“Para a mulher que rompe convenções sociais, tem quilos a mais, censuras a menos, é complicado”, diz Fafá de Belém


A cantora terá live transmitida diretamente de Portugal no dia 9 de agosto, data em que celebra o seu aniversário, e o Dia dos Pais no Brasil. Em conversa com o site, Fafá comentou sobre suas lives, e sobre a celebração, mesmo no modo pandemia, dos seus 45 anos de carreira. Além disso, a artista destacou a cultura brasileira de super valorização da juventude no âmbito profissional, e reafirmou a postura de romper padrões impostos: “Nunca fui convencional, ainda assim, muitas vezes me cobram posturas assim, para responder às expectativas. Hoje estou muito mais tranquila comigo, porque também depois de 60 anos, se você não for assim, não vale a pena o que viveu. Mas já sofri reprimendas e até sugestões para que eu mudasse minha gargalhada, porque não era a de uma mulher fina, que tal?” E mais: Eu não faço parte desse nicho. Sou uma cantora popular, mas não me enquadro nem no funk, nem no sertanejo, eu canto tudo”

*Por Brunna Condini e Simone Gondim

Ela segue reafirmando sua fé e esperança, apesar de toda instabilidade e incertezas ao redor. E é vibrando nessa energia que Fafá de Belém vem se preparando para a live que será transmitida ao vivo, diretamente de Portugal, no Auditório do Centro de Estudos de Fátima, dia 9 de agosto, seu aniversário e domingo de Dia dos Pais no Brasil. “Amo Portugal. Estou lá e cá há 36 anos. E posso dizer, que lá eles têm uma organização governamental sensata e uma obediência civil às normas da Organização Mundial de Saúde (OMS), então as expectativas para este momento são as melhores. Estava com muita saudade de Portugal”, diz Fafá. “Espero que essa live converse com as pessoas, que seja um momento de emoção e alegria no meio de tudo isso, que a gente possa cantar juntos, mesmo que virtualmente. Que sintam que a fé não nos abandonou. Não sei como cada um de nós sairá disso tudo, mas acho que sairemos mais solidários, mais leves e menos rancorosos, e entendendo que sem os outros, não somos ninguém”.

Não sei como cada um de nós sairá disso tudo, mas acho que sairemos mais solidários, mais leves e menos rancorosos, e entendendo que sem os outros, não somos ninguém” (Divulgação)

Será a primeira live de uma artista brasileira pela Cliveon – Culture Live Online, uma sala virtual de espetáculos, plataforma onde as pessoas compram os ingressos virtuais com valor simbólico de 2 euros. Com a reabertura das salas, será emitido também um número limitado de ingressos distribuídos como cortesias, que darão direito a entrada física no local do espetáculo. “Vai ser emocionante. Nem nos meus melhores sonhos pensei em passar meu aniversário assim, cantando para o mundo. Durante essa pandemia só rezava para não perder a fé, a esperança e a alegria. Essa coisa de cantar no Dia dos Pais é muito forte, e no Santuário de Fátima. Meu pai era devoto de Nossa Senhora, também sou devota por conta dele, e por isso me chamo Maria de Fátima, todos sabem. Não acredito em coincidência, acho que as coisas vão se fechando, existe uma conexão qualquer, imperceptível, aí quando você vê, recebe um presente como esse. Estou muito emocionada mesmo”.

“Vou comemorar o meu aniversário em Fátima, que considero minha mãe, no Dia dos Pais, cantando com a minha filha” (Reprodução Instagram)

A cantora estará acompanhada da filha, Mariana Belém, do maestro Luiz Karam e um guitarrista de fado português. “Além dos meus sucessos, vou cantar fados, canções religiosas e músicas portuguesas de autores contemporâneos como Paulo Gonzo, Rui Veloso, Ana Bacalhau, o grupo Deolinda, e Carolina Deslandes”, completa Fafá, que terá a participação especial da filha nas canções “Nuvem de Lágrimas” e “Jardim Proibido”. “Vou comemorar o meu aniversário em Fátima, que considero minha mãe, no Dia dos Pais, cantando com a minha filha, e fazendo um espetáculo para o mundo de piano e guitarra portuguesa. Só agradeço. E como agradeço!”

