Direto da Bahia: o poder de fogo dos camarotes, mas um povo que já descobriu movimentos mais democráticos, sem cordas, em espaços alternativos


Alguns soteropolitanos mais atentos identificaram um certo esvaziamento das ruas dos circuitos tradicionais e o recrudescimento de movimentos mais democráticos, em espaços alternativos

* Por Junior de Paula

Cada ano que passa, o Carnaval de Salvador segue seu embate entre o exclusivíssimo mundo dos camarotes – que a cada ano se superam em tamanho, estrutura e visibilidade – e o universo da pipoca, os foliões sem abadá, sem convite para camarotes e disposição para passar cinco dias na rua – faça chuva ou faça sol – pulando atrás do trio. 

Uma coisa, claro, não exclui a outra. E também não vamos entrar aqui no mérito sociológico de tudo e analisar o abismo que vai se criando entre a rua para todos e os espaços segregacionistas para poucos. O povo, aliás, não se preocupa muito com isso, apesar de que alguns soteropolitanos mais atentos ao virar das marés já identificaram um certo esvaziamento das ruas dos circuitos tradicionais e o recrudescimento de movimentos mais democráticos, sem cordas, em espaços alternativos da cidade.

O Alavontê, por exemplo, uma espécie de coletivo liderado por figuras célebres do carnaval de Salvador mas que não conseguiam se encaixar na programação oficial, como Magary Lorde e Ricardo Chaves, arrastaram uma multidão e fizeram um barulho impossível de não ser notado neste carnaval. Na mesma linha, via-se o Furdúncio, outra turma que segue neste mesmo esquema, aqui liderado por Carlinhos Brown, e o fenômeno Bahia System.

Por outro lado, muita gente quer – e com toda razão – o conforto e as mordomias de um bom camarote, muito bem posicionado na avenida, com gente legal e atrações musicais também dentro do camarote. O Expresso 2222, por exemplo, como se sabe, idealizado e executado por Flora e Gilberto Gil é o epicentro de da intelligentsia brasileira, com direito à nata da MPB circulando por lá, pensadores, celebridades do primeiro escalão, políticos e a turma do alto clero da moda.

Já o Camarote Salvador, o mais impressionante da folia baiana em termos de estrutura, como já contamos por aqui, a maior concentração de gente linda por metro quadrado de todo o território brasileiro e, também, o mais caro – seus abadás custam a partir de R$ 1.290 – é um mundo à parte onde o que importa é ver e ser visto e as mega varandas que dão para o fim do circuito Barra-Ondina fazem bem menos sucesso do que a mega pista de dança armada nos fundos do camarote .

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Tatá Werneck e sua selfie, no Camarote Salvador

O Camarote da Schin, patrocinadora master do carnaval baiano, é outro ponto de encontro dos descolados do eixo Rio-SP com vip list assinada por Isabela Menezes, chamando a turma do Rio, e Helinho Calfat responsável pelos paulistanos. Bem no meio do circuito, a varanda privilegiada e imensa instalada no antigo Clube Espanhol é o lugar ideal para ver os trios passarem e ainda assistir a shows de nome como Leandro Sapucahy, Jorge Aragão e Carlinhos Brown. Nesse sábado, por exemplo, Brown começou cantando no palco e terminou na grade da varanda enquanto a Timbalada passava para um dueto com o grupo que lhe é tão caro.

Tantas são as opções, tanta gente na rua, tanta coisa acontecendo no alto, em baixo, de um lado e de outro  tantas cores, sons e sotaques que fica difícil criar uma linha que una os tantos pontos de uma folia que dura bem mais do que os cinco dias oficiais. Talvez, o sorriso estampado no rosto ensopado de suor de cada pessoa – uniformizada ou não, com pulseirinha vip ou não – seja uma pista do que faz essa festa não perder a força, mesmo em momentos de transição para um caminho que ninguém sabe muito onde vai dar. O brilho no olho e os pés latejando de tanto pular sinalizam ainda mais intensamente que o que une essa gente toda com os braços para cima, fazendo coreografias e beijando quem acabou de conhecer seja um sentimento que brasileiro conhece muito bem, mesmo em tempo de cólera: a alegria. 

* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura.