Em sua terceira edição, batizada de Multiversos Sustentáveis, o Festival ID:Rio, evento multiplataforma de moda, cultura, capacitação e empreendedorismo foi realizado em uma grande ação no Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói – depois de ter passado por Petrópolis e, em seguida, tendo o Rio também como epicentro das atividades. E contou com a música e o irresistível carisma de Toni Garrido. Em uma longa entrevista exclusiva com o site Heloisa Tolipan, o cantor revelou que está de bem com a vida e redescobriu a Astrologia: “De um tempo para cá estou estudando mais e é inacreditável como o meu 2024 está coincidindo com o que eu tenho lido e visto. É impressionante como as coisas estão fluindo do jeito que os astros estão dizendo. O que descobri na Astrologia aparece também no candomblé e, quando vou na Igreja Católica, sinto que as mesmas coisas estão sendo ditas”.
Durante nossa conversa, o multiartista (além de cantor, Garrido é compositor, instrumentista, apresentador e ator) falou de moda, família, carreira, universo digital, seu apreço pelas mulheres, futuro e a potência do Rio. “Eu talvez me considere ou entenda a responsabilidade de ser parte integrante da produção cultural do do Rio de Janeiro, pois a minha arte está muito ligada ao estilo de vida. Já participei de diversos eventos para os quais fui convidado por ser um carioca atuante, um carioca ativo que luta pela cidade e que traduz muito bem a cara, a cor, a cultura, o cheiro deste lugar. Fico muito feliz com isso e represento uma parte boa do Brasil”, frisa.
Ele vê o Estado do Rio como uma potência quando se trata de moda, tema que adora. “Moda é falar do estudo do comportamento do ser humano. Enxergo a moda muito mais como movimento de cultura ativa, atual e demonstrativa. Acredito que o mundo descobriu que o país era tudo isso na moda e na música com Carmen Miranda (1909-1955). Ela não foi ‘só’ a Carmen Miranda, foi o samba, foi a representação do tropical. E os parangolés de Helio Oiticica (1937-1980) vão pelo mesmo caminho”.
A moda mexe muito comigo porque descreve lugares e épocas. É educativa, a gente conhece o mundo através dela. Conheço muitas épocas pelas roupas que se usavam e vejo a moda como um movimento de cultura, mais do que somente indumentária. O Brasil é uma potência enorme tanto na criação como na matéria-prima e no desenvolvimento têxtil – Toni Garrido
Alegou, ainda, que o que mais o atrai na hora de consumir: “Quem compra com o conhecimento de que determinada empresa recorre à mão de obra quase escrava sabe que não está fazendo a coisa certa. Temos que ficar atentos aos novos designers e às tecnologias que não destroem”, afirma.
Para mim, o que há de mais moderno no campo da moda é aprender a utilizar materiais que não agridem, não poluem e não perturbam o meio ambiente. Não é preciso estourar mais a natureza para criar quando se tem a reciclagem. Sou a favor do conceito moderno das fibras naturais, vegetais e ecológicas e minha moda hoje é exatamente buscar por materiais naturais e novos designers que utilizam da tecnologia que não destrói e não usa mão de obra sem os devidos direitos e valorização – Toni Garrido
Para mais, em sua vida pessoal, existe uma forte ligação com a moda, que se entrelaça com a música e sua carreira. Ele afirma que só usa o que o representa. Precisa ter a ver com as cores que pensa, os movimentos que faz, a alegria que está sentindo, o que deseja passar: “Tem uma coisa que eu descobri: tecidos pesados não servem para mim. Eu não consigo ficar nem à paisana no meu dia a dia, e muito menos no palco. Eu preciso de tecidos que absorvam a minha energia e que a dissipem de uma forma gostosa, equilibrada, harmônica. Quando o tecido não é assim fica impossível se concentrar na música, no acorde, no tempo e nas relações que você tem ali com as pessoas. É muito difícil ter algo te travando. Você se desconcentra. É uma regra: as roupas têm que estar de acordo com a minha energia”.