Antes, mais uma live

Ela conta que tem cuidado e preservado a saúde, e que trocou os momentos iniciais de apreensão pelo foco no trabalho e na rotina. “Tive momentos de tristeza, muita reflexão, mas não entrei em paranoia. Em um primeiro momento, não conseguia me concentrar em nada, mas depois me concentrei no trabalho. Como trouxe o escritório para casa, agora sei até fazer planilha”, garante, soltando a famosa gargalhada.

Fafá revela que antes da pandemia do novo coronavírus tinha uma agenda toda programada ao longo do ano com shows e celebrações pelos 45 anos de carreira, completados neste 2020. “Tivemos que parar com tudo. No Carnaval abri o Galo da Madrugada, para iniciar as comemorações. Mas a data que tínhamos como marco, seria o 25 de março – quando estreei na novela “Gabriela”, em 1975, com a canção “Filho da Bahia, de Walter Queiroz -, mas nesta data já estava trancada em casa há cinco dias”, recorda.

“Tive que repensar, reprogramar, mas não entrei em pânico. Gosto muito de ficar sozinha, pensar, escrever, inclusive tenho pensado na minha biografia. Reaprendi a estar na minha casa. Ano passado não parei em casa, já neste, estou há quatro meses sem sair. Fechei o escritório e fui diminuindo custos, porque não sabemos como vai ficar. E me direcionei para o trabalho. Foi aí que Mariana, que hoje está à frente das minhas empreitadas, das lives, patrocínios e tal, resolveu ficar aqui em São Paulo e as crianças (as netas Laura, 8, e Júlia, 4) foram para o sítio dos avós paternos. Criamos uma pequena equipe de captação. E não parei mais, tem as lives de domingo, as lives Papo de Mulher, das quintas-feiras, mas nunca imaginei. Havia uma aposta muito grande que eu ia fugir para Portugal, mas não tinha nem voo (gargalha). Sou muito disciplinada quando eu quero”.

“Olho para trás e fico muito orgulhosa da trajetória que fiz. Não pensava em ser cantora, mas sempre sonhei em ter uma profissão que me levasse para o mundo” (Divulgação)

A artista tomou gosto pelas lives, tanto, que antes da que acontecerá em Portugal, também vai se apresentar neste sábado, dia 1º de agosto, às 20h, com transmissão por meio do canal no YouTube do Blue Note Rio. Para ajudar as pessoas mais afetadas pela pandemia, a tela de transmissão trará um QR Code através do qual poderão ser feitas doações de cestas básicas para o projeto Mesa Brasil, promovido pelo Sesc. Além disso, a live disponibilizará outro QR Code para que as pessoas se inscrevam no projeto Meu Porto Seguro, criado para contratar temporariamente 10.000 pessoas que buscam por oportunidades de emprego.

Quase 64 anos de vida, 45 de estrada e muitos planos pela frente

Considerada “Musa das Diretas Já” por sua participação em diversas manifestações em 1984, e única artista no mundo a se apresentar para três papas, a convite do Vaticano, Fafá colecionada boas histórias e recordações. Além de contabilizar mais de 30 álbuns gravados, mais de 15 milhões de discos vendidos entre Brasil e Portugal, cerca de 60 canções em trilhas de novela (inclusive sua primeira live teve esse tema), e incontáveis apresentações por aqui e pela Europa.

“Olho para trás e fico muito orgulhosa da trajetória que fiz. Não pensava em ser cantora, mas sempre sonhei em ter uma profissão que me levasse para o mundo. Quando vim morar aqui no Rio, nos anos 1970, fui me aproximando da música por conta dos meus irmãos que tocavam, um deles tocou com o Belchior. Fui conhecendo as pessoas. A vida foi me levando por muitos caminhos, tenho muitas histórias para contar. Talvez um dos grandes momentos tenha sido mesmo a campanha das “Diretas Já” (ela participou de mais de 30 comícios). E foi tudo por acaso. Porque eu tinha uma causa, tinha a política na veia, como tenho, mas não era de partido nenhum. E, de repente, estou diante do Brasil, foi fantástico, porque conheci um país que não conhecia. Que entendia o meu jeito espontâneo, que era olhado de um jeito meio torto nas convenções da banda de cá. Quando recebi o convite para o primeiro papa, João Paulo II, também foi muito emocionante. E depois, quando com 60 anos ressignifiquei minha vida, minha carreira, novamente, enfim, foi tudo inesquecível”.

