Dois fãs da cantora e atriz Marlene, que faria 102 anos, têm cópias de novelas perdidas pela Globo e Manchete. Entenda!


Hoje, dia 22, Marlene completaria 102 anos. Ícone da Rádio Nacional, ela trouxe questões sociais para suas músicas, como “Lata d’Água”. Fãs como Cezar Sepúlveda, o Cezinha, presidente da Associação Marlenista do Rio de Janeiro e o pesquisador João Carlos preservam materiais raros de novelas nas quais Marlene atuou e consideradas perdidas pelas próprias emissoras de TV, como O Amor é Nosso (Globo, 1981) e Viver a Vida (Manchete, 1984). Parte do acervo foi perdida ou danificada, mas esforços continuam para digitalizar e compartilhar registros. Marlene, intérprete de personagens marcantes, enfrentou preconceitos e desafios na carreira. Documentos, troféus e roupas integram arquivos pessoais. Fãs se dedicam à memória da artista, buscando valorizar sua contribuição à cultura nacional

*por Vítor Antunes

No dia 22/11, a cantora Marlene completaria 102 anos. Ícone da Rádio Nacional, ela que era “a que canta e dança diferente” volta a ser lembrada não apenas por sua grande contribuição à cultura nacional, sendo uma das primeiras cantoras a trazer questões sociais para as músicas que interpretava ou por ser duas vezes a Rainha do Rádio ou mas por uma razão especial. Dois de seus fãs — Cezar Sepúlveda, o Cezinha, presidente da Associação Marlenista do Rio de Janeiro e o pesquisador João Carlos — detêm em seus acervos boa parte da minissérie Viver a Vida, da Manchete (1984), e da novela O Amor é Nosso (1981). Ambas as tramas são consideradas perdidas: a da Globo foi intencionalmente apagada devido ao seu insucesso, e a da Manchete, empresa falida. Como as fitas da extinta Manchete foram mal armazenadas após seu fechamento, todas as suas novelas também são consideradas indisponíveis. João recebeu o arquivo do fã Zello Visconti.

Zello atualmente mora em João Pessoa (PB) e conta que possuía O Amor é Nosso gravada na íntegra, incluindo abertura, vinhetas e comerciais. Porém, o conteúdo foi perdido. “As fitas me foram pedidas emprestadas e ficaram longe de mim por quase dez anos. Quando me foram devolvidas, estavam faltando algumas unidades e, nas que voltaram, só havia as cenas da Marlene. E, ainda assim, havia conteúdo rasurado.”

Mandei as fitas para um clube que estava fazendo uma exposição sobre a Marlene, no Rio. Dali para frente nunca mais tive acesso às fitas na íntegra. Das cerca de 10, voltaram seis. Dessas seis, três estão íntegras. Muito do conteúdo foi intencionalmente rasurado – Zello Visconti

Frame da vinheta de lançamento de “O Amor é Nosso” (Foto: Reprodução/Memória Globo)

Cezar Sepúlveda também gravou a novela, diretamente em VHS, e apenas as cenas de Marlene. Segundo ele, esse material foi disponibilizado à Globo e copiado pela emissora para uso na GloboNews, em um programa em homenagem à cantora, bem como para o Vídeo Show. “Depois, houve algumas homenagens com atores que participaram da novela e contracenaram com ela, como Tônia Carrero (1922-2018) e Jorge Dória (1920-2013). Algumas cenas que passaram no Vídeo Show acredito que sejam do meu material”. O paradeiro desse material que teria sido cedido à Globo é desconhecido. Procurada, a Globo ainda não respondeu aos contatos.

O presidente da Associação Marlenista do Rio de Janeiro diz que ainda possui cerca de oito fitas VHS com O Amor é Nosso, com todas as cenas de Marlene. Além desta, tem outras fitas com as cenas da cantora em Viver a Vida. Segundo ele, esse conteúdo está sendo digitalizado. Entre os “marlenistas”, não há consenso sobre a participação de Marlene em outra novela, Helena, da Manchete. Zello afirma que ela participou, algo confirmado pelo site Teledramaturgia. Já Cezinha sustenta que ela não fez parte da trama.

