Há muito se fala das diferenças entre Rio e São Paulo, para o bem e para o mal. HT, imbuído de sua verve investigativa e crítica de costumes, adentrou na vida mundana das semanas de moda – São Paulo Fashion Week e Fashion Rio – para, entre a cobertura das tendências do próximo verão, estabelecer um rápido e sutil paralelo entre as duas metrópoles através daquilo que foi visto não nas passarelas, mas em pequenos detalhes aqui e acolá, considerando que esses são o verdadeiro reflexo da cultura nas duas cidades. Não interessa, portanto, o que for visível acima da linha do mar, mas aquilo que está abaixo da superfície, como um iceberg submerso. Aqui o site cumpre apenas sua função de arranhar este imenso bloco de gelo existente nos dois eventos, como um Titanic que revela ao mundo a existência desse bólido, suscitando a imaginação de quem quer que leia este postulado. Leia e tire suas conclusões sozinho.
Deslocada para a imensidão do Parque Candido Portinari, em São Paulo, ao lado do Villa-Lobos, a SPFW abusa do painel com fundo de nuvens, tudo quase Magritte, em azul clarinho como manda o figurino do próxim0 verão, para contrabalançar com o cinza-céu. Okay, de dia até fica triste, mas, de noite, o light design se encarrega de imprimir majestade. E por que não? É o maior evento de moda da América Latina, e isso é para os fortes. Mais seleto de público (seguindo talvez a tendência da Mercedes Benz Fashion Week, que cortou até os blogueiros), somem os alunos de escola de moda e as travecas dando pinta pelos corredores, justo na edição em que Alexandre Herchcovitch homenageia, em seu desfile feminino, a maior inspiração para todas elas: Marilyn Monroe. Por isso mesmo, sua maior admiradora – depois de Danielle Winits -, a drag Salete Campari rema contra a maré e aparece radiante no show do estilista, talvez para lembrar os velhos tempos.
Como sempre, o lounge da Lilica Ripilica é hot point para a turma amiga dar pinta. Com balão inspirado naqueles que costumam dar expediente pelo céu da Capadócia, só que muito menor, o espaço rapidamente vira hit, com a bees querendo entrar dentro para Instagrar o momento. Sim, nada como dar um balão em alguém. Mas, diante da negativa do pessoal da produção, resta mesmo a única opção de posar ao lado da enorme koala que é personagem da marca, em imediato efeito Disney-gay. O bailarino paulistano Kaval, professor de stiletto e wacking, do alto de seus high heeled shows, é um que não resiste a esta tentação, abraça e dá até beijinho no ombro da bichinha de poliuretano.
Com a questão sobre arte e moda pipocando nas conversas, a SPFW se transforma em imensa galeria, com os lounges dos patrocinadores e apoiadores seguindo a tendência. Nem que seja para evocar a sétima arte, como fez O Boticário, com seus múltiplos camarins das estrelas e luz de cinema.
E, entre a área aberta para fumantes, o rock rolando solto e a promenade pelos corredores, sempre há espaço para se entregar à tentação da pop up store do evento. Dessa vez, HT registra alguns objetos do desejo e até inclui aqueles que poderiam reservar momentos de faquir após a compra, quando a única coisa a fazer é esperar o cartão e o mês virarem. Sim, na FFW Shop existe uma escada invisível para o cadafalso do paraíso consumista – ou para o subsolo, aquele que leva ao andar inferior do inferno inadimplente. Ui!
No Rio de Janeiro, a coisa é diferente. O badalo também existe, mas a grande diferença é que quem frequenta, trabalhando ou dando pinta, tem a paisagem natural como descanso dos olhos. Nesta edição, o evento retorna à Marina da Glória como um filho pródigo e faz todo mundo se lembrar como é gostoso repousar os olhos sobre a Baía de Guanabara, mesmo que não haja tempo para um minuto sequer de dolce far niente. Vale cada segundo de não-sossego!
No Fashion Rio, em meio ao frenesi de quem está no olho do furacão, participando de ações. desfiles e cobertura, o público parece mais tranquilo, como convém a um resort. Savoir vivre, sem dúvida. Os murais com as espetaculares fotos do absurdo Murillo Meirelles, habituê nas páginas da FFW, são um relax extra para os olhos e evocam a visceralidade natural da cidade, externando o tema do evento nesta temporada: “Rio, resort tropical, patrimônio mundial, paisagem cultural.” Alguém duvida dessas máxima?
Por isso mesmo, o piso em pallets de madeira e a vista privilegiada convidam para uma massagem – nem que seja somente nas mãos – no lounge da Nativa Spa ou a uma cervejinha gelada no café comandando pela equipe do Zazá Bistrô. Dá até para andar de skate por esse paraíso momentâneo, que pode virar um Inferno de dante, momentos antes de abrir a sala de algum desfile concorrido, com presença de famosos.
Quanto mais tarde, mais cheio. Mas, alheios ao burburinho da porta das tendas, personagens curiosos surgem nos corredores e backstages. Os barbados, entre Noés e Jesus Cristos, tomam conta do evento. Existem poucos minutos – aliás, segundos – para aquele momento em que se dá uma respirada fechar os olhos. Nos camarins, momentos antes de entrar em cena, modelos retocam o make, descansam suas peles de pêssego ou se entregam a rituais pantagruélicos, comendo o que estiver pela frente.
Com a crise, os brindes da primeira fila escassearam. Mas, se na SPFW eles se tornaram praticamente inexistentes, no Rio – mesmo com a verba curta – as grifes capricharam um pouquinho. Entre aqueles que chamaram atenção, o guarda-chuva étnico do Cantão foi, certamente, o mimo disputado dessa temporada. Não é mesmo uma fofura enfrentar as águas de março, abril, maio ou junho com um deles à mão?
E, se rareou, nas duas semanas de moda, a presença de artistas na primeira fila, no Rio a coisa ainda está um pouquinho melhor. Afinal, a cidade-maravilha é a Hollywood tropical. Giovanna Antonelli, Tainá Muller e Reynaldo Gianechinni causaram furor no backstage e na passarela da TNG. Baluarte da MPB, Beth Carvalho surge toda colorida, no evento, alegre como convém a uma representante do samba. A novinha Bia Arantes posa para flashes, assim como Fiorella Mattheis. E Valesca Popozuda dá um beijinho no ombro do público no desfile de Victor Dzenk. Quem pode negar que o Rio é movido a star system?
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