O Rio de Janeiro é atrativo, sedutor e charmoso – como Fernanda Abreu, diga-se. Em sua opinião, um dos diferenciais está na moda. “Temos muito a mostrar para o Brasil. O Estado do Rio tem uma persona samba, funk, charm. A influência negra é muito forte. Aqui é um lugar de lançamento de tendências, a moda tem uma cara própria, tem o DNA solar, natural e charmoso. Nada mais Rio do que biquíni e Havaianas”, exemplifica a cantora. Pelo segundo ano consecutivo, Fernanda Abreu, mulher abençoada por São Jorge, empoderada há mais de três décadas, cantora, compositora, bailarina e pioneira da música pop dançante brasileira, fez um lindo show no Festival ID:Rio, multiplataforma que faz a sinergia entre moda, capacitação, empreendedorismo, feira de design, jornada de conhecimento, gastronomia e música impulsionando a identidade/energia criativa do Estado do Rio de Janeiro. Esta terceira edição regida pelos idealizadores Claudio Silveira e Helena Vieira Gualberto Silveira teve como tema “Multiversos Sustentáveis“.
Durante cerca de uma hora, Fernanda abriu espaço em sua agenda para bater um papo exclusivo com o Site Heloisa Tolipan. Na conversa falou sobre música, moda (uma de suas grandes paixões), planos profissionais, amor, uso sustentável de roupas e sua ligação com o funk desde 1989, quando participou do álbum do DJ Marlboro e foi ao seu primeiro baile, entre outros assuntos. Com pouco mais de 40 anos de carreira, ela, que pretende compor um álbum de inéditas ainda neste ano e, em 2025, lançar seu projeto comemorativo pelos 30 anos de “Da Lata“. Garante que sente a mesma energia do começo: “Tem um lado que é igualzinho, que é a vontade de criar, de sonhar. E tem o lado que o tempo me deu, mais cultura, muito mais experiência, conhecimento. Isso afeta diretamente a nossa criação. A cabeça vai evoluindo”, analisa.
A MODA: CONSICÊNCIA E SUSTENTABILIDADE
Fernanda divide a moda que usa em persona e pessoa e diz que opta por comprar
peças boas e de qualidade que durem e não se importa de repetir roupas, além de não ser o
tipo de mulher que daria um valor altíssimo em peças desnecessárias. “A persona é mais produzida. Os looks são mais pensados para fora, para o público, para o show. A maneira como me visto representa o que sou artisticamente. Minha persona é construída pelo jeito de me vestir, por como eu me coloco no mundo, pelo que eu falo, pelo que escolho para o meu cabelo e por como eu me posiciono na vida. No dia a dia, sou uma pessoa mais simples, uso o que é a minha cara, sem preocupação de me produzir demais. Minhas escolhas levam em conta a consciência da sustentabilidade, o material, o valor da peça. Nunca vou comprar uma bolsa por 20 mil reais. Jamais, never. Não vou gastar um dinheirão numa peça, isso não faz parte da minha personalidade. Eu repito roupas e looks. Tenho uma relação menos superficial com a moda, pois não fico comprando o vestuário de cada estação, de cada tendência. Escolho poucas coisas que vão contribuir para o meu guarda-roupa, para a minha mistura”.
Essa “mistura” resulta num visual mais clássico, com peças que não sejam muito datadas fazendo um mix com algo de inspiração, tanto no palco como na vida. Para ela, o mais importante é tentar criar seu estilo e procurar o que tem de novidade, que vai caber bem em você.
Tenho peças que comprei em 1985 e ainda uso, pois o meu corpo não mudou tanto assim. Minhas filhas usam também. Tento sempre comprar pouco, peças clássicas que eu possa misturar ao longo do tempo. Um jeans com uma camisa social bacana, um blazer, pantalonas. Sapatos também, adoro botas. E vou misturando – Fernanda Abreu
Embora viva essencialmente o tempo presente, ela mantém roupas e looks. “Algumas coisas foram se perdendo ao longo dos anos e outras eu tenho guardadas numa mala. Figurinos de shows que não vou usar na rua ou em outra apresentação, eu coloco na mala. Coisas que acho que posso vir a usar, roupas cotidianas um pouco mais fashion, guardo na parte de cima do armário e vou lá fuxicar de vez em quando. Não uso muita estampa, mas uso listras, xadrez, uma ou outra coisa gráfica. Isso tudo eu guardo em lugares de fácil acesso. Jeans numa parte, preto em outra, branco numa terceira. Tenho muitas peças pretas e brancas, separo assim para ser mais fácil criar os looks”.
