Portela comemora 100 anos, mas locais onde viveram os fundadores e baluartes da escola de samba estão em ruínas


Alguns das casas que marcaram as histórias dos fundadores da escola de samba azul-e-branco estão abandonadas ou arruinadas, sem presença massiva da Prefeitura, ou sinalização da importância cultural. Dos três endereços destacados por esta reportagem, apenas um, aquele onde morou Dona Esther, sua presença foi fundamental para que a escola surgisse, encontra-se em perfeito estado e contém uma placa da Prefeitura assinalando sua importância histórica. Outros, como o local onde morou Paulo da Portela, em Cascadura, é uma ruína do lado externo e um matagal do lado interno. Aquela onde nasceu Candeia, em Oswaldo Cruz, hoje deu lugar a uma residência humilde. Em ambas não há sequer uma placa que sinaliza sua relevância cultural para cidade, a contrário da fachada da casa de Dona Esther, que marca um dos fundamentos da centenária agremiação

*por Vítor Antunes

Monarco (1933-2021), um dos baluartes da Portela, escreveu uma canção que é um dos símbolos da escola azul-e-branco e que diz: “Teus livros têm tantas páginas belas. Se for falar da Portela, hoje não vou terminar”. Neste ano, 2023, a águia de Madureira completa 100 anos de sua fundação e algumas destas “páginas belas” correm o risco de serem apagadas. A casa onde morou o compositor Candeia (1935-1978), em Oswaldo Cruz, está em péssimas condições. Aquela onde residiu Paulo da Portela (1901-1949), um dos fundadores da escola, é um terreno com uma construção em ruínas. E mais: a antológica residência do patrono da Portela, Natalino José do Nascimento, o Natal da Portela (1905-1975)  em Madureira, está em situação de total precariedade.

Já a de Dona Esther (1896-1969) é a única em perfeito estado e que tem, inclusive, uma placa do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), constando como um Patrimônio Cultural Carioca. Estes personagens têm fundamental importância na fundação da escola de samba. São aquilo que os mais tradicionais chamam de “os sambistas da primeira hora”, pois estavam presentes na escola desde o seu nascimento. Neste ano, a Portela trará seu centenário como enredo.

Segundo o Iphan , “Qualquer pessoa física ou jurídica pode solicitar o tombamento de qualquer bem ao órgão (…). Para ser tombado, o bem passa por um processo administrativo que analisa sua importância em âmbito nacional e, posteriormente, ele é inscrito em um ou mais Livros do Tombo. (…) O objetivo do tombamento de um bem cultural é impedir sua destruição ou mutilação, mantendo-o preservado para as gerações futuras”. Diante da falta de zelo e/ou desconhecimento dos órgãos públicos para com estes elementos de importância histórica, há o risco de que algumas destas construções, além de já tombadas pela própria natureza, sejam apagadas da memória ou não tenham o seu devido valor reconhecido.

 “PAULO BENJAMIN DE OLIVEIRA FEZ ESSE MUNDO CRESCER” (Portela, 1984)

Paulo da Portela residiu na Rua Carolina Machado, 950, no bairro de Cascadura. Ainda que tenha em seu o nome o mesmo que batiza a escola, Paulo recebeu esta atribuição por ser da Estrada do Portela. O logradouro, em 1935, deu origem à nomenclatura da “Águia”. Aliás, é atribuída a ele a escolha do animal como símbolo da escola. Um dos endereços dos quais residiu o fundador da Portela é, hoje, uma ruína externamente e um matagal internamente. Não há ali, nada que configure a sua relevância cultural para a cidade.

Fachada da antiga casa de Paulo da Portela, em Cascadura (Google Maps)

Interior da antiga casa de Paulo da Portela (Reprodução TV Globo)

“CANDEIA QUE ILUMINA O MEU CAMINHAR” (Portela, 2019)

Na juventude, Candeia morava na Rua João Vicente, 687, em Oswaldo Cruz, Zona Norte do Rio. Sua casa era frequentada por vários sambistas da década de 1930. Devido à presença destas personalidades e das reuniões de bambas em sua casa, acabou surgindo um rancho e depois um bloco carnavalesco que até 1935 chamou-se “Vai Como Pode”. Daquele ano adiante, já como escola de samba, recebeu o nome que se consagrou: Portela. Em 1953, Candeia escreveu seu primeiro samba para a alviceleste de Madureira, “Seis Datas Magnas”, que solidificou-se na História como o mais irrepreensível desfile da agremiação, devido ao fato de haver recebido notas máximas de todos os jurados. Foi autor de vários outros sambas, como “Uma Festa junina em fevereiro” (1955), “Riquezas do Brasil ou Gigante pela própria natureza” (1956), Legados de Dom João VI” (1957),  Brasil, pantheon de glórias” (1959), e “Histórias e tradições do Rio quatrocentão” (1965). O baluarte portelense morreu em 1978. A casa onde morou, hoje é ocupada também por fins residenciais, porém, sem nenhuma referência à sua importância histórica.

Local onde nasceu e morou Candeia, na Rua João Vicente, em Oswaldo Cruz (Foto: Reprodução/Google Maps)

.A BRASILEIRA É UMA BELEZA EM FLOR (Portela, 1977)

Rua Adelaide Badajós, 95, Oswaldo Cruz. Era este o endereço de Dona Esther, figura importante da Portela. Em sua casa, havia presenças como Donga (1890-1974), Pixinguinha (1893-1974) e Candeia. A sua liderança no carnaval e eventos culturais na região bem como sua influência junto aos políticos, levaram-na à criação de dois blocos carnavalescos: “Quem Fala de Nós Come Mosca” e o “Baianinhas de Oswaldo Cruz”. E dariam origem futuramente à Portela. Paulo da Portela, um visionário, é partífice desse processo dos blocos. Dona Ester morreu em dezembro de 1964. Em sua antiga casa hoje mora Raldomiro Meirelles, o Mirinho, seu sobrinho. Desde 2012, o espaço recebeu uma menção da Prefeitura e do Iphan, considerando-o uma peça importante do Circuito Cultural Carioca.

Casa de Dona Esther: a única em perfeito estado (Foto: Reprodução/TV Globo)