*por Rodrigo Otávio
Tem sido pública a questão de Mania de Você em termos de audiência. Na última semana, com frequência, a novela registrou menos de 20 pontos no Ibope. No dia 31/10, por exemplo, oscilou entre 16 e 18 pontos durante a exibição. Ainda não é possível determinar a média final de Mania, obviamente porque a trama não foi concluída, mas, para efeitos comparativos, a média de Renascer terminou na casa dos 26 pontos. Diante desse cenário, o sinal de alerta está aceso, e transformações já estão acontecendo na trama de João Emanuel Carneiro, incluindo a antecipação de alguns conflitos.
Pouca gente se lembra, mas há uma outra novela, com título semelhante, que foi exibida pela Manchete em 1986 e também ficou marcada pelo fracasso. Tão pouco vista que raramente é citada. Trata-se de Mania de Querer, última novela de Sylvan Paezzo (1937-2000), que vinha da Globo, onde havia assinado novelas como Vejo a Lua no Céu (1976), À Sombra dos Laranjais (1977) e o seriado Shazan, Xerife e Companhia. Além do nome semelhante, as críticas às duas novelas são parecidas, e há situações igualmente similares. Coincidentemente, uma mesma atriz está nas duas produções: Ana Beatriz Nogueira. Mania de Querer foi exibida em Portugal simultaneamente à sua transmissão pela Manchete. Já Mania de Você inclui um núcleo ambientado em Portugal e foi gravada com atores portugueses.
Em ambas as novelas, há um personagem de destaque ameaçado por conta de imagens comprometedoras. Em Mania de Querer, Vanessa (Nívea Maria) é chantageada por Ângelo (Carlos Augusto Strazzer [1946–1993]), que possui fotos e registros de seu passado como prostituta. Em Mania de Você, o personagem Mavi (Chay Suede) é acossado por um pendrive em posse das personagens de Adriana Esteves (Mércia) e Agatha Moreira (Luma), que contém vídeos de Mavi matando o personagem de Rodrigo Lombardi (Molina).
Mania de Querer estreou cercada de expectativas. A proposta da trama era ousada, ao trazer Nívea Maria como protagonista no papel de uma ex-prostituta que escondia seu passado. A própria Manchete promovia a novela como “liberada e audaciosa”. A emissora vinha de bons resultados com tramas anteriores, como Dona Beija, que chegou a marcar dois dígitos. Contudo, após a estreia, Mania de Querer entrou em queda constante de audiência, variando entre zero e cinco pontos.
A crítica não poupou a novela. Marília Martins, do Jornal do Brasil, escreveu: “Manchete se dá mal com nova novela”. Em uma de suas análises, destacou que “Mania de Querer não se pauta por uma série de reviravoltas para compensar sua falta de ritmo e concentração (…). Com capítulos previsíveis, a trama reduziu a ambiguidade de seus personagens. (…) Além disso, há uma alta taxa de redundância. Repetem-se cenas e diálogos inteiros no mesmo capítulo. Também há falhas de continuidade. Um personagem entra numa loja com uma bolsa e sai com outra.”
Se existe uma diferença em relação à quase xará da Globo, Mania de Você, é que os personagens da atual novela são excessivamente ambíguos, com decisões pouco racionais, mesmo considerando a liberdade criativa da ficção. Até mesmo a redundância e os erros de continuidade são similares. Na última semana, uma cena com Ísis (Mariana Ximenes) e Sirley (Davi Junior) chamou atenção: entre uma cena e outra, a roupa da personagem Ísis muda de cor, de branca para vermelha, sem explicação. O que antigamente era um cuidado da Globo e se tornou sua marca de qualidade foi, em 1986, elogiado por Marília Martins. “[A diferença entre a Globo e a Manchete] é que a Globo tem um padrão visual que já educou, em regime de monopólio, a grande massa de espectadores.”
O problema era tão grave na novela da Manchete que Leila Miccolis foi chamada para tentar salvar o projeto, e sua intervenção parece ter feito diferença, pois Marília Martins observou uma melhora com o desenvolvimento mais sólido de personagens e histórias. Na época, também surgiram boatos de que o diretor Herval Rossano [1935–2007] enfrentava problemas de relacionamento com atores como Sônia Clara, Gracindo Júnior e Mila Moreira. A situação se tornou tão séria que a própria Manchete, representada por Edna Palatnik, enviou uma carta ao Jornal do Brasil para negar que Rossano tivesse desentendimentos com os atores mencionados, embora a jornalista estivesse correta.
Sem protagonista, Aracy Balabanian (1940-2023) foi alçada a esse papel no meio da trama, quando Leila Miccolis assumiu como colaboradora de Sylvan Paezzo. No final de 1986, tanto Herval quanto Nívea Maria deixaram a Manchete – embora o contrato de Herval fosse até o fim de 1987. O diretor justificou a saída como irrevogável devido a um desentendimento com o diretor geral da Manchete, Zevi Ghivelder , afirmando: “Zevi que dirija as novelas!”. No final, José Wilker [1946–2014] assumiu a conclusão da produção.
É prematuro dizer se Mania de Você passará por essa longa epopeia, mas os sinais de desorganização na produção são visíveis. Informações preliminares apontam que o autor João Emanoel Carneiro renunciou a controlar a narrativa e o desenrolar da história. A novela está sendo reeditada constantemente, o que estaria tornando o enredo confuso, além das inconsistências de roteiro. Essa mistura de descontrole e improviso coloca Mania de Você no mesmo caminho de sua “prima” distante, naquilo que os críticos poderiam chamar de “mania… de flopar”.
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