É emocionante saber que sempre haverá uma peça que vai causar a surpresa de nos representar. E é por isso que a gente gosta tanto de certas peças e as guarda pela vida toda: elas nos representam, Inclusive representam períodos de nossas histórias, pois algumas roupas marcam como uma cicatriz – Toni Garrido
E acrescenta: “No momento estou muito identificado com aquelas batas africanas de linho, longas como vestidos, mas que têm um corte diferente para homens. São muito bonitas. Nas minhas viagens, principalmente para a África, fico impressionado com a beleza dessas roupas e com os homens que as usam, principalmente os muçulmanos”.
Garrido acredita que a maneira de se vestir influencia profundamente sua imagem profissional. “A atitude está na roupa, em como eu quero me mostrar para o mundo, o que que eu quero que vejam de mim imediatamente ao me olharem. A maneira como você se apresenta ou como provoca diz muita coisa – porque também pode ser isso, provocação. Mas a arte da indumentária precisa transmitir sinceridade. Não pode passar algo fake”, frisa. “O que uso em casa, na vida, não uso no palco. Roupa de trabalho é sagrada, não me apresento como se estivesse tomando um café. Mas não tenho nada contra quem se mostra assim, é um estilo também. Para mim, porém, a indumentária de show é importantíssima. Isso porque também sou ator. Só entro no personagem quando me visto dele. Podem dizer ‘ação’: se eu não estiver na pele do personagem não é ação ainda”.
Uma curiosidade: as roupas de show são doadas para o relações públicas Bell Bilys, muito conhecido na noite carioca. “É um personagem muito interessante. Deve ter um pouquinho mais de idade que eu. Isso começou quando fiz uma ‘limpa’ no closet e a Regina [Coelho], minha mulher, mostrou algumas roupas para ele, que ficou interessado. Já faz uns 20 anos. Há duas décadas mando para ele todas as roupas que não uso mais no palco. Sempre que o encontro está com roupas completas minhas de dez, 15 anos atrás. E tem uma coisa muito legal: o Bell fala para as pessoas ‘esse aqui é um look Garrido, é by Garrido’. Acho que 80% do que ele usa foi meu. Tenho um closet só de show e doo as peças porque sei que vai usar. Ele usa, reusa e recria, é maravilhoso”, conta Garrido, que adora comprar em brechós.
Ele também compra em lojas populares, mas customiza. “Tenho que mudar algumas roupas quando elas são de lojas muito populares em respeito à arte. A graça do artista é transformar o comum em algo pessoal”, acredita. “O que você coloca no mundo, a sua obra, se transforma. Quando chega em alguém já não é como eu fiz. O criador tem que lembrar que é pai da obra apenas enquanto ela está com ele. Aquilo que saiu de você já é de todo mundo, já pertence a cada um. O artista coloca sua arte na rua e fica feliz se ela for se transformando. Uma música, três dias depois de lançada, já vira ‘irmã’ daquela que você gravou. Adoro tocar exatamente do jeito que eu gravei porque quem vai a um show não vai procurar a música que recriou para si mesmo, vai para ouvir o que conheceu no original. É uma decepção quando o próprio artista mostra a oitava versão daquilo que ele criou”.
Em casa, o músico conta com a “curadoria” de Regina, que é produtora de moda e trabalha com estilo. Além de saber do que o marido gosta, se liga em coisas que talvez vá gostar. “Ela sempre tenta descobrir novas peças para eu vestir. Mas sabe que só uso o que combina comigo. Não adianta falar ‘usa isso aqui que vai ficar demais’. Eu vou entender e vou acreditar que vai ficar lindo, mas são conceitos mais pessoais que vão determinar se vou ou não usar. Minhas correntes, por exemplo, são indispensáveis. Independente da roupa com que estou, elas são a minha marca no palco”.
Da mesma forma que segue suas próprias normas em se tratando de roupas, o músico cria suas regras. “Por exemplo, eu não acordo todo dia e fico vendo o Facebook e o Instagram das pessoas. Não me interessam as fofocas. Minha vida não é pautada pelo Instagram, pelo Facebook e pelo TikTok. Sei que, para o meu trabalho, é importante que eu circule por ali. No entanto, uma notícia ruim sobre mim e as coisas que eu faço não me paralisam, não me machucam, não me deixam doente. A internet não mexe com o meu dia a dia. A base continua sendo a minha família. Minha religião real é a família e os companheiros, que não são os 450 mil amigos virtuais. Dou o maior valor a eles, respeito e adoro, mas quem pauta os meus dias são amigos de carne e osso”, observa.