Para criar visuais diferentes, recorre a acessórios, como cintos, écharpes, colares, brincos, pulseiras, chapéus, óculos, dando sempre um tom diferente e estiloso. Apaixonada por alfaiataria, a cantora procura, principalmente, acabamento e modelagem: “São os principais atrativos para mim”.
Se a roupa cai bem, está bem modelada e bem acabada, faz o meu diferencial, distante da fast fashion. Gosto de detalhes, desde o botão que o estilista escolhe até… Os detalhes fazem a diferença e é claro que a paleta de cores é importante, que os tecidos são importantes. Criatividade e inventividade são essenciais, também. Adoro ver os desfiles das semanas de moda e quanto mais o estilista é ousado mais eu gosto. Mas modelagem é tudo – Fernanda Abreu
A cantora ressaltou a satisfação em participar do ID:Rio Festival. “Adoro este evento. As pessoas que estão aqui se interessam por arte, criação, ousadia, cultura, inventividade, criatividade. Isso transforma o ambiente num lugar muito bacana. Um acontecimento como esse não é frequentado apenas por fazedores de moda e de música. O público curte isso também, mas, provavelmente, está interessado no que tem de mais legal, que é a criação. O que move o mundo são as ideias novas”, afirmou. Entre suas ideias está o lançamento, no ano que vem, de um livro, um vinil e um documentário sobre o álbum “Da Lata“, que que vai fazer 30 anos em 2025: “Foi um álbum muito icônico”.
A conexão entre moda e música é, na visão da artista, total. Para ela, a representação visual diz muito sobre a música de cada um. “David Bowie (1947-2016) foi o maior exemplo disso. A carreira dele foi muito ligada às artes plásticas e gráficas, ao design de roupa, à moda. Ele trouxe inventividade. Muita gente que faz música tem uma ligação com moda, com design. Para mim, o figurino ideal é aquele que me permite dançar. Não tenho um stylist para me dizer o que devo vestir, mas tenho pessoas maravilhosas que trabalham comigo, que eu contrato para fazer figurinos porque sabem mais do que eu: Felipe Veloso, Cláudia Kopke, Rogério S. Ou eu me junto com alguma marca, como Victor Dzenk, Skazi, a Ginger, da Marina Ruy Barbosa. Fico de olho no que as pessoas estão criando, coisas em São Paulo. Vou buscando”, conta, lembrando que a filha mais nova, Alice, também a ajuda muito. “Ela é estilista 1 na Farm Global. Sempre pergunto sua opinião quando monto um look. A gente troca muito, porque ela tem olhar incrível para moda”.
Sempre em busca de visões inovadoras, Fernanda conta que não cultiva o passado. “Eu amo viver no contemporâneo. Vivo cada dia e sou muito atenta a mudanças da sociedade. Minha música representa muito como eu vejo o mundo hoje, como vejo a alma humana”, diz, acrescentando:
É importante não passar batido por todas as coisas que a vida vai te oferecendo, ter uma interação com você mesmo e entender isso com naturalidade, entender que é a vida. Senão você pode acabar se deprimindo ou vivendo de maneira superficial através de rede social. É muito interessante dar valor aos encontros reais com as pessoas e a arte, que me fazem refletir sobre a conexão comigo mesma no passar dos anos – Fernanda Abreu
A relação com as redes sociais e a internet, por sinal, é ambígua. A artista acredita que são, ao mesmo tempo, amigas e inimigas de quem cria. “Não podemos ficar escravos das redes sociais e do que ditam, como ter que fazer um milhão de seguidores, lançar um single por mês etc. É igual a drogas: quando passam a te controlar você se vicia e fica numa situação muito ruim. A mesma coisa com as redes sociais. Se você utiliza como algo que possa contribuir para o seu trabalho, aumentar a sua base de fãs… O que quer postar? Como quer se expor nesses locais? Quer exibir mais o lado pessoal, ser uma celebridade, mostrar o seu ofício? Vamos construindo isso aos poucos, como tudo na vida. Não existe a ideia de ‘vou fazer algo para viralizar’. Isso não significa que você vai vender ingressos para o seu show, não significa que vai ter vez no Spotify”.