Cenas de “O Amor é Nosso” do acervo de Zello Visconti (Foto: Reprodução/Acervo Zello Visconti)

Cezinha comenta as dificuldades de manter um arquivo tão extenso sobre Marlene. “Há um custo. É um trabalho danado organizar, catalogar. E eu faço tudo isso sozinho, já que muitas pessoas da Associação Marlenista ou não estão mais aqui ou faleceram. Além disso, a Marlene foi deixando isso tudo comigo em vida. Tenho documentos assinados por ela, troféus… Há coisas que ela sequer deixou com a família. Tenho roupas da Marlene, inclusive.”

Além de “O Amor é Nosso” e “Viver a Vida“, Zello relata que um dos filmes de Marlene, Adiós Problemas, também era considerado perdido e só foi resgatado na Argentina. Contudo, um colecionador particular possuía uma cópia.

Registros do Acervo Cezar Sepúlveda (Foto: Reprodução/Cezar Sepúlveda)

MAÍRA, MARLENE, INTÉRPRETE

“Novembro, para nós marlenistas, é um mês especial. É o mês que a gente dedica à Marlene. Seu aniversário é dia 22, então, para nós, isso é uma festa.” Segundo Cezinha, ela não gostava de ser chamada de cantora. Ela se via como uma intérprete. “Eu acho a importância da Marlene enorme na música brasileira, mas, infelizmente, ela não é tão reconhecida como deveria ser. Havia muito preconceito contra os cantores do rádio. Além disso, essa rivalidade estabelecida entre ela e a Emilinha Borba (1923-2005) prejudicou muito as duas.

Inclusive, o preconceito também aconteceu nos bastidores de O Amor é Nosso, quando uma das atrizes, uma veterana, se queixava: ‘Não sei o porquê de a Globo ter contratado essa cantorazinha de rádio”‘. Segundo Cezinha, a relação entre a nova geração de atores da época, como Myriam Rios e Fábio Júnior, era muito boa.

Em O Amor é Nosso, Marlene interpretou Maíra, uma cantora em decadência, afastada da cena musical. Zello, que reviu o compacto recentemente, destaca que O Amor é Nosso era uma novela inadequada para o horário e talvez isso explique seu insucesso. “Ela foi feita para o horário das 7 horas com um tema que não era para esse horário. Tinha história de amor, de traição. Revendo a novela agora esses dias, noto o quanto era horrível: a direção era péssima, a encenação idem.” O fã também relembra que parte do cenário da casa de Maíra foi cedido à cantora, que o levou para a sua casa.

Zello Visconti e parte do seu arquivo sobre Marlene (Foto: Acervo pessoal)

Ainda de acordo com Zello, uma pessoa em Xerém, Duque de Caxias (RJ), tinha um leitor de Betamax e tornou acessível o que havia disponível sobre a novela neste formato, e o digitalizou, mas com problemas de ordem técnica. “Tem coisa em preto e branco ou esverdeado, mas é o que está disponível”. O fã completa dizendo: “Tudo o que houver sobre a Marlene disponível completa a minha missão como marlenista. Os vídeos eram as únicas coisas que eu ainda não tinha publicado sobre ela”.

Zello prossegue dizendo, sobre o material que guardou em vídeo, que hoje, esse conteúdo está sob posse do pesquisador João Carlos, administrador da página do Instagram “Marlene, a Maior”, local onde o dia 22/11, novos conteúdos inéditos de O Amor é Nosso devem ser disponibilizados. Zello também disse ter gravado Viver a Vida, mas que o material não está etiquetado e não tem como acessar, por ser um conteúdo em Betamax. Esse conteúdo está sob a tutela de João.

Premiação recebida por Marlene e acervada por Cezar Sepúlveda (Foto: Arquivo pessoal)

Visconti conclui dizendo a razão motivadora de gravar uma novela inteira, esforçar-se por preservar o que houve após as rasuras, converter o formato e passar para outras mãos que possam fazer melhor proveito do conteúdo. “Tudo isso nasceu por conta do sentimento de fã. Nem todo mundo valoriza o fã. Ainda mais hoje em dia, quando tudo é superficial. O que havia na minha época era uma paixão que não tem como explicar. Existia de mim uma admiração e um grande respeito por Marlene e quero que a carreira dela seja lembrada com dignidade”.