Isso não o impede de apreciar o universo virtual: “O digital é uma coisa maravilhosa, me traz trabalho, informação e os assuntos que me interessam de verdade. Pesquiso direto no Google ou no Youtube. Uma coisa que eu adoro é ir para o Youtube e ver aquelas visitas a 360 graus que fazem parecer que estamos dentro do lugar”, revela. “Também pesquiso ciência. Quando eu era fisioterapeuta, tinha que viajar o Brasil, o mundo para participar de um simpósio. Agora tem tudo ali, qualquer informação que eu queira sobre fisioterapia, saúde, futebol, desenvolvimento do esporte, música, lançamentos. Tudo está no digital. Isso é muito maravilhoso. Estou adorando ter a tecnologia, os robôs, a Inteligência Artificial trabalhando a favor da ciência, mas, para mim, fica só nisso”.
Outra característica de Garrido é sua ligação com as mulheres, com o feminino. “Sou masculino e feminino. Entendi muito, conheci muito o universo feminino por ter sido criado no meio de mulheres, quatro irmãs e uma mãe. Depois, fui morar com outras duas mulheres. Em seguida, tive uma esposa e duas filhas [Isadora e Vitória]. A minha mulher tem irmãs e só um irmão. Na minha vida inteira tem três homens com quem eu convivi e 25 mulheres. São universos e reinos totalmente comandados e divididos com mulheres fortíssimas. Elas me deram o feminino. E esse feminino entra muito na música porque tive uma observação maior do universo das mulheres por viver entre elas”, analisa.
“O representante masculino da minha vida é o irmão da minha mulher. Não tive convivência com pai, tenho dois ou três homens que poderiam ter a imagem do que eu represento como pai porque conheci mais de um cara legal, apesar de ter convivido com poucos. Eu diria que o Cacá Diegues é um deles. (Toni atuou no filme “Orfeu”, drama musical dirigido por Cacá Diegues em 1999). O Zico, como ídolo do esporte, que é uma coisa de que eu gosto muito, é outro. São imagens paternas que eu tenho de pessoas muito queridas. Mas como imagem me representando só tenho mulheres. Eu sou fruto da convivência com elas, que influenciam o meu olhar: gosto muito de cantoras, de moda e de mulheres. Eu as entendo e respeito com máxima entrega”, conta.
O artista conta ainda que estar trabalhando é o melhor dos mundos: “Tirando o momento em que você está com os filhos, com a família, não tem nada mais importante do que fazemos. Então vamos botar toda a energia nisso aqui agora. É sagrado de verdade, é o ato de amor mais profundo, amor com muita gente ao mesmo tempo. O que eu mais gosto no meu trabalho é o momento de estar fazendo. Assim que acabo sinto um prazer que não dá para descrever. Melhor que estar fazendo é ter feito. O prazer de ter feito bacana e ter deixado todos felizes, integrados naquela energia, é o mais delicioso. A importância disso é para a vida de cada um que está trabalhando, se divertindo, matando saudade, tendo uma noite ou um dia inesquecível”.
O trabalho com shows em eventos é especial. “Em cada um que faço procuro ver o que é mais importante para sua realização. Se for comunitário, social, sei que o mais importante é a mensagem que a gente passa. Em empresas importa levar felicidade, música, arte, leveza e autoconfiança aos funcionários. Para um show na praia é essencial fazer com que as pessoas lembrem como é bom estarem juntas em paz, com amor e respeito. Já no caso dos eventos de moda, busco expressar com música a arte que a indumentária capta. Estamos ali celebrando o homem a serviço da arte. Esses são os o links para eu fazer um grande show. O resto é dedicação e entrega. Tenho dois lemas: fazer um show melhor do que ontem e, como não sei sobre o dia de amanhã, pensar que é meu último trabalho e que preciso fazer o melhor show da minha vida.”
