Portelenses fazem manifesto de oposição à atual gestão da escola


Documento foi assinado por 100 pessoas e sinaliza insatisfações que vão desde relações de trabalho à exclusão de expoentes da agremiação na tomada de decisões

Clara Nunes em foto histórica reverenciando sua Portela

Maior campeã do Carnaval carioca, a Portela está prestes a renovar a administração para os próximos três anos. No entanto, lideranças e segmentos da escola denotam insatisfação com a atual a administração e lançaram nesta quarta-feira, dia 4 de maio, um manifesto que sinaliza questões que, segundo o grupo, são imprescindíveis e inadiáveis de serem debatidas e solucionadas. O documento, assinado até agora por 100 portelenses, aponta falta de transparência financeira, precarização das relações de trabalho e afastamento dos expoentes da agremiação na tomada de decisões.

“É fundamental que mudemos a gestão. Há um clamor público por transparência administrativa. A Portela que inovou em tantas questões pode ser pioneira na criação do primeiro portal da transparência no universo das escolas de samba. Isso resgataria a credibilidade institucional da Portela junto a credores e futuros investidores”, destaca Richard Rodrigues, ex-consultor jurídico da escola e um dos responsáveis pelo movimento.

O manifesto vem sendo recebido com otimismo e entusiasmo pela maioria dos portelenses. O objetivo é resgatar os elos com expoentes, admiradores e frequentadores que, decepcionados com a atual direção, se afastaram da instituição nos últimos anos. O intento é a criação de uma chapa oponente, que tem como premissa uma gestão horizontalizada, transparente, democrática.

“A Portela possui um ativo simbólico imensurável. O desfile é consequência das ações desenvolvidas dentro da escola. E o que nos vem chamando a atenção é a precarização das relações de trabalho, algo que se tornou mais evidente no período de pandemia. Os trabalhadores do barracão e da quadra precisam e devem ser respeitados, cumprir carga horária definida, ser contratados com carteira assinada e, principalmente receber em dia”, sinaliza Vagner Fernandes, jornalista, escritor e pesquisador, autor da biografia de Clara Nunes, figura mítica da Portela.

Paulo da Portela, o fundador. Em 2023, a escola de samba comemora 100 anos

Um dos pontos mais criticados por segmentos da escola é “a postura da atual administração, o que contraria as promessas feitas durante a campanha”. Portelenses natos tiveram o título suspenso durante o período de pandemia e estarão impedidos de votar nas próximas eleições. Pontuam que a escola não enviou os boletos de pagamentos para os sócios contribuintes no auge da crise sanitária. E que, agora, tem impedido as pessoas de atualizarem os pagamentos, justificando impossibilidade devido ao preconizado pelo estatuto.

“Estávamos no auge de uma crise sanitária sem precedentes. Os boletos não foram enviados. Ainda que tivessem sido encaminhados, a administração, igualmente a companhias como a Cedae, a CEG e a LIGHT, deveria ter comunicado publicamente aos sócios e interrompido a cobrança por um período. Não o fizeram e suspenderam os títulos. É uma ação antidemocrática. Muitos não poderão votar devido a uma desorganização interna. Será que as pessoas terão de entrar na justiça para fazer valer os seus diretos?”, questiona Richard.

A decepção com a atual gestão tem levado muitos integrantes de departamentos a uma situação de coadjuvantismo por receio de retaliação. As decisões sobre os rumos da Portela não têm sido compartilhadas. De acordo com Vagner, a insatisfação não se resume a um grupo.

“Há um entristecimento coletivo, presente em todos os segmentos. A Portela está fraturada, dividida. Isso prejudica a instituição, afasta potenciais parceiros. É importante fazermos esse debate público respeitoso. Não há briga. Há divergência, contraposição. Estamos exercendo um direito. Democracia se constrói e se consolida na divergência”, ressalta o jornalista.

Monarco deixou um legado de vida à Portela

A Seguir o MANIFESTO RESPEITA PORTELA

Ao completar 100 anos em 2023, a Portela reafirma a sua importância no panteão das mais importantes instituições do Brasil. Se em 1923 mestre Paulo da Portela, fundador da azul e branco de Oswaldo Cruz, ao lado de Antônio Rufino e Antônio Caetano, selou o traço de união entre duas culturas, a do Brasil e da África, todos os que o sucederam fizeram _ e ainda fazem _ valer o seu legado. A Portela é a poesia de Aniceto, Mijinha, Manacéa, Argemiro, Alberto Lonato, Chico Santana, Casquinha. A Portela é a alegria de Alcides Dias Lopes, Alvaiade, Colombo, Picolino. A Portela é a resistência de Candeia, Clara Nunes, Waldir 59, Zé Ketti, Wilson Moreira, Monarco, Noca e Paulinho da Viola. A Portela é o frescor e a alegria imprescindível de suas pastoras antológicas. Salve Tia Doca, Eunice, Jane, Áurea Maria, Neide Santana, Surica. A Portela é tão grande que não cabe explicação, como o bailado de Wilma Nascimento, o cisne branco da passarela, e a energia soberana, inigualável e indelével, de Natal.

