Silva: “Não dá para ficar nesse rancor, eu sou azul, você é rosa, é da direita ou esquerda. Espero diálogos”


O cantor que está lançando Cinco, seu novo álbum, com participações de Anitta, João Donato e Criolo, critica a polarização que domina as ruas e a internet. Em tempos de pandemia, explica que o novo trabalho foi determinante para ele. “O problema de saúde é grave, mas emocionalmente está sendo bem puxado. Esse disco salvou minha cabeça. Trabalhar me ajudou a passar bem, a não surtar”, assegura ele, solteiro desde outubro. “Estou em uma fase bem sozinho, tenho conseguido lidar com a solidão de um jeito que estou me surpreendendo”, frisa

* Por Carlos Lima Costa

O cantor, compositor e multi-instrumentista Silva está lançando Cinco, décimo álbum de sua carreira. Com mistura de ritmos e referências nas 14 faixas, como Bossa Nova, MPB, jazz, samba e soul music, o artista de voz suave mostra uma pegada romântica nas canções. “O amor é sempre um bom tema, adoro. Mas, por exemplo, tem uma música chamada Furada, que fala ‘você é uma furada, seu jogo não é nada bom’. Tem uma maldadezinha que eu não cantava antes e que estou gostando. Já estou menos tímido para cantar essas coisas, mas é música de amor sim, amor e desamor”, explica.

O trabalho reflete bem seu espírito. “Sabe aquele romântico que fala que não é, mas quando está apaixonado, faz serenata? É isso. Sou romântico pra caramba, mas finjo que não sou. Quando me perguntam, digo que não sou, mas sou bastante, sou canceriano”, diverte-se.

Silva está lançando Cinco, seu segundo álbum (Foto: João Arraes)

Silva está lançando Cinco, seu décimo álbum (Foto: João Arraes)

Todo o processo de feitura de Cinco foi importante para Silva passar pelo “novo normal” provocado pelo Covid-19. “Esse momento de pandemia foi pesado para todo mundo. O problema de saúde é grave, mas emocionalmente está sendo bem puxado. Acho que fazer esse disco salvou minha cabeça, a minha vida, porque quem tem enfrentado essa pandemia, a quarentena parado sem poder trabalhar, sem conseguir fazer nada do que queria deve ter sido muito difícil. Para mim é difícil mesmo tendo esse privilégio de poder trabalhar. Mas me ajudou muito a passar bem, a não surtar, a não ter talvez um problema psicológico mais sério. Agradeço por ter conseguido fazer música nesse momento”, pontua ele, que gravou e produziu nos últimos meses. “Mas o processo de composição veio antes da pandemia. Acho que por isso que o disco é mais solar também”, ressalta.

E Silva comenta sobre os convidados de seu disco, Anitta, João Donato e Criolo, respectivamente nas canções Facinho, Quem Disse e Soprou. “Não vejo as pessoas repetirem uma parceria de forma tão próxima. A música Fica Tudo Bem, que eu e ela gravamos, fez dois anos, é recente. Mas passei uma mensagem para ela, achei que a música Facinho tinha a cara da Anitta, achei que ia gostar. Ouviu, adorou e uns cinco dias depois, já me mandou o vocal gravado. Ela é muito profissional, fiquei muito feliz. E ela, com um tom agudo que vai lá em cima, cantou numa suavidade, foi muito legal, mandou superbem. Quando a Anitta gosta de você, ela é muito legal. Em tudo que já propus para ela, participar de show, fazer clipe, gravar, sempre foi muito generosa comigo, mesmo com essa vida dela de popstar, que é uma loucura total”, avalia.

Silva apresenta duetos com Anitta, João Donato e Criolo (Foto: João Arraes)

Silva apresenta duetos com Anitta, João Donato e Criolo (Foto: João Arraes)

Ter João Donato é outro motivo de orgulho. “Foi um presente. Ele é um músico AAA, um cara respeitado no mundo inteiro. O que ele sabe de música, o seu domínio musical é muito absurdo. Eu o chamei, porque sou muito fã e ele mudou a música toda. Era um samba mais aceleradinho, ele fez a música virar uma bossa chiquérrima. E fez os arranjos. É muito chique ter o Donato no disco. E Criolo foi  uma parceria que aconteceu de um jeito muito orgânico. A gente se encontrou no último Réveillon, em uma festa na casa da Regina Casé e joguei um verde de que podíamos fazer algo juntos. Aí mandei para ele no meio do ano, ele topou e escreveu a parte final da música. Achei maravilhoso colaborar com Criolo, um artista realmente grande”, realça.