Mas nem tudo são flores. O artista acredita que, para quem está começando, o mais difícil seja seguir acreditando. “Não é fácil se manter estimulado. A única coisa que eu posso falar com certeza, como regra, é que se não acreditar não vai dar certo. Você pode até ter alguma dúvida, alguma crise: tem uma hora em que a gente fraqueja. Mas o mundo não é de quem quebra, é de quem enverga e volta rapidinho”, afirma. “O sistema é bruto, é para quem aguenta e para quem tem talento. Tem que lutar muito e tentar não se confundir porque, no meio do caminho, você pode achar que está numa guerra, quando não está guerreando com ninguém. Para estar na luta tem que acreditar. Não é ego, é amor-próprio”.
Garrido gosta de estimular os músicos que estão se lançando a prosseguir. Ele acredita que dá para viver de música no Brasil, mas nem todos vão ‘acontecer’: “Quem toca em bar vai viver do que recebe no bar. Conheço muitos que têm outros trabalhos porque não conseguem viver só de música. É um tipo de sonho, assim como acontece em todas as profissões. Mas, se é o seu amor, sua paixão, lute. Tem que saber qual é a importância da música na sua vida e a importância que ser músico tem na sua vida”.
Músicos estabelecidos também encaram dificuldades, especialmente no tocante a direitos autorais. “É sempre desequilibrada essa questão dos direitos artísticos das obras executadas. Eu tenho a esperança de ver uma regulamentação justa em relação aos direitos autorais. Quem tem uma obra merece, como trabalhador, viver bem do que criou. Você ouve música no shopping, na rádio, em todos os lugares. E as pessoas que usam música para melhorar seus ambientes deveriam pagar também. Precisa ter fiscalização”, dispara Garrido.
Tenho uma música chamada ‘A Estrada‘ (‘Você não sabe o quanto eu caminhei para chegar até aqui’) que é a mais tocada nas formaturas pelo Brasil. Nunca recebi nada por causa disso. Imagina todas as formaturas, todos os anos, duas vezes por ano. Tem que mudar porque só sabemos fazer isso. E não conseguiríamos viver sem arte, seria duro demais – Toni Garrido
O autor de “Firmamento” (“Forte, sorte na vida, filhos feitos de amor”) acredita que, com a exigência da indústria de que os artistas tenham sempre hits que se tornem virais, nos acostumamos a apreender as músicas mais rapidamente e a abandoná-las logo. “Uma canção era para sempre. Outro dia perguntei para as minhas filhas qual era a música eterna delas. Vitória, de 28 anos, disse imediatamente que era uma que eu cantava para ela. Tinha dois anos e, quando não conseguia dormir, eu dava voltas na Lagoa cantando ‘Exagerado‘, do Cazuza. Aí perguntei para Isadora, de 20, e ela disse ‘Como assim canção da minha vida?’. Cantei uma de que gostava quando tinha dois anos e ela chamou de ‘música velha’.
Para a Millenial ainda há canções eternas. Para a outra, que é Geração Z, música boa pode durar só dois meses. E tudo bem, são tempos diferentes, épocas diferentes – Toni Garrido
Por falar em momentos diferentes, o músico garante que não tem crise de saudades de tempos idos: “Não tenho problemas de identidade de época. Isso não entra na minha cabeça porque eu vivo o hoje. Para mim está tudo normal, tudo adaptado. Esse papo de que antigamente era isso ou aquilo… Antes tinha gravadora, agora tem agregadora e as gravadoras têm outra função”.
Vai mudando e você vai entendendo tudo. Qualquer coisa relacionada a ‘antigamente era mais legal ‘ não é boa. Sempre vai ser melhor à frente, o dia seguinte sempre vai ser mais interessante, o futuro sempre vai ser mais bacana. O mundo é melhor no amanhã – Toni Garrido
O Festival ID:Rio 2024 é apresentado por Enel Brasil, com patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Apoio da Prefeitura de Niterói e da Prefeitura de Petrópolis, com realização da Equipe de Produção.
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