Iorque, Berlim… até da Lituânia já teve! Quem permite esse encontro é o teatro online. Desde os ensaios nós desconfiávamos que a peça tinha um grande poder de comunicação, mas a resposta emocionada do público é gigantesca e nos surpreendeu”.

“O formato online permite a verdadeira democratização do acesso à cultura” (Foto: Ricardo Brajterman)

Revisitando

Com mais de 40 anos de profissão, Lilia tem podido rever suas personagens marcantes em edições especiais das novelas ‘Fina Estampa’, recém reprisada, em que fez sua primeira protagonista no horário das 21h, no Canal Viva, em ‘Chocolate com Pimenta‘, e agora, em ‘A Força do Querer’, como Silvana, uma mulher que tem vício em jogos. Gosta de se assistir? Costuma ser crítica com seu desempenho? “Eu costumo ser crítica com o meu desempenho assim que acabo de fazer a cena. Aí, depois de alguns dias, a cena vai ao ar e eu fico na observação. Mas agora com tantas novelas sendo reprisadas, eu tenho prazer em assistir. Mesmo que uma cena ou outra eu pense que poderia ter feito diferente isso não me preocupa, porque consigo ver todo o contexto da história. É muito mais prazer do que crítica”.

Em ‘A Força do Querer’, como Silvana, uma mulher que tem vício em (Divulgação/ Globo)

Ela reflete sobre a importância social da personagem que traz o tema adicção para a roda na novela das 21h: “Essa personagem foi muito importante até mesmo para eu entender certas situações que, às vezes, a gente acha que a pessoa não tem força de vontade e não é nada disso. O vício em jogo é uma doença sim, é muito difícil sair dessa situação, requer ajuda dos familiares, e, muitas vezes, esse socorro só é solicitado quando é tarde demais. É preciso renascer das cinzas, ir ao fundo do poço para se reerguer. E isso faz com que a atriz que vive um personagem como esse acabe tendo um olhar de compreensão e sendo mais empática com a dor não só do personagem, mas das pessoas que sofrem com esse vício”.

Reiventando

Com ‘A Lista’, pela primeira vez ela se apresenta pela internet. “É emocionante ensaiar com a pessoa que mais amo e de alguma forma encontramos uma maneira de levar a nossa arte para todos os lugares. Nós nos reinventamos nesse momento tão difícil para a arte e cultura do nosso país, e acho que achamos um novo caminho de chegar nas pessoas. É isso o que me move: levar a arte para todos os lugares do Brasil”, diz Lilia, que pretende seguir com a peça para novas temporadas e planeja adaptar o enredo do espetáculo para uma série de televisão. “O Gustavo adaptou a peça para uma série e eu e Giulia gravamos o piloto. Ainda não sabemos quando e nem como será, mas estamos todos muito animados com essa perspectiva”.

“Daqui há 10 anos, olharemos para esse momento e poderemos dizer que estávamos fazendo teatro e levando um pouco de alívio e diversão para as pessoas” (Reprodução Instagram)

Qual foi o período mais difícil do isolamento até aqui? “Começamos a quarentena acreditando que ficaríamos em casa por 15 dias. Depois logo vieram mais 15 dias. Essa falta de perspectiva foi angustiante. Mas, logo em seguida, em maio, o Gustavo já nos trouxe a ideia de ‘A Lista’ e o teatro nos ocupou e preencheu desde então. Daqui há 10 anos, quando tudo isso passar, olharemos para esse momento e poderemos dizer que estávamos em cima de um palco, fazendo teatro e levando um pouco de alívio e diversão para as pessoas. Acho que o susto e a ansiedade foram grandes, mas o teatro ajudou muito a ter calma e aprender a dar valor às coisas simples”.

O que será da cultura com a atenção que é dada neste momento no país? “A profissão de artista deixou de ser vista como necessária por quem está no poder e isso me machuca. Meu posicionamento político é defender a nossa classe. Temos que tomar muito cuidado, porque ,como pessoas públicas, cada frase que falamos pode ganhar um contexto diferente da que foi dita. Ainda mais em tempos de redes sociais”.