*Por Jeff Lessa
O ator americano Nathan Lane vem causando sensação com um depoimento para o podcast It Happened in Hollywood, da revista “The Hollywood Reporter”. O motivo é simples: convidado para falar sobre as batalhas que um artista enfrenta para assumir publicamente sua homossexualidade, ele acabou dividindo momentos particularmente sensíveis da época em que promovia a comédia “A Gaiola das Loucas” (“The Birdcage”, no original), em 1996. Lane interpreta Albert, transformista e principal atração da boate gay que dá nome ao filme. Ele é casado com Armand, o gerente do estabelecimento, personagem de Robin Williams. Durante a rodada de entrevistas promocionais de praxe, foi convidado para aparecer no programa de Oprah Winfrey junto com Williams, e sabia que a entrevistadora não perderia a chance de dar o “furo de reportagem” do ano: fazer o outing do ator antes de toda a imprensa.
Na verdade, ele já havia se assumido para os mais íntimos quando era jovem, mas não fazia a menor questão de tornar sua orientação sexual tema de reportagem de um programa assistido por milhões de americanos. “Eu me assumi para a minha mãe e os amigos mais próximos quando tinha 21 anos. Todo mundo sabia. E certamente todo mundo na cena teatral nova-iorquina sabia”, diz Lane, que, graças ao sucesso da “Gaiola”, foi de mais um ator procurando trabalho em Nova York a estrela de cinema mundial. “Ninguém nunca havia se interessado pela minha vida sexual até aquele momento. De repente eu tinha um agente que me dizia ‘Bom, o que quer fazer? Você vai entrar numa sala cheia de jornalistas e essa questão vai surgir’. Eu não sabia se estava pronto para falar sobre isso. Finalmente havia conseguido um bom papel em um filme e queria que as matérias fossem sobre atuação, e não sobre sair do armário. Certo ou errado, foi o que decidi”.
Ele conseguiu evitar perguntas sobre ser ou não ser gay com sucesso em todas as entrevistas. Mas havia “The Oprah Winfrey Show” no caminho. “Discutimos isso e eu disse que não estava pronto para falar se era gay ou não com ela. Eu mal podia lidar com a ideia de ser entrevistado pela Oprah, imagina contar para ela que sou gay!”, lembra-se o ator, que foi entrevistado junto com Robin Williams. “Ela disse algo tipo ‘Oh, você é muito bom com esse lance feminino’. Ou coisa parecida. Robin percebeu que ela estava se encaminhando para a pergunta sobre sexualidade e imediatamente desviou o rumo da coisa para me proteger”.
Na verdade, a certa altura do programa ela pergunta de forma bem direta: “Você teve medo de ficar marcado como ‘você é, você não é?’ ou ‘ele é, né…?’ Foi aí que Williams se meteu, fazendo graça do tom brincalhão de Oprah e desviando a atenção da pergunta que gerou tanto desconforto. É comovente ver o esforço do comediante para “salvar” o colega da saia-justa, mas a intrépida apresentadora não se dá por vencida e pressiona. Sem jeito e gaguejando, Lane consegue se desviar da linha da “investigação” com respostas engraçadas: quando Oprah pergunta se ele havia entrado em contato com seu “lado feminino” o ator responde “Entrei e ela me perguntou por que estou fazendo isso”, para gargalhadas gerais. Um pouco mais adiante, nitidamente sem graça, ele afirma que “Agora preciso fazer um filme de kickboxing”, gerando mais risadas. “Mas foi aterrorizante”.
Um tempo depois, quando a revista “Us” perguntou diretamente “Você é gay?”, ele já tinha preparado uma resposta que julgava mais esperta: “Eu disse: ‘tenho 40 anos, sou solteiro e trabalho muito no teatro musical. Faça as contas. De que mais você precisa? Fichas?’ Achei que tinha saído do armário, mas aparentemente não foi bem assim. Aquilo não tinha sido suficiente”. Nathan Lane finalmente se abriu com todas as letras e sem deixar margem para dúvidas em uma reportagem de capa publicada em 1999 pela revista “The Advocate”, voltada para o público homossexual masculino. “E aí todos ficaram irritados comigo por ter me assumido. ‘Tá, a gente já sabia! F***-se!’ Não houve um vencedor nessa história toda. Tudo foi muito intimidador. Para ser honesto, foi aterrorizante”.
No podcast Lane conta um episódio perturbador ocorrido depois do lançamento do filme e de seu imenso sucesso. “Eu estava parado no trânsito num táxi em Nova York e tinha um motorista de caminhão ao lado. Ele olhou para mim, sorriu e começou a gritar ‘Ei, faggot’ (palavra extremamente ofensiva para chamar alguém de homossexual, considerada palavrão). Ele não parava de dizer ‘faggot’. Eu me senti humilhado. Era o outro lado da fama”.
Apesar da popularidade de “A Gaiola das Loucas”, o ator conta que se sentiu desapontado pelo fato de o filme não ter funcionado como um trampolim para uma carreira mais polpuda no cinema. Ele acredita que a homofobia tenha uma parcela de culpa nessa questão. E lembra de uma conversa que teve com seu agente, o já falecido Jeff Hunter, veterano da lendária William Morris Agency que havia representado astros como Marlene Dietrich e Montgomery Clift. “Eu disse para ele ‘Não aconteceu muita coisa depois da Gaiola das Loucas. Achei que algo ia rolar’. Ele era gay. Era aquele tipo de bicha velha de bigode e cabeça raspada. E disse: ‘Se você não fosse tão aberto em relação à sua sexualidade, talvez tivesse recebido mais convites’. Aí eu caí fora. Fui para a CAA (Creative Artists Agency, agência de talentos que tem entre seus clientes George Clooney, Tom Cruise, Meryl Streep e Marion Cotillard, entre outros). Aquilo tinha sido um erro, era aonde a graça ia para morrer”.
Mas não há nada a se lamentar. Pelo contrário: a carreira de Nathan Lane, de 64 anos, vai muito bem, obrigado. Considerado um dos maiores atores da Broadway da atualidade, ele será um detetive veterano da polícia de Los Angeles em “Penny Dreadful: City of Angels”, série do canal Showtime passada nos anos 1930 que estreia em abril. E, na primavera do ano que vem, vai interpretar Willy Loman, ao lado de Laurie Metcalf, na nova montagem do clássico “Morte de um Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller.
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