*Com Lucas Rezende
Nos idos de 1988, o SBT apresentou aos brasileiros um estilo de programa televisivo ainda estranho por nossas bandas, mas já popular no Hemisfério Norte: o talk show. O “Jô Soares Onze e Meia”, sob batuta do gordinho mais querido do país, seguia o modelo norte-americano (como feito até hoje em dia), misturando humor com informação, e agregando um estilo de metrópole noturna à ambientação. Àquela época, o estilo agradou, e foi propagado por outras emissoras ao longo dos anos. De lá vieram “Programa do Jô”, “Agora é Tarde”, “The Noite”, “Marília Gabriela Entrevista, “De frente com Gabi”, “Gabi Quase Proibida”, “Luciana By Night”, “Roberto Justus Mais”, e uma série de derivados.
Quase três décadas depois, alguns talk shows foram extintos, outros criados, uns perdendo força, e outros fazendo sucesso graças à reformulação. A verdade é que o gênero tão antigo e tão consagrado, seja no Brasil ou fora dele, passa por um momento híbrido: crise ou reciclagem? E HT coloca os pingos nos is a seguir.
Tudo começa pelo próprio Jô Soares, responsável por plantar a semente na tevê brazuca. Seu programa, desde que entrou de férias no final no final do ano passado, até hoje, data da reestreia, passou por fantasmas que davam conta de seu fim. Marcelo Adnet, atuando no humorístico “Tá no Ar”, foi apontado como seu substituto nas madrugadas globais no segundo semestre, em um projeto desenvolvido por Pedro Bial.
O susto passou (até agora!), Jô manteve-se firme e forte na programação da grade, mas voltará ao ar, certamente, com menos força e um programa com duração reduzida. Explica-se: os músicos Tomati e Chiquinho foram dispensados do famoso sexteto, e o cenário diminuído (mesmo tendo como estúdio o maior da Globo São Paulo). O apresentador, agora, tem a difícil tarefa de se manter imprescindível, como sempre foi. Logo mais, com a reestreia do programa, Jô Soares recebe a top Ana Beatriz Barros e os sertanejos Chitãozinho e Xororó.
Se Jô conseguiu se manter no ar, ao menos, por mais seis meses, o mesmo não podemos dizer de Rafinha Bastos. O polêmico humorista fracassou com o “Saturday Night Live” (exibido aos domingos: oi?) da RedeTV!, foi demitido do “CQC” (Band) e agora acaba de perder o seu “Agora é Tarde” no mesmo canal. O fim, que pegou a todos de surpresa, tem motivação em um corte de gastos na emissora. Por mais que Rafinha ainda tenha contrato com o canal, toda sua produção dará uma passadinha triste no RH. Além da questão financeira, o programa de Rafinha esbarrava em índices de audiência não muitos satisfatórios, chegando a anotar menos pontos que os horários que a Band vende para igrejas evangélicas.
Para não ter o mesmo fim do até então concorrente, Danilo Gentili e seu “The Noite”, tentam sobreviver. Todas as noites no SBT, lá está uma banda, um engravatado, e um locutor-figurante. Antes da chegada do entrevistado, um stand up comedido. Tudo sob um cenário-cópia dos talk shows americanos, achando que Nova York é logo ali. Danilo, porém, usa e abusa de um elenco de comediantes para lhe servir de muleta e, claro, dar uma diferenciada no produto. A audiência responde, Silvio Santos está gostando e, por enquanto, basta.
Falando em Sílvio Santos, o canal do dono do Baú perdeu um de seus maiores trunfos quando o assunto é programa de entrevista. Marília Gabriela, que chegou a apresentar dois do gênero simultaneamente, pediu demissão para se dedicar ao trabalho de atriz e a um programa que leva seu nome no canal por assinatura GNT. O “De Frente com Gabi”, tradicionalíssimo, não chega bem a ser um talk show com graça e platéia, já que Gabi prezava por muito silêncio e um fundo sóbrio, mas seu fim caracteriza uma boa perda para a TV aberta.
E se você acha que a maré só afeta barco brasileiro, está enganado. A situação também está passando por reformulações com quem nos ensinou a fazer talk show. Nos Estados Unidos, o consagrado David Letterman vai pendurar o terno e deixará de comandar o “Late Show”. Há 22 anos entrevistando na noite americana, foi David quem inspirou a tradicional caneca na mesa de entrevistas, e o cenário de Jô Soares. A banda também não foi invenção brasileira. Aliás, brincadeirinhas com os músicos são especialidades de Letterman, que mantém um caso de amor e ódio com seu tecladista, Paul Shaffer. Em seu lugar, deve assumir Stephen Colbert.
Aliás, a significativa troca atingiu outro conhecido, quando Jimmy Fallon substituiu Jay Leno – que preferiu partir para trás das câmeras – no “Tonight show”, mais popular programa da rede americana NBC. Há uma semana, no “The Late Late Show” (exibido depois do “Late Show” de Letterman), a dança das cadeiras voltou, quando James Corden assumiu as rédeas do programa. Como não era muito conhecido da massa americana, Corden precisou de um intensivão de divulgação de Meryl Streep e Arnold Schwarzenegger. Já nesta segunda-feira,a reviravolta do gênero continuou, quando o também pouco conhecido sul-africano Trevor Noah foi anunciado como o sucessor de Jon Stewart na apresentação do “The Daily Show”.
Pois bem. Entre sobreviventes e demitidos, entre os que assumem e os que abandonam, os talk shows continuam por aí, tanto na tevê americana, quanto brasileira. Até quando, não sabemos precisar. Mas se chegamos ao ponto em que gente do calibre de Jô Soares corre perigo, e Jay Leno prefere mudar de ares, é porque se precisa repensar o que se leva ao ar antes que seja tarde demais.
Artigos relacionados