ABENÇOADA POR SÃO JORGE
Sem saudosismos, Fernanda lembra de um tempo quando o artista podia se dedicar muito mais à criação: “As redes têm um lado bom e um ruim. Você tem que trabalhar mais como divulgador do seu trabalho, que é algo que quem fazia era a gravadora. Você criava as músicas, o show, o clipe, o conteúdo artístico e tinha pessoas cuidando de promoção, divulgação, marketing. Agora o artista tem que ser seu próprio empresário, buscar assessores digitais e de comunicação de mídia tradicional. Você tem que cuidar de todo esse 360 graus, é bem mais trabalhoso. Mas tem outro lado que é incrível, a tecnologia. Com ela você poder falar com o seu público, as pessoas acompanham o seu trabalho, querem ir no seu show sem depender de o jornal anunciar. Tem os dois lados”.
Esses dois lados ficam bem evidentes quando Fernanda fala sobre o atual modelo de negócio na música, baseado em plataformas digitais. “A tecnologia é maravilhosa, não dá para negar. Mas precisamos trazer junto um conhecimento mais subjetivo, mais artístico. Eu faria um modelo nas plataformas em que a pessoa saberia quem é o compositor, o arranjador, os músicos, o maquiador, o designer, o figurinista, quem fez a foto que você vê no Spotify. Teria mais conteúdo, mais história”, ressalta. “O pior do atual modelo é que tem muita fórmula. Tem que fazer uma música de apenas três minutos, tem que botar uma foto para ser vista no Spotify… É muito ‘tem que’. Na verdade, não ‘tem que’ nada, você é o artista, cria o que quiser. E tem o algoritmo. Uma coisa é ir na loja comprar o meu disco, outra é ficar atrás de um algoritmo. Não dá para saber se ele está te refletindo”.
Tem também a questão de o artista pagar às plataformas para veicularem sua música: “É o fim da picada. Ninguém deveria dar dinheiro para tocar em qualquer lugar, é o novo jabá. Antigamente as gravadoras pagavam para as rádios programarem as músicas, hoje as pessoas estão pagando para poderem ser vistas. Isso deixa o mundo cada vez mais desigual, com as big techs ganhando uma grana em cima do trabalho dos outros”.
Tudo isso concorre para que cada vez menos artistas consigam viver de música no Brasil. “Para não ter que fazer mais nada além de música, precisa ter uma carreira de sucesso, uma agenda grande de shows. Direito autoral praticamente não existe nas plataformas digitais. Como não se vende mais CD, não se vende mais disco, hoje só se tem os plays do Spotify – e, na verdade, você não sabe como o Spotify paga, é tudo em centavos, e não sabe como é a política de pagamento deles”, aponta.
No Brasil, 80% dos músicos que vivem de música têm que fazer shows, e o mercado é muito competitivo. Para os jovens construírem uma carreira só na música é bem difícil. Tem gente que tem talento para a música mas não tem vocação para essa profissão. E tem aqueles que que nasceram para cantar, tocar um instrumento, compor. Também se misturou muito o lance de celebridade com artista, que são duas coisas totalmente diferentes. O mais importante é ser verdadeiro com a sua imagem, com o que quer comunicar. Esses têm muito mais chance de acontecer – Fernanda Abreu
Se você for verdadeira com a sua imagem, com o que você quer comunicar para as pessoas, eu acho que tem muito mais chance de você acontecer, de você ser alguém que está ali para contribuir para a cultura e a produção artística. Se for uma coisa meio ‘fake’, meio inventada, que não sustenta, tem grandes chances de daqui a cinco, dez anos ser esquecida – Fernanda Abreu
Quanto à vida pessoal, Fernanda curte os momentos com o marido, Tuto Ferraz, com as filhas, para acompanhar cada vez mais o crescimento da neurologista Sofia e da estilista Alice. Outros planos incluem sair com os amigos, encontrar seu irmão, Felipe, e ter uma vida de muita amizade, amor e saúde, que é o principal. “Meus maiores prazeres, tanto na vida profissional como na pessoal são as pessoas. Os encontros, conversas, sair com os amigos, conhecer gente nova, trocar ideias. Isso é o mais legal. Fora música e dança, que eu amo, e as minhas filhas. É tudo ligado ao amor”.
O Festival ID:Rio 2024 é apresentado por Enel Brasil, com patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Apoio da Prefeitura de Niterói e da Prefeitura de Petrópolis, com realização da Equipe de Produção.
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