Candeia

Preservar a tradição, portanto, é uma necessidade. Respeitar e compartilhar afetos é uma condição. Não há escola de samba sem laços afetivos com a comunidade que a ergueu. Não há escola de samba sem os trabalhadores que, do barracão, constroem de forma singular e apaixonada toda a magia que se materializa em 70 minutos no desfile da Marquês de Sapucaí. Não há escola de samba sem Velha Guarda. Não há escola de samba sem santos padroeiros. Viva Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Conceição, São Sebastião. O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça, sentenciou Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropofágico de 1922, um ano antes de a Portela, com a sua águia altaneira, nascer. Voar em busca da 23ª estrela do pavilhão torna-se o objetivo maior daqui por diante. Importante será completarmos essa constelação no próximo ano, quando celebraremos o centenário da agremiação.

Este manifesto RESPEITA PORTELA tem como finalidade trazer para o centro do debate questões importantes e inadiáveis no momento eleitoral que se aproxima no G.R.E.S Portela. A retomada pós-pandemia nos impõe responsabilidades e reflexões sobre os rumos que desejamos a maior campeã do Carnaval carioca para os próximos três anos. É premissa inegociável que tenhamos uma gestão absolutamente transparente, com prestação de contas bimestral apresentada no site oficial da instituição e em suas redes sociais. A Portela deve satisfação pública aos sócios proprietários, às empresas privadas e às instâncias de governo (federal, estadual e municipal) dos recursos recebidos. A credibilidade de qualquer organização passa principalmente, no atual contexto sociopolítico, pela transparência com que conduz a sua administração financeira.

Natal da Portela

A marca Portela possui valor simbólico imensurável, superior a de muitas companhias consagradas. Corporações de diferentes segmentos do Brasil e do  exterior denotam avidez e predisposição a estabelecer parcerias com a escola no campo social, cultural e também acadêmico. Portanto, é fundamental evidenciarmos que a Portela é uma instituição com gestão sólida, diafaneidade financeira, diretrizes e objetivos bem definidos. A terceira década do século 21, deste mundo globalizado, nos aponta que administrações com a participação da sociedade civil organizada têm se convertido em tendência mundial nas empresas, sejam essas públicas ou privadas. A Portela não pode, assim, ignorar mais os seus segmentos e as comunidades da Grande Madureira. Abramos as portas para diálogo franco e amistoso com as alas de compositores, os ritmistas da Tabajara do Samba, as baianas, as passistas, as alas coreografadas, os departamentos social e feminino, os diretores de Harmonia, os casais de mestre-sala e porta-bandeira, as costureiras, os aderecistas, pintores, escultores, sapateiros, chapeleiros, ferreiros, eletricistas, iluminadores. Que saudemos e ouçamos todos os que, de fato, produzem e fazem acontecer o Carnaval portelense. Chegou a hora de dar voz e vez àqueles historicamente excluídos das decisões da agremiação.

Há um clamor público para que as escolas de samba se adequem às legislações vigentes, valorizando, sobretudo os prestadores de serviços. Mapear as necessidades desses profissionais, mantendo a regularidade de seus salários em regime celetista (carteira assinada) é ponto de partida para o  RESPEITA PORTELA. Devemos por fim à precarização das relações de trabalho existente no barracão e na quadra. A pandemia expôs contundentemente o drama de que todos temos conhecimento: a vulnerabilidade dos trabalhadores do Carnaval. A Portela, pioneira em tantas inovações na folia, precisa avançar neste terreno. Será a maior transformação e mais importante contribuição no ano de seu centenário. A Portela tem urgência em ganhar um novo título na passarela, mas não pode jamais esquecer dos que, nos bastidores, dedicam a vida à gloria de suas apresentações na avenida. A águia representa coragem e força. É chamada de Rainha dos Céus por sua soberania, beleza e imponência. Cabe a nós, aqui na terra, dar dignidade aos que ela protege sob as asas.

 

Este é um manifesto de divergência, mas também de paz. Se divergir é um direito, respeitar é um dever. RESPEITA PORTELA.