Num de seus últimos discos, Candeia (1935-1978), na música “Dia de Graça”, pediu que “se cantasse um samba na Universidade”, como forma de valorizar não apenas o ritmo mas os seus codificadores, os negros. Desde 30 de setembro está exposta na Leon Robbin Gallery, galeria da Universidade Georgetown, 23 fotos das 3.500 que compõem o acervo daquela casa, todas tiradas por Henrique Sodré. Nos registros, personalíssimos, consta desde os desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, em 1982, a um dos primeiros desfiles da Escola de Samba Quilombo, fundada por Candeia em 1975, como forma de protestar contra a comodificação do carnaval, que a seu ver, estava se tornando uma manifestação “embranquecida”. Registros como a construção do Metrô no Centro do Rio de Janeiro e o carioca-way-of-life também estão presentes. A exposição ficará disponível em seu formato presencial até o dia 31/03/2023, na Galeria Leon Robbins e também pode vista online. No segundo semestre de 2023 estrará no Brasil.
O NOSSO SAMBA MINHA GENTE É ISSO AÍ
A curadoria da exposição coube a João Sodré, doutorando em História por aquela Instituição, e filho de Henrique. Sodré conta-nos que “As fotografias foram doadas pelo autor à Universidade Georgetown sem exclusividade e com utilização apenas para fins acadêmicos e não comerciais. Esperamos que as fotografias possam ser incorporadas a aulas, seminários, trabalhos acadêmicos, teses de mestrado e doutorado, dentre outros materiais educativos”, diz.
Ainda segundo o curador, a digitalização das fotos contou com o incentivo do professor de História Bryan McCann: “Foram digitalizadas cerca de 3.500 fotografias. A partir desse processo, fiz uma catalogação em temas como carnaval, retratos de figuras da MPB, fotografias do Rio de Janeiro, dentre outros tópicos”, explicou. Sodré relata também que muitas das fotografias estavam guardadas num cômodo da casa do fotógrafo e armazenadas em diversas mídias físicas obsoletas como slides e em rolos de filme. Nascido em 1942, em Minas Gerais, Henrique Sodré era bancário, mas sua paixão sempre foi música e fotografia. Aposentado, manteve sua dedicação àquilo que era inicialmente seu hobby.
Em 2021, essas fotografias de Henrique foram utilizadas em sala de aula nas Universidades americanas. Em 2022 surgiu a ideia da exposição em uma galeria de Georgetown, que se concretizou em setembro daquele ano. O retorno tem sido muito positivo – João Sodré, curador da exposição “Henrique Sodré – Selected Photographs”
Parte do acervo passou por uma triagem recente, especialmente os registros que dialogavam com a História do carnaval carioca. A universidade tem registros únicos do desfile da Portela de 1976, bem como fotos inéditas do desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel de 1983, “Como era Verde o Meu Xingu”, do falecido carnavalesco Fernando Pinto (1945-1987), que ousou ao trazer para avenida em plena ditadura militar um desfile que, entre outros assuntos, tratava sobre a mitologia a demarcação das terras indígenas. Além de trazer, também, fotos do carnaval campeão do Império Serrano de 1982, o eterno “Bumbum Paticumbum Brugurundum”, desfile de Rosa Magalhães e Lícia Lacerda que permitiu à escola de Madureira sagrar-se campeã pela última vez no Grupo Especial.
LAÇOS DE FAMÍLIA
A pesquisa histórica no contexto do carnaval do Rio foi realizada pelo carnavalesco assistente da Unidos de Padre Miguel e repórter do site HT Vítor Antunes. A estruturação da montagem contou com a colaboração das bibliotecárias e curadoras de arte Christian Runge e LuLen Walker, do Prof. Dr. Bryan McCann (Georgetown-EUA) e do designer Ricardo do Amaral (Brasil). Ricardo e João são irmãos e ambos filhos de Henrique Sodré.
Para João, a importância de haver uma exposição como esta está em se “pensar em conexões afro-diaspóricas, fomentando análises do Brasil em conjunto com outras localidades. Por isso, num ambiente internacional como este, pode ser bastante produtivo para uma discussão que vai além do Brasil. Acredito também que existe um crescente interesse em temas Afro-latino-americanos nos Estados Unidos. Há um questionamento sobre uma visão homogeneizada da região que permeia muitos imaginários. A exposição ressalta a complexidade e a diversidade da vida cultural da América Latina, focando, no caso, numa de suas principais cidades: o Rio de Janeiro”.
A fala de João se coaduna com a de sua prima, a atriz Julia Rabello, mais uma a compor este núcleo estelar de familiares. Segundo ela, projetos como este são relevantes por falar de “figuras que construíram e falam sobre o nosso imaginário cultural (…). Se não nos relacionamos com quem veio antes de nós e como foi construída toda essa grande costura esse nosso universo simbólico de ancestralidade, muita coisa se perde (…). Eu acho que aqui no Brasil a gente tem uma dificuldade de fazer essa conexão, de dar valor a quem estava antes, a gente perde memória muito rapidamente e uma das primeiras coisas a ser alvejada é a cultura”, analisa.
Os fotografados, Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro e Raphael Rabello, também são seus parentes. “Trata-se de uma família onde não há um médico, praticamente sequer. Todo mundo é artista”, diz. A artista prossegue dizendo ser “privilegiada em poder conviver com figuras importantes do imaginário cultural. Eu as conheci como tios e tias e só depois soube da importância deles”. Júlia diz que em um de seus primeiros projetos profissionais pôde contar com um samba enredo escrito por Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho especialmente para a peça “Obrigado, Cartola”, na qual estivera como produtora. Importante destacar que Paulinho teve participações muito pontuais como compositor de samba de enredo. Escreveu apenas um, para a Portela, em 1966. Depois desta montagem, seu tio Paulo César Pinheiro colaborou compondo a trilha de “Besouro Cordão de Ouro”. A atriz finaliza sua fala dizendo que “o Brasil é um País artístico. Meu sonho é que a gente volte a poder usufruir de todo esse talento”, afirma.
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