A ciranda das cadeiras já começou nos bastidores das escolas de samba. É o esperado ritual que sucede a folia. Mesmo sem títulos, carnavalescos aclamados pela opinião pública conquistam os corações das diretorias e presidências do Grupo Especial. Hoje, não basta consagrar-se campeão. É preciso fazer história. Os desfiles se transformam e denotam saudável reconciliação com o passado. A crise e o embate com o Estado têm levado ao resgate de elementos primitivos que traduzem o que há de mais genuíno na folia: criatividade e participação comunitária. É o literal “fazer do limão uma limonada”, enxugando as lágrimas com o pano da cuíca.
Alexandre Louzada, até então na Mocidade Independente de Padre Miguel, está prestes a retornar à Beja-Flor. Não vinha agradando aos mandatários que, ao escolherem Elza Soares como enredo de 2020, já manifestam publicamente o desejo de levar para a avenida um desfile pautado por criticidade. Escolheram Jack Vasconcelos, o carnavalesco da Paraíso do Tuiuti, consagrado em 2018 pelo público e pela crítica ao colocar no alto de uma alegoria um vampiro com a faixa presidencial, alusão a Michel Temer. A Mocidade não quer uma apresentação chapa branca para falar de Elza. Sinaliza que intenciona trazer de volta os carnavais antológicos do saudoso Fernando Pinto com o seu “Ziriguidum 2001” (1985) e “Tupinicópolis” (1987).
A Grande Rio, a escola de Caxias amada por globais e cujos desfiles vieram sendo assinados pelo casal Renato Lage e Márcia Lávia, decretou hoje o fim da união com a dupla. Desde o ano passado, em função da quebra de um carro que resultaria em rebaixamento para o Grupo de Acesso, uma crise se instalou na verde e branco da Baixada, reconduzida ao time Especial após consenso entre os dirigentes das agremiações em reunião na Liesa. A nona colocação neste ano, no entanto, intensificou a insatisfação da presidência. Foram convocados os artistas Gabriel Haddad e Leonardo Bora, bicampeões do Estandarte de Ouro pela Acadêmicos do Cubango.
A Portela também quer mudanças. Nesta quarta, o presidente da escola, Luís Carlos Magalhães, agradeceu em um carinhoso post nas redes sociais à Rosa Magalhães pela dedicação à azul e branco de Oswaldo Cruz nos últimos dois anos. “Foi uma honra muito grande para a Portela ter Rosa Magalhães durante dois anos em nosso barracão. A parceria profissional se encerra agora, mas o carinho, o respeito e a gratidão por ela e seus assistentes Mauro e Alessandra serão eternos”, declarou Luís Carlos. A Portela não divulgou o nome do novo carnavalesco. Especula-se que Leandro Vieira, da Mangueira, é o nome que escreverá a história da escola a partir de 2020. Aclamado, com dois campeonatos na verde e rosa, um neste 2019 e outro em 2016 com enredo sobre Maria Bethânia, Leandro foi integrante da Tabajara do Samba, a bateria portelense. Tem, portanto, laços afetivos e motivos de sobra para mudar de casa. Mas a Mangueira não deverá deixá-lo partir tão facilmente.
O Carnaval carioca aponta para um reordenamento conceitual. As escolas, em busca do reencontro com a sua história e com as comunidades que as alicerçaram, almejam novos tempos. As direções, sem muitas alternativas em meio à crise financeira, caminham rumo à proposição de narrativas com as quais o público se identifica; público que vinha sendo esquecido, hostilizado, convertido em coadjuvante. A frieza do cinzento Sambódromo vai, novamente, se dissipando com o calor das emoções, a única força motriz e verdadeira da maior festa do planeta.
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