“Ninguém acha que os gays nascem dos úteros, né? Para a maioria de nós, o útero de um gay é o armário e todos nos querem fora dele, enfrentando o mundo e sendo corajosos. Mas, quando nós resolvemos assumir, aí todo mundo estranha”. As reflexões são de Dário, personagem interpretado pelo ator Rafael Canedo na peça pré-filmada “Gays, modos de amar”, em cartaz no canal do Youtube com o mesmo nome. Segundo ele, o personagem busca debater o preconceito e enaltecer a liberdade sexual. “Dário é um personagem corajoso, expõe suas experiências de vida como uma forma de inspiração para quem quiser ouvir. O que temos em comum? A coragem e o bom-humor”, afirma.
A comédia tem a direção de Gláucia Rodrigues e foi escrita pelo romancista, ensaísta, editor e dramaturgo Flavio Braga (criador e diretor da revista Muito Prazer, com a escritora e psicanalista Regina Navarro Lins), tendo como inspiração alguns relatos de amigos sobre suas trajetórias amorosas e eróticas. Para dar naturalidade ao personagem, Canedo levou para o palco virtual a sua experiência familiar. “Muitos pontos abordados no texto do Flávio, eu tenho referências de casa. Meu primo tem uma história muito próxima e é homossexual. Lembro que quando ele se assumiu gay foi terrível para minha tia. Ela teve um problema de aceitação muito grande e compartilhava todas as aflições com a minha mãe, que me relatava tudo que estava se passando. Não é difícil encontrar ao nosso redor histórias como essa. Mas, as pessoas são livres para escolher a maneira que elas querem viver“, pontua.
Embora seja considerado crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito em razão da orientação sexual de uma pessoa, a violência contra pessoas LGBTQIA+ ainda é um seríssimo problema em nosso país. Segundo dados do Anuário elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente em 2020, houve uma média de quatro crimes de LGBTfobia por dia, entretanto, este número é considerado subnotificado. As pesquisas mostram também o aumento de mais 20% em crimes violentos contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais (LGBQTI+). Apesar da equiparação da LGBTQIfobia ao crime de racismo por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, os avanços institucionais para mapear a incidência desse crime ainda são considerados lentos.
Na peça, Dário expõe estas questões ao relatar suas vivências. “Acredito que a arte tem um papel fundamental contra a intolerância e vemos novelas, espetáculos teatrais, filmes abordando a importância da inclusão. Durante os ensaios, eu e a diretora Gláucia Rodrigues conversávamos muito sobre isso, e é assustador a quantidade de ataques à comunidade LGBTQIA+ todos os dias. Eu acredito que ,além do dever de todo cidadão de denunciar todos esses ataques a todo o momento, a única forma de virar esse jogo é através da educação e do afeto, não tem outro caminho. Só através da educação seremos livres para respeitar e amar as pessoas como elas são”, afirma o ator.
No monólogo, o personagem vivido por Rafael fala sobre a sua vida de maneira confessional, desde que se assumiu homossexual na adolescência até se casar com Heitor, bem mais velho e com excelente condição financeira. No entanto, quando o companheiro morre, Dário deixa de ter boas condições financeiras e passa a viver uma vida desregrada. Um dia, conhece Beto, um garoto de programa que se tornou o único motivo de alegria na vida de Dário. Mas, ele próprio começa a se prostituir para manter essa relação e escreve um livro em que faz uma defesa radical do prazer. “Eu tinha uma certa tendência a puxar para um tom dramático, e a Gláucia falou: ‘Rafael, ele é um cara que passou por tudo de ruim, mas optou por uma vida e está lançando um livro contando a experiência. As pessoas são livres pra escolher a maneira que querem viver”, destaca.
Morando na Inglaterra há dois anos e meio, onde foi aprimorar o seu inglês, Rafael Canedo é carioca do bairro de São Cristóvão e torcedor do Vasco da Gama “mesmo à distância”, como afirma. Sua formação veio da Escola de Teatro Martins Penna, tendo como mestre o ator Anselmo Vasconcelos. Nos palcos, chegou a ser indicado ao prêmio CESGRANRIO na categoria de melhor ator com o espetáculo ‘O estranho caso do cachorro morto’, de 2014, com direção de Moacyr Góes.
O ator deu vida a Caquinho, filho de Caco Antibes no filme “Sai de Baixo“; ao comissário Camilinho, da série “Brasil a Bordo“; e a Ruço na fase jovem, personagem de Miguel Falabella na série “Pé na Cova”. “Quando eu conheci o Miguel foi uma das coisas mais generosas que se pode esperar de quem você é fã. Ele falou: ‘Eu vou ler o texto para ver como eu faria e estudar o meu tempo. Se você estudar o meu tempo rítmico e sentir qual é a minha energia, o personagem é pra você. Aí foi lindo, porque ele leu todo o texto, me olhou rindo, e o meu estudo partiu todo dessa leitura que ele generosamente fez”, lembra.
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