Por conta dos últimos acontecimentos, Silva explica que não vai mais participar de um show na virada do ano, no Rio. “Pulei fora disso. Quando a gente fechou essa história era um outro quadro. Sei que a gente está há muito tempo sem tocar, está sendo difícil não se apresentar, mas não acho prudente fazer um show nesse momento no qual os números de pacientes com Covid estão crescendo. É hora realmente de segurar tudo. A vida das pessoas é mais importante do que qualquer coisa. Não quero ser responsável por aglomerações, não quero ter essa responsabilidade nas minhas costas”, justifica.

"Tenho conseguido lidar com a solidão de um jeito que estou me surpreendendo", afirma Silva (Foto: João Arraes)

“Tenho conseguido lidar com a solidão de um jeito que estou me surpreendendo”, afirma Silva (Foto: João Arraes)

Mas, claro, o foco agora é no trabalho. Em outubro, terminou o namoro de dez meses com o estilista Renan Mantovaneli. “A minha sorte é que meu término foi tranquilo, pacífico. Nós éramos amigos antes, então, não foi um barraco, ainda bem. Se tivesse teria sido horrível nesse momento. Mas estou em uma fase superbem sozinho, tenho conseguido lidar com a solidão de um jeito que estou me surpreendendo, pois tinha muita dificuldade em relação a isso. Alguém me falou assim: ‘Curte mais a sua energia, fica mais com você, vai ver um filme bom, coloca uma música boa, medita. Então, estou numa fase assim, fazendo exercício, voltei a fazer uns treininhos, estou tocando e cantando mais, estudando Duke Ellington (1899 – 1974), ouvindo jazz, achando chiquérrimo, então, estou curtindo essa fase, achando que está sendo bom para o meu amadurecimento”, revela.

O mundo vive época de extrema polarização, preconceito e hipocrisia. Recentemente, o deputado húngaro de extrema direita József Szájer, autor da lei que proíbe o casamento gay, renunciou ao ser flagrado em orgia, onde haviam cerca de 25 homens. “Eu acho que onde tem um ódio, sempre tem alguma coisa mal resolvida, mal escondida, acho que as pessoas precisam evoluir. Será que tem jeito? Será que o cara melhora? Eu sou do meio musical, que é majoritariamente de homens heteros, então, tenho muitos amigos heteros. Converso muito e eles tinham várias piadinhas homofóbicas e nem se ligavam. Digo isso de oito, sete, seis anos atrás, e aí foram sabendo da minha vida pessoal, de repente eu aparecia com um namorado em um show. Então, começaram a mudar completamente. Nunca mais repetiram piadas e a gente se trata superbem. Quebrou aquela coisa boba do cara não poder se dar um beijo no rosto. Eu estou falando num micro, no meu mundinho. No que está ao meu redor acho que rola uma evolução. Mas tem esses casos extremos, absurdos, hipócritas”, avalia.

"Não sou de brigar, prefiro trocar uma ideia", ressalta o cantor (Foto: João Arraes)

“Não sou de brigar, prefiro trocar uma ideia”, ressalta o cantor (Foto: João Arraes)

Silva analisa ainda como vê esse momento de polarização política que vivemos nas ruas e na internet, onde domina uma política de ódio e cancelamento. “A gente está pegando um momento de várias questões pesadas ao mesmo tempo. Antes da pandemia já estava barra pesada politicamente, muito 8 ou 80, muito à flor da pele. Uma discussão já é pesada, já parte para agressão. Acho que a gente vai começar a se tocar daqui pra frente que não dá para ficar nessa de superrancor, eu sou azul, você é rosa, você é da direita ou da esquerda. Tenho muita esperança de que diálogos melhores aconteçam, sabe. Não sou muito de brigar, detesto! Online, principalmente. Prefiro discutir ao vivo, trocar uma ideia. Tenho minhas convicções, opiniões. Quando acredito em algo, eu falo. Sou bem verdadeiro no que acredito e defendo, mas tem que ter um diálogo, não pode querer que o outro tenha a sua opinião”, finaliza.