A chave do amor: ele se abre por dentro. Por fora é porta arrombada


Neste artigo, Alexei Waichenberg é tácito: “Se for capaz de obter a senha de um cofre gelado, entre e aqueça com o poder destemido de quem invade. Se encontrar a porta aberta, entre manso e desfrute com todo cuidado. Se, ao contrário, se depara com a porta fechada, recue, decline, nem bata, ou force a entrada”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

Por Alexei Waichenberg

“Joga a cópia da chave por debaixo da porta, que é pra não ter motivo de pensar numa volta…”

Não tá fácil de amar, né Ivan? Né minha filha? De ser amado então…

O que a gente sente, normalmente, depois de uma entrega vã, é pena. Pena de se ter doado tanto, pena de não ter sido valorizado, pena de se ter empenhado numa batalha perdida, sem que houvesse um vencedor sequer.

Mas, com alguma autoestima que a gente tira, não sei de onde, a pena mesmo fica por conta do outro, da outra, que não nos soube aproveitar. Não percebeu o quanto de empenho colocamos, o quanto de entrega, atenção, e esses clichês todos, que repetimos aos amigos analistas de plantão.

Ora bolas, já pensou o quanto isso é recorrente? O quanto nos dispomos a participar da mesma novela 20 vezes e nem sequer tivemos a ideia de sugerir ao autor um papel diferente? É como topar na mesma árvore seguidamente e achar que estamos perdidos numa floresta.

O caminho é desviar e o desvio é caminhar. Siga em frente. O amor é só um personagem, que ao bom ator permite desempenhar. Não estou a dizer que é ficção ou manipulação competente. O amor precisa ser estudado, decupado, bem tratado.

Se for capaz de obter a senha de um cofre gelado, entre e aqueça com o poder destemido de quem invade. Se encontrar a porta aberta, entre manso e desfrute com todo cuidado. Se, ao contrário, se depara com a porta fechada, recue, decline, nem bata, ou force a entrada.

O amor se abre por dentro. Por fora é porta arrombada.

“E o amor muda tanto, parece que o encanto do cotidiano desfaz”, né Nana?.

Há situações em que está dentro. Bem, aí, antes que seja convidado a se retirar, sai leve ou limpa o cofre. Não pede um abraço, desfaz-te do laço, veste as calças, calça tua lágrima em ti mesmo e sai. Sai enquanto houver amor. Lembra, o amor se abre por dentro.

Não vai se nutrir de expectativa, se livra da recidiva, da doença, do mesmo crime de sempre. Do crime de atentar contra ti mesmo. Se livra, me livra, te salva, me salva do gosto amargo de te ver feliz e cheio, cheia, de esperança, quando o que me sobra é a certeza de que, mais uma vez, bati na porta errada, meti a chave que me deu e eu não era a pessoa esperada.

Sai cantando, mas me deixa na penumbra, só assim poderei ver o contorno do meu sonho desenhado no raio de luz que, discreto, logo ganha o vão da porta que deixou entreaberta.

Sai e, como diria Margueritte, mas aqui a trocar as personagens, eu peço perdão, humildemente, não por ter entrado, mas por ter ficado tanto tempo.

*Alexei Waichenberg, jornalista e chaveiro