“Desejo também fazer um disco só de músicas do Milton Nascimento” (Divulgação)

Existe algo na música que você ainda gostaria de fazer? “Quero poder gravar meu show de rock, que adoro. Também quero fazer mais o espetáculo do álbum “Humana” – um trabalho em que gravou nomes como Letrux, Fátima Guedes, Adriana Calcanhoto e Ava Rocha – que é um espetáculo radical. Quero fazer uma live dele. E desejo também fazer um disco só de músicas do Milton Nascimento, que é meu querido amigo. Conheço o Milton desde os 13 anos. Nossa amizade vai além do palco, é de coração, afeto. Quero fazer muitas coisas ainda”.

 Liberdade e potência

A cantora paraense afirma que por respeitar sua essência e ser avessa à pressão de padrões sociais, já sofreu muitos preconceitos. “Algumas barreiras quebrei mais recentemente, e outras nem sei se consegui quebrar. Me perguntaram esses dias se chegar onde cheguei, sendo mulher, era difícil, te digo que não sei dizer, fui fazendo. Mas os preconceitos por ser do Norte, de Belém do Pará, por não ter o manequim 40, 42, por ser uma pessoa muito colorida, gargalhar alto, passar batom vermelho, andar descalça, isso acontece ainda. E até das pessoas mais abertas, próximas, muitas vezes vêm alguns olhares de censura. Acho que para a mulher sempre foi mais difícil, mas para a mulher que rompe convenções sociais, tem os quilos a mais, o decote a mais, os sapatos a menos, as censuras a menos, é bem complicado. De uns tempos para cá falam de empoderamento. Mas te digo que já conhecia e batalhava isso desde lá atrás”.

“Para a mulher que rompe convenções sociais, tem os quilos a mais, o decote a mais, os sapatos a menos, as censuras a menos, é bem complicado” (Divulgação)

Você já contou que, para fazer sua primeira live, não encontrou patrocínio logo de cara, as empresas vieram procurá-la depois que você decidiu tocar a apresentação por conta própria e começou a anunciar em suas redes. Causa estranhamento a ausência de interesse, a princípio. A que você atribui esse fato? “Bom, tem vários assuntos nisso aí. As lives começaram milionárias e com nichos musicais, até mais populares, mas que dialogam com uma coisa mais de agora, mais da moda. Eu não faço parte desse nicho. Sou uma cantora popular, mas não me enquadro nem no funk, nem no sertanejo, eu canto tudo. Acredito que eu tenha sido a primeira das cantoras da minha geração, e do meu tipo de repertório, a fazer uma live. Depois veio o Milton (Nascimento), o Gilberto Gil. Mas acho que fui das primeiras, talvez eu e a Marrom (Alcione)”, salienta.

“Até tinha boa receptividade, mas tenho 63 anos, e quando desenhamos meu repertório, ele é para quem quer falar de memória. Além disso, eu também era contra beber algum produto para patrocinar a transmissão. E acho que podia ter a ver também, com um preconceito que existe fortemente, principalmente no Brasil, de uma leitura que pessoas com 60 ou mais não fazem mais parte da sociedade. Essa é uma leitura muito brasileira, que trata as pessoas dessa idade como se fossem descartáveis. Eu, inclusive, faço parte de um movimento nascido em Pernambuco chamado “Geração 60+”, que mostra o contrário. Acho isso um erro de olhar, até porque quem está em casa neste momento, precisa alimentar a sua vida, a sua existência. Tanto que as minhas lives foram uma explosão de visualizações, graças a Deus. Então, existe público, mas existe também uma garotada que toma conta do marketing, que está mais focada em coisas, que “estão mais aí no momento”,  entendeu? E com isso deixam muita gente de fora. Nunca fui convencional, ainda assim, muitas vezes me cobram posturas assim, para responder às expectativas. Hoje estou muito mais tranquila comigo, porque também depois de 60 anos, se você não for assim, não vale a pena o que viveu. Mas já sofri reprimendas e até sugestões para que eu mudasse minha gargalhada, porque não era a de uma mulher fina, que tal?”.