A grande reviravolta: a chegada da vacina contra Covid-19 vem fazer a ruptura na nossa história


Neste artigo, a jornalista Brunna Condini reflete neste fim de ano 2020: “Renascer todo dia é a meta. Pode acreditar, a gente se reinventa. Me inspira a vida ali, acontecendo em seus dias que passam e carregam uma esperança do que vem, do que surge e pode mudar tudo novamente. E penso que enquanto estou meio distraída na ficção, pode chegar uma vacina”

*Por Brunna Condini

Todo dezembro fico mais emotiva. Tenho vontade de ser mais compreensiva, ouvir mais, ajudar mais, doar, fazer, acolher. Me arrepia viver fim de ciclos. E também me arrepia o porvir. Mas sempre foi arrepio bom. É um frio na barriga daquela surpresa que nos fazem. Aquela que a gente meio que já sabe, mas é tão gostosa que surpreende dentro do já sabido. É abrir uma porta para alguém que amamos e vai dar um abraço gostoso. O novo, o inesperado, me parecem assim.

Os fins costumam me dar satisfação e uma certa ‘peninha’. Geralmente porque acho que podia ter feito mais. E os começos, esses, me dão vontade de ir logo, de dar a largada, de fazer.

E as festas de fim de ano? Tenho as melhores memórias delas. Mesmo quando eram um pouco tristes porque já não tinha alguém que fazia muita falta em não estar. Cheiro de comida boa, cervejinha gelada, papo furado, papo constrangedor (toda família, quem nunca?), as declarações etílicas e emocionadas. E as orações, e os silêncios, e a troca de presentes e a alegria das crianças, com bagunça, com brinquedo espalhado e papel de presente para todo lado. E de repente alguém coloca uma música e quer aumentar para dançar.

E ‘enterro dos ossos’ no dia seguinte? Ah, por favor! Com cheiro de rabanada no café da manhã, e com tudo misturado no prato – com ou sem cabimento – no almoço. Tudo olhando para a casa ainda por arrumar, mas como deve ser, com uma ressaca de alegria pairando. Com aquele afeto todo espalhado em cada canto de quem recebeu a família.

O amor preenche de um jeito louco. Quando você dá e recebe, ele te faz satisfeito como quando estamos com fome e ficamos diante da comida. É saciedade concreta.

E se faz concreto também no abraço apertado, no beijo, no carinho e cafuné, na risada cúmplice, nas mãos que se seguram e não soltam. Encostar salva. Mas não tocar agora, também. E se pensar neste fim de ano está te angustiando mais do que o normal, vai fundo e entenda, não é você, é este tal de ‘novo normal’, que tem sido um estranho inconveniente. Mas não tem jeito, vamos ter que dar uma chance a ele, conhecê-lo melhor e nos acostumarmos com sua presença.

É mesmo o momento de soltar a direção. Até porque 2020 veio para nos mostrar de todas as formas, que nosso controle é fake quando estamos diante do mundo, da vida e da imensidão do universo.

Tenho me permitido sentir as coisas, mas não ser engolida por elas. Respiro, expiro e quando preciso, sopro com força para longe. Bebo água, desligo o telejornal e aprecio o silêncio. Fico comigo, com quem posso ficar e isso me dá uma alegria diferente, que muita gente chama de gratidão. Tenho olhado mais para o céu, voltei a ler com frequência, mesmo com a concentração avariada, e tenho pego algum sol que é melhor que nenhum. Assisto coisas novas e reassisto filmes e séries porque me fazem bem e me inspiram.

Me inspira a vida dos outros. Me inspira a vida ali, acontecendo em seus dias que passam e carregam uma esperança do que vem, do que surge e pode mudar tudo novamente. E penso que enquanto estou meio distraída na ficção, pode chegar uma vacina.

A chegada da vacina é a grande virada que esperamos na trama que vivemos há nove meses. Como nas técnicas aristotélicas conhecidas na teoria do roteiro, imagino essa cena que vem fazer a ruptura na nossa história até aqui e nas nossas jornadas pessoais, nós, os personagens principais da vida real.

Sonho assim com o desfecho da trama desta insana jornada que temos vivido: a vacina chega ao Brasil com acesso para todos os cidadãos, nos levando para a resolução do problema. Da Covid-19, pelo menos. A reviravolta sonhada por um país inteiro. Mas quem poderá nos salvar? Só a ciência. E enquanto a imunização contra o vírus não vem, não existe nada mais importante que nos mantermos vivos.

 

Neste fim de ano não vai ter festa, mas vai ter Natal. Vai ter renovação da forma de celebrar. Vai ter álcool em gel, máscara e um distanciamento cheio de afeto e cuidado. Vai ter na virada do ano, uma esperança potente para quem quiser sentir. Mas vamos nos poupar as grandes expectativas. Um dia por vez, como 2020 impôs. Ou este ano nos fez enxergar a impermanência?

Por hora, tentar aquietar o coração diante de tanto absurdo e dor. Renascer todo dia é a meta. Pode acreditar, a gente se reinventa, sempre caminhou assim a humanidade.