O documentarista de natureza Lawrence Wahba completou, em setembro, sua 50a viagem ao Pantanal. Entre tantas idas à maior planície alagável do planeta, em março de 2020 estava por lá para produzir um documentário sobre o ciclo das águas quando foi surpreendido pela pandemia de Covid-19 no país. Sem poder deixar de imediato o local, acabou registrando os primeiros focos de fogo que se tornariam os piores incêndios florestais na história do bioma.
Dessa forma, de acordo com ele, teve início o filme “Jaguaretê-Avá: Pantanal em Chamas”, exclusivo Globoplay, que conta com produção de Jefferson Pedace e estreou no Dia do Pantanal, 12 de novembro, na plataforma. Vencedor do Emmy, os documentários assinados por Lawrence filmados em todos os continentes e todos os oceanos foram exibidos em 160 países, em canais como NatGeo, Smithsonian, Discovery e Arte, entre outros. Para TV brasileira já produziu mais de 600 matérias, apresentou programas no GNT, NatGeo e Discovery, além do quadro “Domingão Aventura”, no então programa liderado por Faustão na Rede Globo. Em 2017, lançou seu primeiro longa-metragem documental nos cinemas “Todas as Manhãs do Mundo”.
“Comecei totalmente independente, como nunca havia feito, financiando as viagens do próprio bolso ou com apoio de ONGs e profissionais trabalhando voluntariamente. Mas essa era uma história que estava acontecendo e precisava ser contada. Depois das filmagens a Documenta Pantanal nos ajudou a captar recursos com pessoas físicas e empresas e, assim, financiamos a pós-produção, durante a qual pesquisamos imagens feitas por voluntários, veterinários, brigadistas, pescadores, guias e cineastas independentes, num total de 20 cinegrafistas amadores e profissionais”, afirma.
“Apesar de ser construído a partir de um mosaico de imagens, um time de profissionais de primeira linha me ajudou a contar essa história, entre eles o premiado produtor francês Emmanuel Priou, que venceu o Oscar por ‘A marcha dos Pinguins’ e nos prestou consultoria internacional. O documentário traz minha visão de dentro dos incêndios do Pantanal, daquele cenário de guerra. Mas também traz a força da corrente que se formou para ajudar o Pantanal e a contar essa história. O planeta está sendo destruído e não podemos ficar indiferentes a isso “, diz.
No processo de produção Wahba passou dez semanas – ao longo de quatro expedições às regiões de Miranda, Serra do Amolar, Porto Jofre, Transpantaneira, Parque Nacional do Pantanal e Parque Estadual Encontro das Águas – com brigadistas, veterinários, voluntários e pesquisadores, registrando a árdua luta pela vida e pela recuperação do bioma. Com mais de 100 horas de material captado (pela equipe do documentarista e por terceiros), a produção consumiu 13 meses de trabalho desde a primeira até a última gravação.
Para chegar à edição final do filme, que tem duração de 1 hora e 14 minutos, Wahba conta que, como um bom parto, “Jaguaretê-Avá: Pantanal em Chamas” foi gestado ao longo de nove meses de pós-produção. “Começou com um esqueleto traçado por mim, mas foi se moldando com os trabalhos dos montadores Tatiana Lohmann e Marco Del Fiol, ambos também diretores e realizadores, que cocriaram o filme em todo seu processo e com a colaboração dos inputs do supervisor de roteiro, Marcelo Starobinas”, diz.
Para se ter uma ideia do capricho da produção, somente a composição da trilha sonora do documentário, que leva a assinatura de Fabio Cardia, consumiu três meses de trabalho de uma equipe composta por 15 profissionais. O músico, compositor e maestro conta que foram criadas 39 músicas para o filme, que abordam 20 diferentes temas. “É uma trilha minimalista que utiliza instrumentos étnicos e regionais, como viola caipira, flauta baixo, berimbau e tambores, além de spots misturados com sintetizadores e samplers”, revela.
Jaguaretê Avá e resiliência
Além das cenas impactantes da destruição de fauna e flora gerada pelos incêndios, o filme registra a ação de quem estava no epicentro do combate às chamas atuando no resgate e na recuperação de animais e traz entrevistas com especialistas em questões ambientais.
A narrativa faz uma analogia com o mito indígena do Jaguaretê-Ava, do povo guarani kaiowa, cujo significado é revelado no filme e traz referências a elementos do simbolismo do jaguar (onça-pintada) nas culturas originais das Américas do Sul e Central, considerado um animal sagrado que transita entre dois mundos e tem poderes espirituais.
“Na minha profissão eu dependo totalmente da integração com os animais e seu hábitat. Preciso estabelecer uma conexão, um entendimento. É como aprender um outro idioma e os povos nativos são os professores, os mestres. Para eles, todos elementos da natureza são gente. Temos de aprender com eles o respeito a todas formas de vida”, complementa.
“Jaguaretê-Avá: Pantanal em Chamas” mostra a resiliência do Pantanal a partir da onça-pintada. Ecologicamente um bioma tem que estar totalmente equilibrado para sustentar seu predador de topo. Algumas onças, em particular como Amanaci, Ousado e Ague, afetadas pelos incêndios, têm suas histórias retratadas.
O filme pretende sensibilizar os espectadores e ser uma ferramenta de conscientização ambiental, promovendo debates sobre o problema dos incêndios florestais, indo muito além das telas. Durante as filmagens Wahba ajudou a criar a Brigada Alto Pantanal, campanha que sustenta duas brigadas comunitárias e apoia dois centros de atendimento veterinários no Pantanal. Determinado a prosseguir na defesa do ameaçado bioma, Wahba conta que o filme já arrecadou R$ 150 mil em valores de licenciamento e lucros, soma que será repassada ao SOS Pantanal e à Brigada Alto Pantanal para que possam dar continuidade a ações de prevenção e combate ao fogo nas regiões em que atuam. Complementarmente, as redes sociais do documentário (@jaguareteava) irão incentivar o público a se engajarem nesta causa por meio de doações para as brigadas.
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