A desorientação afetiva e o amor desmascarado na pós-pandemia


Nesse artigo, o jornalista Alexei Waichenberg enfatiza: “Quando isso passar, é olho no olho, boca na boca, abraço de urso. Vamos ter que repensar as nossas relações e deveríamos, na minha opinião, começar pelo amor, agora mesmo, na próxima live”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

*Por Alexei Waichenberg

“Quem é você? Advinha se gosta de mim? Hoje os dois mascarados procuram os seus namorados, perguntando assim…”

Os versos de Chico Buarque nos levam aos bailes de máscara da primeira metade do século 19, no Brasil, onde a brincadeira era marcada pela adesão da burguesia capitalista ao entrudo, que precedeu os bloquinhos de carnaval, ao gosto da realeza francesa.

Até o último carnaval não foi raro encontrar os mascarados pelas ruas das cidades do país, a trocarem anonimamente de pares e a viver o seu tempo, que mal saberiam serem os tempos da pré-pandemia. Isso nos permite a reflexão de que, desde as cortes de França, muita coisa mudou na forma de amar.

O tal do amor romântico, que insisto em dizer, tem pouco menos de 450 anos, já estava mesmo com os dias contados. Um ou outro encontro de almas deve ter sido concretizado na última grande aglomeração da folia de 2020. E já teria concluído sua jornada faz tempo, não fossem os parcos leitores de Dostoiewsky e Victor Hugo, que se debatem insistentes, resistentes, desagradáveis remanescentes da culpa e da estabilidade de amar de forma careta.

“Até o último carnaval não foi raro encontrar os mascarados pelas ruas das cidades do país, a trocarem anonimamente de pares e a viver o seu tempo, que mal saberiam serem os tempos da pré-pandemia” (Foto: Adriel Pires)

A desorientação afetiva chegou a níveis tão absurdos, que até então estavam limitadas ao uso do amor e todos os seus ingredientes em causa própria. Nossos grandes poetas românticos, coitados, têm dito, depois de mortos, coisas que nunca disseram ou diriam e chegam a assinar, pela rede mundial, quadrinhas no mais puro estilo sertanejo universitário e do funk. Não que eu faça restrição. Amar está sempre em alta.

Passo, portanto, a descrever o amor muderno. Escrevo muderno com “u”, porque tenho amor próprio e acho que isso é o mais importante. E, assim, me amando, cuidando da minha estima, todos irão me amar, me respeitar e escrever muderno com “u”. Pois não?

Pois, não! Esse é o caminho inexorável do abandono. A pessoa se sentiria livre, porque não precisaria dar satisfação de onde anda, com quem anda e nem precisaria ter convicção daquilo que pensa. Andariam por aí mascarados e livres, melhor, liberados.

Agora, com a despressurização do vírus transformador, caíram as máscaras dos olhos e chegaram as de proteção, do ar que nem queríamos respirar. Enquanto durar a quarentena não tem ninguém liberado para sentar no barzinho com alguém que acabou de conhecer e despejar um caminhão de reclamações da vida, a dizer da dificuldade de encontrar o par ideal. Tinha gente até fazendo as tratativas em trio, na filosofia de que dois é pouco.

Quando isso passar, é olho no olho, boca na boca, abraço de urso. Vamos ter que repensar as nossas relações e deveríamos, na minha opinião, começar pelo amor, agora mesmo, na próxima live.

De cara limpa, eu vou seguir escrevendo as delícias do amor que vivo e dos que vivi, mesmo que isso pareça anacrônico, mesmo que consigamos nos livrar das máscaras cirúrgicas, listradinhas, pintadinhas, criativas.

E, ainda que me tratem como idiota, vou trazer para o meu sanatório os heróis e as heroínas do combate à desistência.

Vamos amar como loucos. E segue o baile.

*Jornalista com sintomas de amor crônico